Assinantes: Bitone Viage & Ivan Maússe
Como tem sido de habitual, sempre que dispomos de tempo, das 12 às 14 horas de segunda à sexta-feira, temos acompanhado ao Programa Balanço Geral transmitido pela Televisão Miramar, através do qual nos chegam informações sobre o dia-a-dia do pulsar da sociedade moçambicana entre os bairros.
I. DESCRIÇÃO DO CASO:
Sucede que, na tarde de hoje (18), o Balanço Geral nos chega com uma nota de reportagem dando conta que: Um casal que vive junto há 14 anos sufocado com o custo de vida, teria encontrado uma forma para sair do “buraco”, solução que foi engendrada por um dos cônjuges, neste caso, o marido.
Eis que o marido, por sinal trabalhador de uma empresa de construção civil, teria pacificamente convencido a esposa a se envolver sexualmente com as chefias da empresa de construção que trabalha, por sinal, de origem europeia, em troca de vantagens patrimoniais, que no caso, seria em dinheiro.
A esposa após a conversa que tivera com o marido, decidiu aceitar a proposta deste. Assim, durante um período de dois (2) anos, a esposa continuamente se envolvia com os chefes do marido em troca de dinheiro, sendo que o último até fazia questão acompanhar a esposa no processo de ida e volta ao local.
II. PROBLEMA EM ANÁLISE:
O caso supra suscitou muito debate nas redes sociais, visto que, conforme constatou-se da reportagem, o marido, uma vez preso acusado de fomentar prostituição da sua própria esposa, teria sido solto por mandato judicial emitido por uma Procuradora do Ministério Público a nível da Província de Maputo.
A ideia está em perceber se estamos ou não em face a uma acção criminalmente relevante? O comportamento do marido, ao incitar a esposa, ainda que de forma diplomática, a se envolver sexualmente com outros homens e a troco de valores monetários, constitui ou não um facto criminoso?
III. O QUE DIZ O DIREITO PENAL?
É comum, nos dias hoje, que as pessoas busquem soluções ou explicações prévias para compreender e esclarecer alguns factos que ocorrem na sociedade, porém, muitos se esquecem que determinados factos sociais carecem de fundamentação jurídica e não de uma dose largamente do senso-comum.
Assim, o presente texto surge como tentativa de esclarecimento sobre o facto que despoletou muito debate, que cuja problematização a apontamos no ponto dois (2) do presente texto. Nisto, em forma de articulados, procuraremos esclarecer juridicamente o facto em discussão, nos termos seguintes:
3.1. A Lei como a Doutrina, em unanimidade, definem como crime “todo o facto ilícito, típico e culposo”. «A ilicitude» está ligada à toda aquela conduta contrária a ordem jurídica; «a tipicidade» ao facto de a conduta expressamente ser considerada como criminosa; e a «culpa» ligada à voluntariedade do acto.
3.2. Nisto, somos convidados a analisar o acto do marido que introduziu a esposa ao mundo da prostituição dando-lhe um notável apoio, conforme o esclarecido e por esclarecer. Sobre a epígrafe de “LENOCÍNIO”, diz o nº 1 do artigo 227 do Código Penal (Lei 35/2014, de 31 de Dezembro) que:
«Aquele que PROFISSIONALMENTE ou COM INTENÇÃO LUCRATIVA, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição* é punido com pena de prisão de um a dois anos e multa correspondente».
3.3. Do acima descrito fica claro que o crime de Lenocínio ocorre quando determinada pessoa influencia, facilita ou aconselha a outra à prática da prostituição com o objectivo de obter ganhos patrimoniais. Ou seja, aquele que leva a outrem a praticar profissionalmente a prostituição comete o crime de Lenocínio.
3.4. António Lopes de Sá, célebre escritor brasileiro, em sua obra “Ética Profissional” define como profissão «(…) o exercício habitual de uma tarefa a serviço de outras pessoas (…) trazendo tal prática benefícios recíprocos a quem a pratica e a quem recebe o fruto do trabalho...» (SÁ, 2007; p.151).
3.5. E porque o envolvimento sexual entre as chefias da empresa de construção no qual o marido trabalha e a esposa perduraram um período de dois anos, então, fica claro que a senhora praticava com habitualidade a prostituição e recebendo benefícios, era, nestes termos, uma prostituta por profissão.
3.6. Considerando que a ideia de prostituição foi avançada pelo marido, então, nota-se desde logo, que o senhor é agente activo do crime de lenocínio, visto que, o envolvimento sexual com terceiros em troca de dinheiro foi por ele sugerido como solução ao problema da crise financeira que afectava ao casal.
3.7. Da reportagem, constatou-se também, que o marido era responsável pelo acompanhamento da esposa aos lugares marcados para o envolvimento sexual, o que desde logo, mostra que o visado é quem favorecia ou facilitava os encontros para a prostituição da sua esposa aos chefes da empresa.
3.8. Aliás, sobre o ponto acima, fica claro que as negociatas de envolvimento sexual entre os chefes e a esposa eram realizadas pelo marido. Ele devia ser o intermediário entre os visados, isso porque é pouco provável que a esposa, por sua iniciativa, tenha procurado os chefes da empresa que o marido trabalha.
3.9. Portanto, ainda que não tenha havido qualquer coação, quer seja física como moral por parte do marido sobre a esposa para a prática de actos de prostituição previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 227 do Código Penal, há sim um facto criminalmente relevante da parte do marido.
3.10. E porque a doutrina ensina que quando o Código Penal é omisso quanto à classificação dos crimes, em públicos, semi-públicos e particulares, estar-se-á diante de um delito público, então, fica claro que o crime de Lenocínio dado a omissão do nosso Código Penal, perfaz um crime de natureza pública.
3.11. Nos crimes públicos o procedimento criminal tem lugar independentemente da acusação ou prévia denúncia do ofendido, sendo que o perdão ou desistência da parte do ofendido não susta (não cancela, não interrompe, não suspende) o procedimento criminal, por isso, no caso em análise há um problema:
3.12. Quais terão sido os fundamentos encontrados pela Procuradora para decidir a soltura do marido fomentador e facilitador do lenocínio sobre a sua mulher? Estando diante de um crime público que não admite suspensão do procedimento criminal face ao perdão da vítima, como houve soltura do autor?
Portanto arrolados e cruzados os elementos de facto e de Direito nos pontos anteriores, chegamos a conclusão de que a soltura do marido se motivada pelo perdão da esposa, a nosso humilde ver, não procede. Há sim um facto criminalmente relevante. É conveniente uma prisão preventiva para se apurar mais factos deste crime e desencorajar práticas semelhantes na sociedade.
Bem-haja Moçambique, nossa pátria de heróis!
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