O economista Nuno Castel-Branco defende que a crise que se vive em Moçambique não se deve apenas às dívidas ocultas contraídas pelas empresas Ematum, MAM e ProIndicus, mas também resulta das políticas capitalistas adoptadas ao longo dos anos pelo Estado.
“A dívida é uma consequência e não a causa primária da crise mais geral. A crise da dívida tornou-se, também, uma causa de outros problemas. Se a causa primária da crise não é a dívida, também não pode ser a dívida ilícita (que é parte da dívida). Estes dois problemas são muito importantes e enfrentá-los é parte da solução, mas não são a causa primária da crise. A crise não foi causada apenas por má gestão ou factores externos”, disse Castel-Branco, que foi um dos oradores da V Conferência Internacional do Instituto de Estudos Sociais e Económicos – IESE, que decorre em Maputo.
O economista socorreu-se de um estudo da “Forbes” para concluir que Mocambique registou crescimento do número de milionários a um custo de surgimento de muitos novos pobres. “A forma particular como esse processo de reorganização e expansão do capitalismo acontece em Moçambique é determinada pelo foco do processo político e económico nas últimas duas décadas, que consiste em formar uma classe de capitalistas. Revistas especializadas, como a Forbes, mostram que Moçambique é um dos países africanos com uma taxa mais rápida de crescimento do grupo de milionários. Entre 2002 e 2014, o número de milionários moçambicanos duplicou, aumentando em um milhar, e o número de pobres aumentou em cerca de 2,1 milhões. Isto é, cada novo milionário custou pouco mais de 2 000 pobres”, concluiu.
Para o economista, a formação de capitalistas, nas condições de Moçambique, depende de acesso à capital externo, sendo que, para mobilizar esse capital, o Estado pôs à sua disposição os recursos estratégicos e a sua capacidade de endividamento, conduzindo a economia para a crise que se vive.
Castel-Branco acrescenta que a estratégia de formação de capitalistas e que levou Moçambique à situação difícil em que se encontra foi concretizada através de três primeiras ondas de expropriação do Estado: as privatizações de empresas da década de 1990, a expropriação e privatização dos recursos naturais estratégicos na última década e meia e endividamento desenfreado do Estado, na última década, a favor do capital privado.
Por outro lado, o académico diz que a resposta que está a ser dada à crise daí resultante é a quarta onda de expropriação do Estado moçambicano, na medida em que este assume a privatização das finanças públicas, a financeirização dos recursos estratégicos e a austeridade social.
Isto porque Nuno Castel-Branco entende que, com esta opção do Governo, “a economia gerada não multiplica empregos decentes nem reduz pobreza, embora crie milionários, e reproduz as estruturas dependentes de expansão económica até ao ponto de ruptura, que, neste caso específico, foi cristalizado na crise da dívida”.
Crescimento não reduziu pobreza em Moçambique
O académico reconhece que, nos últimos 10 anos, Moçambique registou uma taxa de crescimento económica robusta, mas refere que a mesma não foi capaz de reduzir os níveis de pobreza. Comparando com os outros países da região que tiveram taxas de crescimento económico mais baixas que Moçambique (na ordem de 5% ao ano), o economista inferiu que a pobreza reduz mais nesses países (2% ou mais), o que torna as taxas de crescimento de Moçambique (na ordem de 7%) menos eficazes na redução pobreza (de apenas1%).
Castel-Branco voltou a fazer um reparo à forma como Moçambique tem apostado na indústria extractiva para impulsionar a economia, dado que produz empregos limitados e, no contexto moçambicano, não tem reduzido a pobreza.
Sem comentários:
Enviar um comentário
MTQ