domingo, 26 de junho de 2016

O papel dos media na divulgação dos escândalos de corrupção política em Moçambique”

1 Estudante: Emmanuel de Oliveira Cortês- 72522 Docente: Luis Miguel Peral Curso: Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação Unidade Curricular: Geopolítica dos media Título: “A política e a influência dos media: O papel dos media na divulgação dos escândalos de corrupção política em Moçambique”. Ano Letivo: 2015/2016 2º Semestre Lisboa, Abril de 201 2 1. Introdução Os media são ferramentas de divulgação de mensagens e de conteúdos, sendo que os mesmos possuem um poder enorme de influenciar na vida social quotidiana na civilização moderna ocidental. Não obstante a influência no quotidiano, eles têm um poder acentuado de afetar na vida política, de seus agentes, sejam eles os governantes, legisladores e até mesmo os eleitores. E um dos assuntos que mais atrai a audiência no que concerne a vida política está ligado aos escândalos de corrupção. Neste trabalho, procura-se analisar o papel da imprensa no contexto moçambicano, e qual o papel que a mesma tem desempenhado em certos escândalos de corrupção no país. Para tal, foram trazidos alguns escândalos de corrupção ocorridos no referido país que foram alvo de atração mediática. Trouxemos aqui alguns escândalos de corrupção que tiveram atração mediática, sendo que estes tiveram repercussões sociais, posteriormente trouxemos um enquadramento teórico sobre a temática de escândalos de corrupção política nos media, e finalmente trouxemos as considerações finais, sintetizando os elementos no texto do trabalho, e também unindo ideias e fechando as questões apresentadas na nota introdutória deste trabalho. 3 2. Os media em escandâlos de corrupção política em Moçambique Com a mudança do sistema económico em Moçambique do socialismo para o capitalismo, a partir de 1987, com a entrada do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, um dos temas recorrentes na vida quotidiana moçambicana, e sobretudo nos media, tem sido a corrupção. A corrupção tem penetrado diversos segmentos da sociedade, acabando por afetar na legitimidade do país. Por exemplo, em 2015, o índice de percepção de corrupção- uma medida entre 0 (altamente corrupto) e 100 (muito limpo) -, marcou Moçambique com a pontuação de 31, classificando o país como sendo um mais corruptos do mundo. 1 E um dos setores mais permeáveis para corrupção é o setor político, sendo que escândalos de corrupção política, atraem a atenção dos media, afetando a percepção que o público tem sobre os políticos. Falando de Moçambique, a partir de 1986, a guerra civil e a pressão externa dos doadores obrigaram o Governo a liberalizar a economia. Em Janeiro de 1987, Moçambique introduziu o Programa de Reabilitação Económica, que incluía a privatização de empresas estatais, incluindo a banca. 2 Mas o processo de privatização bancária esteve envolvido em controvérsias, pois o FMI e o Banco Mundial exigiam a sua privatização mesmo que estivesse corrompida, e alguns membros da elite do partido no poder, FRELIMO, juntaram-se a estes parceiros para proveito próprio.3 Mas por consequência de empréstimos não pagos, desapareceram cerca de 400 milhões de dólares do sistema bancário moçambicano, na década de 1990. Mas isso não se deveu apenas aos empréstimos não reembolsados, mas também por roubo, lavagem de dinheiro e negócios ilícitos com divisas.4 Os doadores rejeitaram apelos de indivíduos honestos em Moçambique para fazer, porque eles precisavam do mito da história de sucesso de Moçambique, e neste processo, um jornalista moçambicano, de nome Carlos Cardoso foi assassinado, sendo que os presumiveis 1 Transparency International, 2015. 2 Hanlon, 19 de Setembro de 2001. 3 Idem, 20 de Setembro de 2001. 4 Id., 3 de Outubro de 2001. 4 executores acusaram Nyimpine Chissano, filho do Presidente da República, Joaquim Chissano, de mandatar o crime.5 A morte de Cardoso, suscitou temores nos profissionais do media,6 tal como escreve uma nota do Centro de Integridade Pública (CIP): “Esse jornalismo – que teve o seu expoente máximo em Carlos Cardoso, que o elevou à fasquia mais alta do seu papel em democracia, construtivo e atento, engajado na defesa do bem público e livre – está doente. Depois do seu assassinato, deixou de se fazer investigação jornalística em Moçambique. Há quem possa pensar que, actualmente, e pelo volume de escândalos de corrupção publicados, temos hoje mais investigação nos Media. Mas o que acontece é que os escândalos são apenas divulgados e não investigados; temos um jornalismo de denúncia que não faz o seguimento permanente dos casos que denuncia”.7 O académico e jornalista britânico, Joseph Hanlon, escreveu em uma newsletter, que os media seriam o principal meio de verificação do partido no poder em Moçambique, principalmente no que concerne a gestão das receitas provenientes da exploração dos recursos minerais-energéticos, sendo que Cardoso estabeleceu uma tradição de jornalismo investigativo moçambicano que seria essencial na década seguinte. 8 Apesar deste assassinato ter inibido o jornalismo investigativo em Moçambique por alguns anos, 9 têm surgido nos mais variados meios de comunicação denúncias e escândalos de corrupção política que afetam a imagem do Governo e do partido no poder, a FRELIMO. Em 2010, uma série de telegramas da autoria do Encarregado de Negócios dos EUA em Moçambique, Todd Chapman, foram divulgados no website Wikileaks, onde Moçambique foi descrito com sendo um dos principais transbordos de drogas em África com conexão governamental.10 Nos referidos telegramas também se abordou sobre a corrupção no governo 5 Id., 2002. 6 Chichava & Jonas Pohlmann, 2010. 7 CIP, 27 de Outubro de 2006. 8 Hanlon, 17 de Novembro de 2010. 9 Hanlon & Smart, 2008. 10 Id., 25 de Janeiro de 2010. 5 moçambicano.11 Este escândalo afetou sobremaneira a imagem do público sobre o Governo, sendo que um conceitado jornalista moçambicano, Jeremias Langa, escreveu um artigo que os os referidos telegramas atingiram sensibilidades em Moçambique.12 Outro escândalo de corrupção, foi desvendado através de uma investigação levada a cabo por jornalistas do maior grupo de media privado em Moçambique, Grupo Soico, que detém o Jornal O País, no qual descobriu-se que o Presidente do Conselho de Administração do Instituto de segurança social moçambicano (INSS) havia adquirido uma casa ao preço de 1 milhão de dólares com fundos da empresa.13 O jornalista moçambicano, Luis Nhachote, condenava o fato do então primeiro-ministro moçambicano, Aires Ali, manter Matavele no cargo. Mas por pressão mediática, Aires Ali acabaria por exonerar o referido gestor do cargo que ocupava.14 Mas a descoberta deste caso só foi possível graças a investigação levada a cabo pelos jornalistas. Em Setembro de 2012, o partido no poder moçambicano, FRELIMO, organizou o seu X congresso. No entanto, nos meses que antecederam este evento, reportava-se que funcionários públicos tiveram seus salários descontados para financiar o referido evento, sendo que diversos funcionários contactaram os media de modo a denunciar este caso.15 E o então porta-voz do maior partido da oposição, RENAMO, Fernando Mazanga, afirma que se não houvesse fuga de informação para os media, os descontos continuariam.16 Outro escândalo de corrupção política levantado pelos media, envolveu a Empresa Moçambicana de Atuns (EMATUM), e no referido negócio, logo no primeiro ano de suas atividades, em 2013, a empresa registou prejuízos avaliados em 320 milhões meticais (mais de 5 milhões de euros). 17 No entanto, prevalecem suspeitas de que fundos da empresa foram drenados para atividades do 11 Id., 28 de Janeiro de 2010. 12 Langa, 2010. 13 Mandlate, 19 de Junho de 2012. 14 Notícias, 10 de Agosto de 2012. 15 Canalmoz, 24 de Fevereiro de 2012. 16 Pongoane, 23 de Fevereiro de 2012. 17 O Pais, 20 de Fevereiro de 2015 6 partido FRELIMO.18 Por conta deste escândalo, o deputado pela bancada parlamentar da oposição, Venâncio Mondlane, exigiu a detenção do ex-presidente Armando Guebuza e do exministro moçambicano das Finanças, Manuel Chang, pois o negócio contribuiu para o aumento da divida pública. 19 Noutro caso reportado, constava que o então estadista moçambicano, Armando Guebuza, esteve envolvido em escândalos de corrupção e trâfico de influencias com a empresa italiana ENI. Segundo o jornal italiano Il Fatto Quotidiano, Guebuza teria oferecido à empresa de hidrocarbonetos ENI, uma isenção de impostos na venda das suas ações à China National Petroleum Corporation (CNPC) em troca de favores não especificados. O negócio não teria sido tratado diretamente com o Estado moçambicano, através da Autoridade Tributária de Moçambique, como seria suposto, mas sim com Guebuza. De acordo com gravações telefónicas no poder da PGR italiana, Guebuza teria ainda oferecido um terreno paradisíaco no Bilene, no sul de Moçambique, com a possibilidade de um Direito de Uso e Aproveitamento da Terra válido por 40 anos.20 Por conta desta polémica, o jornalista Ericino Salema escreveu num artigo publicado no jornal Savana que a Procuradoria-Geral da República de Moçambique (PGR) deveria investigar Guebuza por conta deste escândalo despoletado pelos media.21 Outro escândalo de corrupção levantada pelo media, em caso particular pelo jornal Magazine Independente, envolveu o empresário moçambicano Rogério Manuel, presidente da associação moçambicana de empresários (CTA) e presidente de uma companhia aérea CR Aviation, e o INSS. Alegadamente houve uma adjudicação de 7 milhões de dólares para a compra de 4 aviões para uma instituição que gere pensões e é tutelada pelo Ministério do Trabalho. O INSS havia assinado um memorando de entendimento com a CR Aviation, sob a qual o INSS investiu sete milhões de dólares na empresa. O INSS adquiriu 15% da empresa, e parte do dinheiro era para ser usado para financiar a aquisição de quatro aeronaves leves, mais as despesas de manutenção e inspeção. A justificação para esta operação foi uma decisão do INSS à diversidade de seu 18 Standing, 2015. 19 Mondlane, 19 de Junho de 2015. 20 Issufo, 16 de Março de 2015. 21 Salema, 13 de Março de 2015. 7 portfólio de investimentos e de apoio às pequenas e médias empresas detidas por cidadãos moçambicanos. O processo de venda de ações CR aviação ao INSS ainda não havia começado e, de acordo com Vitória Diogo, ministra moçambicana do Trabalho, havia anomalias graves no arranjo e acabou anulando o negócio.22 Mas, provavelmente, por conta da divulgação deste escândalo político, a referida edição do jornal Magazine Independente desapareceu das bancas, tendo sido recolhida por indivíduos desconhecidos, o que provocou fortes reações no público.23 Por conta do escândalo acima referido, o CIP, através do seu colaborador Baltazar Fael, dizia não ter dúvidas de que existiu de fato corrupção neste caso. E na sequência deste escândalo despoletado pelos media, o empresário Rogério Manuel passaria o caso para seus advogados.24 Os casos acima referidos tiveram um impacto público, demonstrando o quão o setor mediático exerce um poder essencial em afetar o curso político e mesmos nas ações do agentes políticos. Mas no subcapitulo seguinte abordamos sobre o enquadramento teórico da temática de escândalos de corrupção política nos media. 22 Tchambule, 26 de Janeiro de 2016. 23 Tsandzana, 28 de Janeiro de 2016. 24 Issufo, 28 de Janeiro de 2016. 8 3. Enquadramento teórico: Teoria social do escândalo e os escândalos políticos John Thompson afirma que os escândalos políticos são temas negligenciados por académicos e investigadores. Apesar da longa história de escândalos ao longo do domínio público, existe uma escassez literária sobre este tema na literatura académica. Apesar da existência de numerosos artigos jornalisticos sobre a temática, pouca relevância académica foi dada acerca deste tema. No entanto, os escândalos políticos são indicadores de amplas transformações sociais do mundo moderno. Os escândalos revelam o desenvolvimento e as caracteristicas mutantes dos media, a relação entre o público e o privado, bem como a natureza e a fragilidade do poder políticos nas sociedades modernas. Os escândalos políticos são ações que implicam certos tipos de transgressões que se tornam conhecidos de outros e que são suficientemente sérios para provocar uma resposta pública, sendo que os mesmos trazem implicações prejudiciais aos indivíduos implicados. 25 Os escândalos políticos subdividem-se em três: sexuais, poder e financeiros. É sobre este último que o trabalho se cinge. Nos escândalos financeiros, pode ocorrer o mau emprego de recursos económicos, infração de regras relativas à aquisição de alocação de recursos financeiros. Neste tipo de escândalos, pode-se revelar ligações obscuras entre o poder político e económico, e como forma de sanção é possível que se instaurem processos legais pela quebra da lei.26 O séc. XIX marcou o início do escândalo mediático e o XX foi a sua morada, sendo que três fatores o favoreceram: o primeiro foi o crescimento e a consolidação da imprensa de massas, com os jornais competindo pelo mercado; o segundo fator foi o surgimento do jornalismo investigativo, que enfatiza a importância de apresentar os fatos de forma informativa, crítica e investigativa; e o terceiro fator foi a difusão das novas tecnologias de comunicação, que alargou a visibilidade dos politicos.27 25 Thompson, 2000. 26 Ibidem. 27 Ibid. 9 No que concerne à teoria social do escândalo, Thompson delineia um enfoque pelo qual os escândalos são combates pelo poder simbólico em que a reputação e a confiança estão em luta e envolvem outros fatores travados no espaço público e constituidas por ações de fala de indivíduos e organizações que expõem, afirma e condenam, bem como pelas ações e daqueles que estão no centro das acusações.28 Enquadrando a teoria referida com o tema trazido, podemos afirmar que os escândalos de corrupção política reportados pelos media em Moçambique, exerceram um papel preponderante de trazer ao público certas transgressões éticas e de gestão pública dos líderes políticos moçambicanos, acabando por prejudicar a imagem dos políticos junto ao eleitorado. Por exemplo, aquando das segundas eleições multipartidárias em Moçambique, o candidato da FRELIMO, Joaquim Chissano, quase perdeu as eleições para seu opositor. E o motivo pelo qual Chissano quase perdeu foi a sequência mediatizada de escândalos de corrupção durante a sua administração.29 Em meio de muitos escândalos de corrupção política reportados pelos media, revelam-se algumas ligações financeiras ocultas entre o poder político e económico, sendo que algumas violações das leis, geram sanções para os referidos violadores. E deste modo, constatou-se que alguns servidores públicos tiveram seus cargos exonerados, mas outros agentes políticos, públicos e económicos tiveram sua reputação abalada na opinião pública, que de fato revela aquilo que Thompson afirma, que é a “fragilidade do poder nas sociedades modernas”. 28 Ibid. 29 Hanlon & Mosse, 2010. 10 4. Conclusões Apesar da existência de escândalos políticos ao longo do domínio público, este tema tem sido negligenciado por académicos, fato comprovado pela escassez literária sobre este tema na literatura académica. Porém, os escândalos políticos são indicadores transformações sociais do mundo moderno, revelando a fragilidade do poder político nas sociedades modernas. Falando sobre a política e a influência dos media, neste trabalho abordou-se sobre a influência dos media nos escândalos de corrupção política em Moçambique. Os media têm jogado um papel fundamental na divulgação de escândalos de corrupção, sendo que os mesmos tiveram forte impacto, de tal forma que obrigou o poder político a tomar certas decisões após a divulgação dos mesmos. Mas apesar dos media em Moçambique terem promovido a difusão de escândalos de corrupção política, eles não têm promovido o suficiente em termos de investigação. Muitos casos apresentados cingem-se apenas em denúncia, mas não em investigação profunda. Pode ser devido a promulgação tardia da lei de direito a informação que vigora em vários países no mundo há vários anos, mas que apenas em finais de 2014 foi promulgada.30 30 Sobre a referida lei, vide: http://www2.irex.org.mz/wpcontent/uploads/2015/07/Lei_de_Direito_a_Informacao.pdf 11 5. Referências bibliográficas · ASSEMBLÉIA DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Lei n.º 34/2014: Lei do Direito à Informação. Boletim da República, 31 de Dezembro de 2014. Disponível em: http://www2.irex.org.mz/wp-content/uploads/2015/07/Lei_de_Direito_a_Informacao.pdf · CANALMOZ. O Partido Frelimo tornou-se uma associação de malfeitores que usa o Estado para delinquir. 24 de Fevereiro de 2012. · CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA. As percepções sobre corrupção em Moçambique. 27 de Outubro de 2006. · CHAPMAN, Todd. Narcotrafficking on Upswing, Concerns about Government Connections. Wikileaks, Maputo, 25 de Janeiro de 2010. 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