"Moçambique vive já um processo de guerra", afirma o pesquisador Michel Cahen. O académico considera ainda que a paz não será efetiva no país até 2019, ano em que terão lugar eleições legislativas.
Existe ou não guerra civil em Moçambique entre as forças do Governo da FRELIMO, no poder há 41 anos, e da RENAMO? Ou pode-se afirmar que o país caminha para uma guerra civil? A pergunta inquieta o professor académico Michel Cahen: "Espero errar. Mas eu tenho muito medo que sim. Vamos ver, talvez daqui a poucos dias, porque o enviado da União Europeia para as negociações, Mario Raffaelli, disse ontem (23.11.) que [tinham sido dados] alguns passos em frente; que as negociações estavam a avançar. No entanto, não é a primeira vez que se diz que as negociações estão a avançar e depois, por uma razão ou outra nada acontece."
Tudo porque a RENAMO, o maior partido da oposição, não reconheceu os resultadas das eleições de outubro de 2014 e exigiu governar as seis regiões nas quais, segundo os resultados oficiais, obteve a maioria absoluta ou relativa. Face aos acontecimentos que se seguiram à contestação do principal partido da oposição, a DW África perguntou ao diretor de pesquisa na Casa de Velázquez, em Madrid, quais os critérios a partir dos quais se pode falar de guerra civil:
"É verdade que eu utilizo o conceito de guerra civil para falar dos acontecimentos atuais. A expressão oficial é "incidentes político-militares”. E é verdade que felizmente não voltamos à antiga guerra civil de 16 anos – de 1976 a 1992. Obviamente que não é isso. No entanto, em certas partes do território a intensidade dos combates e a insegurança são do mesmo tipo que na guerra civil de 16 anos. Felizmente quando digo guerra civil não estou a dizer que voltamos à situação dos anos 80 ou início dos anos 90 quando 80 por cento do país estava numa situação de guerra."
Diferenças entre guerra civil e conflito armado
Cahen explica depois a diferença entre guerra e conflito armado: "Em francês seria "jouer sur les mots” – jogar com as palavras. Quer dizer, um conflito armado com uma guerrilha, que tem uma base social, e do outro lado o exército e a polícia do Governo se pode dizer que é um conflito. Mas também para as pessoas que estão a viver aquela situação é uma guerra. E para mim isso é muito mais importante", afirma.
Podia-se considerar que o que está a acontecer em Moçambique é apenas um conflito armado, precisa o académico. Mas os desiquilíbrios económicos e as tremendas desigualdades sociais são passíveis de nutrir mais uma guerra civil: "Se as negociações não têm sucesso, para mim já estamos num processo de guerra civil."
O pesquisador reafirma que existe uma situação de guerra civil em zonas precisas do território moçambicano. Isto é, à volta da Serra de Gorongosa, quer na parte da província central de Manica quer na parte da província central de Sofala, em certa parte da província central de Tete, nomeadamente na zona de Tsangano, de onde saíram 15 mil pessoas refugiadas no Malawi com receio de guerra. Também em certas zonas da província central da Zambézia. Nestas áreas, diz, há uma guerra, apesar de não ser à escala de todo o território nacional.
Sonia Frias, presidente da Comissão Africana da Sociedade de Geografia vê com alguma apreensão a situação em Moçambique: "Eu gostava de pensar que não caminhamos para nenhuma guerra civil. O facto também é que amigos, colegas das universidades com quem mantenho contacto em Moçambique também estão muito apreensivos e falam inclusive da zona onde eu nasci, no Chimoio, Sunssudenga, de situações muito graves com perigo de se andar na estrada. Portanto, assim à distância eu quero pensar que são tensões, são conflitos, que acabarão necessariamente por ser resolvidos com alguma calma e alguma diplomacia."
A antropóloga diz ter sentido preocupação e um certo desconforto por parte da população quando esteve em Moçambique. Mas a académica pensa que as partes em conflito «não vão chegar aos extremos», acreditando que os moçambicanos e a comunidade internacional estão empenhados em não deixar que se chegue a uma rotura que leve à guerra.
Partilha de poder não periga unidade nacional
Michel Cahen lembra que Moçambique é um país «muito heterogéneo», onde nenhum grupo étnico tem a maioria, e como tal "não pode ser representado só por um partido político". Aponta a descentralização como o ponto fulcral desta crise político-militar e sustenta que seria um avanço a aceitação por parte da FRELIMO, no poder, que algumas regiões do país fossem governadas por um partido da oposição. "É uma situação muito clássica na Alemanha ou na França. É uma partilha do poder que não põe em perigo a unidade nacional", exemplifica.
"Mas na tradição política da FRELIMO qualquer enfraquecimento da unicidade do poder político já significa pôr em causa a unidade nacional", refere e finaliza: "O que não corresponde em nada com a situação de Moçambique."
O professor espera que as negociações se desenvolvam no bom rumo "porque senão a RENAMO não se vai render". Além disso, acrescenta, "há muitos jovens que querem entrar em guerra" e estes estão a ser travados "porque o presidente do partido, Afonso Dhlakama, é um moderado".
DW
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