As últimas movimentações em torno do processo de paz em Moçambique dão motivo para alguma animação e alívio, mas também deixam razões de sobra para alguma apreensão. E isto não deve ser visto como motivo para desqualificar os esforços que estão a ser desenvolvidos para que esse futuro promissor se torne realidade mais cedo do que tarde.
É um dado adquirido que para que qualquer processo negocial seja bem sucedido deve ser acompanhado de algumas medidas de confidencialidade e de segredo entre as partes em disputa, para além do nível de confiança que estas devem desenvolver entre elas. Contudo, o que decorre desse processo negocial e que depois resvala para a esfera pública deve obedecer a uma sequência lógica dos acontecimentos que tomam lugar na mesa das negociações.
Pouco ou nada se sabe das razões que conduziram à alteração do modelo que estava a ser seguido nas negociações entre o governo e a Renamo, incluindo a decisão de prescindir dos serviços da mediação internacional que, como se sabe, foi imposta pela Renamo como condição para conferir confiança entre as duas partes.
Por maioria de razão, o abandono dos mediadores deve significar que os receios que a Renamo tinha antes já foram ultrapassados, o que em si deve ser um desenvolvimento positivo. Mas será que a Renamo não considera importante pronunciar-se publicamente sobre esta matéria e deixar os moçambicanos devidamente informados sobre as razões que a levaram a aceitar a dispensa dos mediadores?
Não é que a palavra escrita valha alguma coisa, se qualquer das partes decidir não honrar o seu compromisso. Acordos anteriores foram descartados ou interpretados conforme a conveniência do momento. Mas, ainda que seja marginal, o valor do que está escrito e que está disponível para todos é essencial para permitir que cada um faça o seu próprio juízo sobre a matéria em disputa. Entendimentos verbais ao telefone, ainda que se considerem transitórios, podem correr o risco de virem a ser desonrados, especialmente quando uma das partes vier futuramente a sentir que os seus interesses estão a ser postos numa situação de desvantagem.
Há também algo que se deve dizer sobre este processo negocial. É criada a impressão de que o que conduziu ao conflito foi a falta de integração dos homens armados da Renamo e a ausência de um modelo mais consolidado de descentralização na administração do território.
De facto, uma descentralização mais consolidada, que inclua a partilha do poder através da governação partilhada das dez províncias do país, surgiu como moeda de troca da Renamo face ao que ela considera terem sido eleições fraudulentas em 2014.
Para a futura estabilidade do país, é crucial que as actuais negociações encontrem um modelo de integração justo para os militares da Renamo. É igualmente importante que se encontrem formas que permitam que prevaleça no país um modelo de governação partilhada e equilibrada, que de forma democrática permita que todos os partidos com alguma relevância no espectro político nacional sintam que têm um papel a desempenhar
ao nível da governação, na proporção da sua inserção junto do eleitorado. A descentralização, quando assente em alicerces genuinamente democráticos, que permitem que ao nível local as pessoas participem de forma ampla no processo de tomada de decisões que impactam as suas vidas pode servir de importante factor para o reforço da unidade nacional e para impulsionar o desenvolvimento harmonioso do país.
Mas voltemos para a questão central que é a razão do actual conflito: a qualidade e lisura das nossas eleições. Neste período que nos separa das próximas eleições será imperativo encontrar um modelo de conduta de eleições que confira legitimidade a este processo que se pretende que seja o principal instrumento de escolha democrática sobre quem assume o mandato para a governação do país.
Eleições cuja gestão é susceptível à interferência política, onde os gestores são mais activistas subordinados a interesses de partidos políticos do que pessoas idóneas e credíveis, e onde fiscais de partidos da oposição são escorraçados pela polícia de intervenção rápida dos locais onde são destacados para trabalhar, irão sempre resultar no seu questionamento e conduzirão inevitavelmente a conflitos que nenhum modelo de descentralização, por mais perfeito que seja, poderá ajudar a resolver. E é nesta matéria que julgamos que no actual quadro negocial, deveria também, merecer uma abordagem muito séria.
Editorial, SAVANA de 17-02-2017
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