sábado, 18 de fevereiro de 2017

Zona da Lixeira de Hulene: Uma Região Autónoma?


Para quem percorre a Avenida Julius Nyerere, ao longo da qual se encontra a maior e mais antiga lixeira do país – A LIXEIRA DE HULENE, já deve ter-se dado conta de o quanto os catadores de lixo se sentem os verdadeiros donos e gestores daquela via. Sentem-se como se fossem a própria Administração Pública.
I. Constatações:
1. Ao longo daquela avenida parecem não funcionar os comandos do Conselho Municipal e nem da Polícia da República de Moçambique, senão dos catadores de lixo que saqueiam bens nas viaturas em movimento ou a meio do congestionamento. Produtos dos vendedores ambulantes arredores, costumam a não escapar do saque.
2. Na mesma via, diariamente, é possível assistir catadores de lixo, com destaque a jovens e crianças, a pendurarem-se nos carros que levam os resíduos sólidos para aquela lixeira. Aliás, nem mesmo os transportes semi-colectivos de passageiros, vulgo “chapa 100”, escapam do “boleiar” daqueles homens.
3. Dois, três ou mais catadores “boleiam-se” na traseira dos semi-colectivos. Facto é que os transportadores que intentarem desafia-los, incorrem à sanções imediatas, a destacar, (i) a vandalização da viatura, (ii) o saqueamento da receita laboral, e até mesmo (iii) a molestação do motorista e de seu respectivo cobrador.
4. O consumo desviante de bebidas alcoólicas, e de outros tipos de drogas, é prática comum entre aqueles homens que jurisdicionam aquele território segundo as suas próprias leis, descurando das leis que emanam das entidades ou órgãos com competência normativa do nosso país que objectivamente conhecemos.
5. Embriagados, os catadores de lixo costumam protagonizar pânico entre os comerciantes à volta, exigindo deles o pagamento de uma taxa por desenvolverem actividades nas proximidades do território sobre sua tutela. E conforme a Administração Pública local, quem não paga incorre à sanções que podem ser de variados tipos.
6. Os “fiosses”, as “badjias”, os “rachéis”, afiguram na lista dos pratos preferenciais do cardápio dos catadores do lixo, que em muitos casos, são comercializados pelos vendedores ambulantes, umas vezes obtidos por dinheiro e, outras vezes, a título gratuito, servindo no último caso, de modalidade de tributação por se estar a desenvolver o seu negócio no local.
7. É também um facto, que os camiões, camionetas ou carrinhas-de-caixa-aberta que transportam mercadorias em suas bagageiras usando aquele corredor rezam para que não haja congestionamento, e muito menos, ocorra qualquer tipo de problemas de ordem mecânica, sob o risco de, em minutos, suceder o mesmo que é de “praxe” no Bairro Luís Cabral nos comboios em movimento.
8. Evaristo Maússe, em seu artigo, aquando do desabamento do murro de vedação, apontara que: «na região autónoma da lixeira do Hulene, os dignos autónomos do lixo e da miséria que por lá vagueiam, são verdadeiros ‘donos do pedaço’ ou não fosse a sua audácia em colocar uma portagem paralela, nas bermas da estrada (…)».
9. Naquela época, apontou Maússe que nenhum carro passava em paralelo à estrada sem soltar “10 paus”, que infelizmente, não entravam nos cofres da República Autónoma, pois eram imediatamente colocados sob a lupa de uma contabilidade paralela e pessoal, durando pouco tempo, pois, o fruto do ‘trabalho’ serviria para saciar os apetites imediatos dos lunáticos e visionários daquela autonomia».
10. De referir que muitos desses fenómenos acontecem à luz do dia e aos olhos impávidos da Polícia Municipal como da Polícia da República de Moçambique, perfilada em distintos postos daquela avenida e com carros de patrulha em movimento. Ninguém mexe àqueles catadores! Ali, eles fazem e desfazem! Estão eles num território que lhes é servo, numa Região Autónoma. Eles é que lho jurisdicionam.
II. Deve-se desautonomizar a zona da Lixeira de Hulene:
É preciso travar a AUTONOMIZAÇÃO do território que envolve à Lixeira de Hulene, que por lei, está sob jurisdição do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. É preciso travar e, a título urgente, as investidas de alguns catadores de lixo desonestos e oportunistas que criam terror naquela via de muita circulação.
A polícia deve ser acionada no sentido de proteger o cidadão desprevenido na Avenida Julius Nyerere. Aliás, comportamentos semelhantes precisam de ser travados no terminal de “Xiquelene” e noutros pontos, protagonizado pelos famosos “modjeiros” que se sentem os donos do pedaço e criam terror nas filas. Sua compostura física e semblante têm servido de meios de instigação do medo às vítimas.
Os “modjeiros” criam uma espécie de administrações autónomas em nossos terminais de transporte, com a polícia municipal impávida como se tivesse com medo daqueles ou como se fosse cooperante daqueles homens. O polícia deve cumprir com o juramento que prestou no âmbito da sua graduação. Servir ao cidadão e a pátria.
III. Considerações finais: reorientar os catadores de Lixo:
Porque mais ou menos dias, a Lixeira vai encerrar, é preciso que desde já, tal como Ivan Maússe fizera referência em seu artigo datado de 30 de Junho de 2015, reorientar aos catadores de lixo dando-lhes o bem imaterial mais poderoso que a humanidade conhece: o conhecimento, especialmente, ‘o saber fazer’.
Se faz exigível que as autoridades moçambicanas, por elas mesmas, ou junto dos seus parceiros, promovam cursos intensivos de carpintaria, serralharia, mercearia, electricidade, etc., àqueles homens e mulheres, sob o risco de, respectivamente, metam-se em caminhos tenebrosos do crime e da prostituição.
Aliás, não obsta que, em hipótese, possamos apontar que os homens-catana que muito actuam nos bairros de Ferroviário, Maxaquene, Polana Caniço, Magoanine, Laulane, Costa do Sol e noutros próximos à Hulene, sejam parte dos catadores, que ultimamente queixam-se de crise de lixo reciclável no local a encerrar.
O nosso Estado e as demais pessoas colectivas públicas, e não só, devem começar a TER UMA ATITUDE PARENTAL em relação aos seus governados/administrados. Muita coisa pode ser evitada se tivermos uma Administração Pública séria e comprometida com a formação das humanidades e do progresso social.
Enquanto a lixeira não encerra de forma efectiva, nada obsta que as autoridade municipais e seus parceiros, possam ajudar os catadores de lixo oferecendo-lhes materiais de trabalho, como máscaras, botas, luvas, óculos, o que de certa forma os livraria de muitos males à sua saúde e, por inerência, à vida.
Não à autonomização da Zona da Lixeira de Hulene!
Bem-haja Moçambique, nossa pátria de heróis!
GostoMostrar mais reações
Comentar
9 comentários
Comentários
João Xavier
João Xavier As chamadas "máfias do lixo" existem em muitos países.
E não acredito que seja possível acabar com elas, enquanto o desenvolvimento económico não acontecer e as pessoas vejam aumentado substancialmente o seu poder de compra.
Como qualquer negócio, subs
iste enquanto houver procura.
Existem muitos problemas que não podem ser tratados de "per si".
Têm de ser resolvidos com actuações de fundo que passam fundamentalmente pela melhoria das condições de vida e pela educação das populações.
Gosto · Responder · 2 · 3 h
Ivan Maússe
Ivan Maússe Facto, ilustre Xavier. Não obstante é preocupante o terror que é protagonizado por alguns daqueles catadores de lixo, bem como pelos famosos "modjeiros" junto das paragens e/ou terminais de transporte semi-colectivo de passageiros.
Gosto · Responder · 1 · 3 h
João Xavier
João Xavier Acredito que sim meu caro Ivan Maússe. Eu passei por essa zona de dia e de noite há umas 3 semanas e achei tudo um pouco assustador.
Depois temos a questão da polícia. 
E essa questão insere-se no mesmo problema.

Devem achar que não ganham para se expor a determinados riscos e até têm razão.
É muito mais lucrativo andarem aqui pela cidade a tentar extorquir dinheiro.
No fundo "a meada" já está tão enredada que só com grande vontade política é que se poderá começar a "puxar o fio".
Gosto · Responder · 1 · 2 h
Ivan Maússe
Ivan Maússe O terror protagonizado pelos "modjeiros" mereceu até um texto do jovem Evaristo Maússe, com o título "O Maurício de Xiquelene". 

Maurício descrito por Maússe, que constitui uma personagem real, é o protótipo de modjeiros que semeiam medo no terminal de Xiquelene. Um intocável.
Gosto · Responder · 1 · 3 h
João Xavier
João Xavier Não que sirva de consolo, mas as grandes capitais ditas "civilizadas" sofrem do mesmo mal.
Acabar com gangues é um problema daqueles...
Gosto · Responder · 1 · 2 h
Sergio Buque
Sergio Buque Até os polícias têm medo daquele local .
É mesmo autônomo .
Gosto · Responder · 2 h
Ivan Maússe
Ivan Maússe A Zona da Lixeira de Hulene até ao terminal de Xiquelene é, infelizmente, uma espécie de uma região autónoma. Há um executivo, legislativo e judicial próprios.
Gosto · Responder · 2 h · Editado
Ivan Maússe
Ivan Maússe Buque, sem dúvidas. Aquilo é uma autonomia. É esquisita a forma impávida que a nossa polícia, quer Municipal quer de protecção, olham para o comportamento dos modjeiros.
Gosto · Responder · 2 h
Ivan Maússe
Ivan Maússe Faz sentido, amigo João Xavier, mas a verdade é que medidas devem ser tomadas para travar aquele fenómeno. 

Não posso duvidar que parte dos homens-catana que criam pânico arredores de Hulene, alguns, venham dalí.


Algo deve ser feito.
Gosto · Responder · 1 · 2 h
João Xavier
João Xavier Claro que devemos sempre insistir. Ficar calados não adianta nada. Mas não será tarefa fácil.
Gosto · Responder · 2 h
Raúl Salomão Jamisse
Raúl Salomão Jamisse Ja vi todo cenário relatado no post porém, a polícia tanto municipal assim como a de protecção, não têm meios suficientes para combater o comportamento daqueles "donos" da zona...ja soltei moedas naquela zona porque amo o meu corpo...por pouco me esbofeteavam.
Gosto · Responder · 1 · 2 h
Teresa Sendela Pais
Teresa Sendela Pais Gosto de ler os teus artigos, mas com os novos nomes das ruas e bairros não me consigo situar! Este artigo foca mais um problema a ser resolvido em Moçambique! Tomará que a população se mobilize para resolverem isso!
Gosto · Responder · 1 h
Aurélio Simao
Aurélio Simao A população ou o governo? Esses que passam mal não fazem parte da populção?
Gosto · Responder · 1 h
Teresa Sendela Pais
Teresa Sendela Pais Deves ter percebido o que eu quis dizer. Por exemplo: quando a população vai atrás de um ladrão, esse ladrão não faz parte da população?

Sem comentários:

Enviar um comentário

MTQ