POR: Luís Nhachote
A julgar pelas diversas reacções ao recém-publicado relatório sobre as chamadas ‘dividas ocultas’, parece que a Kroll abriu uma lata de minhocas. Só que não parece que vai ter o trabalho de apanhá-las nem de fechar a lata. A bola ficou com outros, entre eles os moçambicanos que já fazem juízos de valor na imprensa, quer formal ou nas redes sociais.
Umas correntes dizem que o relatório desvendou o mistério e que agora a Procuradoria-Geral da República, deve correr para prender os implicados. Outras estão tristes porque o nome do Presidente Guebuza não aparece mencionado no relatório. Há ainda os que dizem que o relatório não encontrou crime, apesar de auditoria forênsica. Outros indivíduos ou entidades, incluindo os bancos envolvidos como a Credit Suiss e a VTB dizem que o documento é enganador.
Há um princípio básico que diz que um documento que precisa de ser interpretado, e que pode ser interpretado de maneiras diferentes, é porque não é claro para a sua audiência. E no caso vertente, quem escreveu o documento é uma empresa que nos foi apresentada como a melhor do mundo para descobrir dinheiro que desaparece sem deixar rastos, aos olhos dos leigos. Os entendidos na matéria dizem que este documento não pode ser considerado produto de investigação como se propalou, mas sim um documento comum de auditoria, que muitas outras empresas, incluindo os da praça Moçambicana poderiam ter feito.
Uma coisa estranha que aparece no relatório é a desculpa de que as autoridades e pessoas envolvidas sonegaram informação. Isto parece aquilo que se chama de justificação de mau pagador para quem é investigador. Os filósofos antigos como Marcus Aurelius e Epictetus, introduziram na filosofia o que chamaram de “premeditatio malorum” (premeditação dos males ou dos diabos) para ajudar o raciocínio e o processo de resolver problemas complexos. Este processo consiste, em antecipadamente, tentar prever o pior que pode acontecer num processo de investigação, tomada de decisão ou mesmo na vida. A possibilidade de prever o pior que pode acontecer, leva a contornar o obstáculo. Ainda hoje, muita gente e muitas organizações funcionam com “premeditatio malorum”.
Se a Kroll tivesse usado este adágio filosófico, teria facilmente previsto que essas instituições e indivíduos não iriam facilmente cooperar ou por protecção ao segredo de Estado, se for o caso, ou para esconder o crime se é que ele existe, ou ambos. Não parece haver dúvidas, de que a Kroll é uma empresa profissionalmente estabelecida e com experiência larga. No seu website ela categoricamente afirma, que conduziu com sucesso buscas internacionais de património desviado e que se julgava perdido. Por isso não faz muito sentido que a Kroll hipotecasse o sucesso do seu trabalho na cooperação dos implicados.
Esta desculpa, quando alinhada com outros passos precedentes, pode indicar outros objectivos por trás desta investigação. Primeiro, porque é que tivemos que precisar de uma organização de tanto peso internacional para resolver um problema que teria sido tratado melhor de outra maneira menos polémica e intrusiva, quando nunca se consegue uma empresa deste peso para nos ajudar a resolver os problemas de agricultura e de comercialização? Em segundo lugar, não há exemplo actual de uma empresa privada investigar o que quer que seja dentro das Forças de Defesa e Segurança de nenhum País.
Quando alguém credível acusa as Forças Armadas Aliadas no Iraque ou na Síria de bombardear alvos civis ou civis, essas Forças recusam categoricamente que alguém de fora delas venha fazer a investigação para confirmar ou não. Elas próprias fazem a investigação e agem sobre os resultados. Não se imagina a Kroll ou outra empresa similar investigar o Pentágono, a CIA, FBI, ou o MI5.
Ninguém se atreveria se quer a sugerir que uma empresa privada, e ainda por cima estrangeira, fosse investigar a Agência Russa de espionagem SVR RF, ou a VAJA do Irão, ou ainda a MOSSAD de Israel. Porque então em Moçambique é aceite e com certa facilidade que se investigue o SISE e o MDN por empresa estrangeira?
A escolha da Kroll foi feita de maneira pouco usual. Se uma empresa estatal Moçambicana, ou Ministério tivesse selecionado uma entidade por adjudicação directa a custo de 50 milhões de dólares americanos, essa empresa corria o risco de ser investigada ou mesmo incriminada por corrupção ou falta de transparência. Porque este caso da Kroll então? E depois a investigação deu o que deu e aceite sem questionar a superficialidade do resultado. Estes questionamentos, e outros possíveis ficam no ar para reflexão e julgamento de cada um.
Neste julgamento ocorre a possibilidade de pensar na lata de minhocas. Há exemplos recente de aberturas de latas de minhocas por métodos as vezes subtis e as vezes não, e que os países onde isso aconteceu, ainda estão a tentar apanhar as minhocas para voltar a coloca-los em sitio controlável. Os que abriram, ou mandaram abrir, estão a aproveitar o caos ou a assistir de longe e julgar. E esta tentativa de voltar a controlar as minhocas espalhadas tem preço em vidas humanas, instabilidade social, política e económica.
No Iraque, a busca de armas de destruição massiva abriu latas de minhocas e o povo Iraquiano até hoje esta a pagar para controlar as minhocas. Quando Sadam Hussein ia ser enforcado, um dos presentes gritou para ele: “Vai arder no inferno”. E Sadam respondeu qualquer coisa como “não vai ser pior do que o inferno em que Iraque vai mergulhar”. E o Iraque é um inferno ainda hoje que procura conter minhocas de todo tipo. No Afeganistão, na Líbia, na Síria, etc. aconteceu o mesmo fenómeno, se bem que o método foi diferente do da Kroll, porque nunca teria sido aceite pelos Governos e povos destes países.
Porque estes exemplos não servem de lição para Moçambique? Estes questionamentos não servem para defender o crime e os criminosos. Servem para aprofundar os nossos problemas e saber erradicar a sua existência de forma efectiva e soberana.
A corrupção é um grande mal no País, mas é no fundo sintoma de um problema moral muito maior, que está a desgastar a nossa sociedade e dignidade. Se pode ser verdade que há poderosos que podem bloquear o funcionamento da justiça no esquema das chamadas dívidas ocultas e outros casos, também é verdade que o problema não se resolve chamando empresas de fora para ajudar desta maneira. Tem que ser moçambicanos a resolverem se querem manter a sua dignidade e a sua soberania.
Infelizmente entre moçambicanos fazedores da opinião pública há os que parece que não conseguem separar o País de Governo ou de indivíduos associados ao Governo. Para atingir esses indivíduos ou o Governo dão tiros para o País inteiro, pois não restam dúvidas de que quando um País deixa uma empresa de inteligência privada, estrangeira ou não, investigar as suas Forças de Defesa e Segurança, está a hipotecar a dignidade e a soberania do País.
Quando o antigo Presidente Americano, George Bush, apareceu de uniforme militar a declarar “Missão Cumprida” em relação a invasão do Iraque, mesmo depois de descobrir que Sadam Hussein não tinha armas de destruição de massa, e a guerra continuava, o mundo achou que o Presidente George estava a mentir. A missão não tinha sido cumprida ainda. Mas se calhar não estava a mentir. A missão, talvez, era abrir a lata de minhocas e deixar aos Iraquianos a tarefa difícil e inglória de controlar as minhocas. O Presidente George lembrava Júlio César do Império Romano que cada vez que subjugava um povo ou um reinado gritava “Veni, Vidi, Vici” (Vim, Vi e Venci). Quem sabe se essa era a missão da Kroll na agenda de outros interesses? Se era essa a missão, a Kroll, ou os mandatários podem gritar “Missão Cumprida” ou “Veni, Vidi, Vici”, pois a lata de minhocas parece aberta.
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