Publicado: Sexta, 19 Agosto 2016
NUMA entrevista que concedeu recentemente ao jornal O País – meses antes havia falado ao jornal Savana – Afonso Dhlakama justificou o alargamento dos ataques armados levados a cabo pelos seus homens com a necessidade de dispersar as Forças de Defesa e Segurança, evitando que elas se concentrem em Gorongosa, onde alegadamente se encontra refugiado.
Disse ainda que tais ataques configuravam actos de autodefesa, negando (contra todas as evidências), que as suas forças estejam a atacar alvos civis. Outra justificação encontrada por Dhlakama para os ataques a autocarros e camiões é a de que o Governo usa aquele tipo de meios para transportar polícias e militares para o seu cerco.
Há dias, as suas forças atacaram uma coluna atingindo duas viaturas em que viajavam jornalistas da Rádio Moçambique e da Televisão de Moçambique, que se dirigiam à província de Manica para a cobertura informativa da visita de trabalho do Chefe do Estado, Filipe Nyusi, àquele ponto do país. Do ataque resultaram alguns ferimentos e danos materiais consideráveis.
Qual será desta vez a justificação para o ataque a jornalistas? Será que os renamistas viram, por baixo das cadeiras ou entre os guarda-lamas, a chaparia do autocarro, ou ainda por debaixo da carroçaria, soldados do Governo ali escondidos e prontos para atacar os homens armados renamistas? Ou o ataque foi propositado porque, como se sabe, a Renamo não morre de amores pela TVM e Rádio Moçambique? Lembrem-se, caros concidadãos, de que numa recente telecoferência conferida pelo líder renamista, o porta-voz, António Muchanga barrou a entrada na sede daquele partido (?) à equipa da TVM. Portanto, é provável que o ataque tenha sido determinado pelas instâncias mais altas da Renamo.
Se se tiver em conta que a Renamo vem, nos últimos tempos, a alargar e a diversificar os seus ataques – para dispersar as FDS como afirmou o seu líder – é de supor que ela (a Renamo) ao aperceber-se de que jornalistas daqueles dois órgãos de comunicação social viajavam para Manica, para inviabilizar qualquer tipo de divulgação dos seus actos, decidiu cortar o mal pela raiz: evitar que os jornalistas chegassem aos locais passíveis de ser atacados e que reportassem as “façanhas” pela governação das seis províncias – todas as últimas atrocidades praticadas por aquele partido giram à volta da governação das seis províncias...
PROTEGIDOS PELAS CONVENÇÕES
Um pouco por toda a parte, os profissionais de comunicação social correm o risco de ser mortos, feridos, detidos ou sujeitos a outro tipo de sevícias durante o cumprimento da sua missão de informar. Tanto em situações de conflito armado, ou mesmo em situação de paz. Exemplos das situações acima descritas avultam em todo o mundo, desde os tempos mais remotos. Até muito recentemente, os moçambicanos tomavam conhecimento de tais práticas através de jornais, revistas, rádios, televisão e outros meios de comunicação social, reportando acontecimentos ocorridos “lá fora”. Quis o destino, infelizmente, que Moçambique tivesse, entre os seus filhos, os “pais, irmãos e irmãs, tios e tias, sobrinhos e sobrinhas, avós e avôs da democracia”. Estes, socorrendo-se das experiências de outros quadrantes, decidiram mostrar ao mundo que também sabem “chamar a atenção” dos jornalistas para pararem de falar mal (deles). É então que de AKM em punho metralharam um autocarro no qual seguiam profissionais da Televisão de Moçambique e da Rádio Moçambique.
O Artigo 4° A da Terceira Convenção de Genebra e o Artigo 79 do Protocolo Adicional I do Direito Internacional Humanitário (DIH) contêm duas referências explícitas sobre a protecção aos profissionais dos media. De acordo com as duas disposições – quando lidas com outras regras humanitárias – fica claro que a protecção dos profissionais dos media ao abrigo do DIH é claramente abrangente. Com efeito, e mais importante ainda, o Artigo 79 do Protocolo Adicional I determina que os jornalistas estão qualificados para beneficiar de todos os direitos e protecção concedidos aos civis durante conflitos armados internacionais e durante os conflitos armados não internacionais com base (também) no Direito Internacional Consuetudinário que, embora não esteja consagrado como norma em si mesmo, deriva de “uma prática geral aceite como lei”.
Refira-se, de resto, que o Direito Internacional Consuetudinário mantém a sua relevância durante a ocorrência de conflitos armados actuais por duas razões principais. A primeira é que, apesar de alguns Estados não terem ratificado importantes tratados, permanecem, no entanto, vinculados às normas daquele dispositivo, o direito consuetudinário. A segunda razão é relativa à debilidade das normas dos tratados que regem os conflitos armados não internacionais, nos quais participam grupos armados, normalmente dentro das fronteiras de um país. É o caso em apreço em Moçambique.
Marcelino Silva
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