A realpolitk impõe-se. Entre silêncios, encolheres de ombros e suspiros, observadores e diplomatas da CPLP não olham com naturalidade para o facto de a Guiné Equatorial ter dado asilo ao ex-Presidente da Gâmbia.
O ditador Yahya Jammeh, que durante 22 anos foi Presidente da Gâmbia e deixou atrás de si um rasto de violações dos direitos humanos, acaba de se exilar na Guiné Equatorial, mas a realpolitk impõe-se: observadores e membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa aplaudem o gesto.
Nos bastidores e em declarações oficiais, diplomatas da CPLP sublinharam ao PÚBLICO, nos últimos dias, que a saída de Yahya Jammeh do poder foi “constrangedora” e um “embaraço internacional”, mas que seria pior se o ditador tivesse ficado no país — sobretudo para a própria Gâmbia.
Jammeh — que prometeu curar a sida com ervas e bananas e tratar os homossexuais “como mosquitos da malária” — perdeu as eleições presidenciais de Dezembro e recusou os resultados durante dois meses, acabando por deixar Banjul no sábado à noite, depois de uma fortíssima pressão concertada de países da região.
Mal deixou o país, foi acusado de ter esvaziado os cofres do Estado, tendo levado 11 milhões de dólares e um avião de carga com dois Rolls Royce, um Bentley e alguns camelos. A BBC diz que, na pista da capital gambiana, ainda há dez aviões de Jammeh à espera de luz verde para partir para a Guiné Equatorial.
“É constrangedor. A democracia deve ser feita tendo em conta normas constitucionais”, diz o deputado angolano João Pinto, vice-presidente do grupo angolano da CPLP, de visita a Lisboa para um seminário no Parlamento português. “Mas a Guiné Equatorial é um país soberano. Ao receber Jammeh, está a atender ao princípio da protecção. Receber alguém não é ser cúmplice — é um acto de humanidade.”
O embaixador da Guiné-Bissau em Portugal, Helder Vaz, repete a última ideia e acrescenta: “Não sou um ‘yahyaista’, mas o exílio podia ser na Guiné Equatorial, em Portugal ou na Suíça.”
Há dois anos, quando a Guiné Equatorial entrou na CPLP, a diplomacia portuguesa ficou isolada dentro da organização, não conseguindo vencer a pressão dos chamados “países irmãos”, em particular Angola, Brasil e Timor-Leste, que fizeram um forte lobby, público e privado, para que o Governo de Passos Coelho permitisse a adesão.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros português não quis pronunciar-se sobre se a decisão da Guiné Equatorial cria um embaraço para a CPLP. E Maria do Carmo Silveira, secretária executiva da CPLP em Lisboa, disse que esta é uma questão interna de Malabo.
À porta fechada, no entanto, diplomatas e deputados sublinham a combinação delicada deste caso: por um lado há a fragilidade da própria CPLP, por outro a “normalidade africana”. O que aconteceu com Jammeh “é normal para os padrões africanos”, diz um diplomata português. “São dois políticos corruptos e um ajuda o outro”. E mesmo deputados que olham para a questão com pragmatismo, não deixam de questionar a Guiné Equatorial. “Havia um problema e era preciso uma solução”, diz o deputado Paulo Neves, do PSD, membro da Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia da República. “Um Estado receber líderes pouco recomendáveis não significa que seja conivente. Mais grave do que receber Jammeh, é o líder da Guiné Equatorial ganhar eleições com 97% dos votos”.
Só a Amnistia Internacional e o Bloco de Esquerda lamentam abertamente a decisão. “Jammeh decidiu que precisava de se refugiar num país seguro e temos muita pena que seja um país da CPLP”, lamenta o director executivo da organização em Portugal, Pedro Neto. “Porque é que Jammeh pediu asilo? Se não fez nada, fica na Gâmbia. Se vai para um país que não reconhece o Tribunal Penal Internacional, fica impune”. A Guiné Equatorial não assinou o Tratado de Roma das Nações Unidas, que criou o TPI. “Antes de mais, a Guiné-Equatorial cria um embaraço à CPLP por não cumprir os estatutos da CPLP e por não ter um Estado de Direito”, diz Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda e também da Comissão dos Negócios Estrangeiros. “Neste caso, há um embaraço internacional, não só da CPLP, que adensa a nossa perspectiva de que a entrada da Guiné Equatorial foi um erro.”
O guineense José Lobato, secretário-geral da Confederação Empresarial da CPLP, abana a cabeça: “Estão errados os que dizem que não é digno nem sensato. Não é o ideal, mas abandonarmos Jammeh seria pior. Se ele ficasse na Gâmbia, haveria tribunal, prisão, matança.” Eco das palavras da ex-presidente da câmara de Banjul, ouvida pela BBC depois de dizer adeus o ditador derrotado, já no tapete vermelho, estendido no aeroporto para a ocasião: “Vim para lhe agradecer ter saído da Gâmbia sem sangue.”
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