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Escrito por Adérito Caldeira em 28 Setembro 2017 |
Muito antes do Congresso iniciar, o cientista político moçambicano Salvador Forquilha alertava que um dos maiores desafios da construção do Estado em Moçambique tem a ver com a associação de “reformas de descentralização à gestão de conflito e à estabilidade política” pois “requer a desconstrução e reinterpretação da ideologia da unidade nacional, que olha para a descentralização, particularmente a devolução, como uma ameaça ao Estado unitário.” “(...) Moçambique precisa não só de um outro modelo de descentralização, diferente do que está em curso, como também de reformas profundas do próprio sistema político, visando uma maior partilha do poder a diferentes níveis da organização político-administrativa do Estado, ou seja, um modelo de descentralização que permita que a diversidade e a heterogeneidade social, económica e política do País se reflitam nos processos de tomada de decisões e de construção das instituições. Isso seria possível através de um modelo de descentralização com um elevado grau de devolução para as províncias e para os governos locais(urbanos e rurais)” sugere Forquilha num artigo publicado no livro “Desafios para Moçambique 2017” do Instituto de Estudos Sociais e Económicos(IESE).
Democracia baseada no princípio o vencedor leva tudo propicia a partidarização do Estado e exclusão política
Embora
Filipe Nyusi tenha dito no seu discurso que o partido Frelimo deve
orgulhar-se de ter iniciado a descentralização de Moçambique mesmo antes
da Independência, e tenha recordado que foi o Congresso de 1968 que
“aprovou um modelo de gestão descentralizada das zonas libertadas”,
Salvador Forquilha retrocede no seu artigo até os primórdios do
surgimento da Frente de Libertação de Moçambique(FRELIMO) para
compreender as clivagens estruturantes do conflito político recorrente
no nosso País.“(...) Desde os primeiros anos da sua existência, a FRELIMO estava longe de representar a síntese de interesses das diferentes formações políticas que tinham aderido à Frente”, constata o pesquisador de processos de democratização, descentralização e governação local. O académico recorda ainda no seu artigo que “embora a referência à luta contra o tribalismo, o regionalismo e o racismo fosse uma constante nos discursos políticos das elites dirigentes da Frelimo, desde os primórdios da luta anticolonial, o processo de construção do Estado revelou, mais tarde, a relevância de questões étnicas no contexto da reivindicação do acesso ao poder político por parte de determinados grupos de fora e de dentro da Frelimo.” Forquilha constatou também que numa sociedade tão dividida e heterogénea como Moçambique, “o modelo de democracia baseado no princípio o vencedor leva tudo propicia a partidarização do Estado e a consequente exclusão política, fenómenos que, em Moçambique, atingiram níveis importantes.”
Descentralização gradual originou o surgimento de dois grupos de moçambicanos
Como
que antecipando a explanação do presidente do partido Frelimo, que no
seu discurso deixou claro que “não deve existir conflito entre
descentralização e preservação da nossa maior conquista que é a unidade
nacional”, o pesquisador do IESE volta aos primeiros passos de reformas
para uma administração pública menos centralizada, dados na década de
90, e entre outras aspectos refere a sempre presente “cultura política
cristalizada na ideologia da unidade nacional, que olha para a
descentralização como uma ameaça, em vez de uma oportunidade”.Para Salvador Forquilha a opção do partido Frelimo por uma descentralização gradual originou o surgimento de dois grupos de moçambicanos “os que têm o direito de ser governados localmente por autoridades eleitas a cada cinco ano(uma minoria – os moçambicanos que vivem nas 53 cidades e vilas autarcizadas) e os que não têm esse direito(uma maioria – os moçambicanos que vivem no resto dos distritos do País) e, por isso mesmo, são governados localmente por autoridades indicadas pelo Estado central.” O académico moçambicano não tem dúvidas que “o modelo de descentralização em curso, que combina, ao mesmo tempo, uma desconcentração para as províncias e para os distritos e uma devolução para as 53 autarquias locais, num contexto marcado por uma forte tradição centralizadora e por uma ideologia de unidade nacional, que olha para a descentralização como uma ameaça ao Estado unitário, dificilmente pode jogar um papel relevante na gestão do conflito e trazer estabilidade política ao País”. |
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