segunda-feira, 2 de maio de 2016

ENTREVISTA COM CELESTINO DE SOUSA: A ACTIVIDADE DA FRELIMO EM TETE, 1964-1967

Entrevista
ENTREVISTA COM CELESTINO DE SOUSA: A ACTIVIDADE DA FRELIMO EM TETE, 1964-1967

Edição e Notas de João Paulo Borges Coelho
Esta entrevista foi realizada em Tete, na tarde morna de 14 de Dezembro de 1983, por mim próprio e por José Guilherme Negrão, no quadro de um projecto de investigação do Arquivo Histórico de Moçambique, achando-se arquivada em cassette no seu sector de história oral com o registo T.T. 11. Foi transcrita por Ana Mainga Vicente e revista por Albino Dimene.
A sua adaptação à forma escrita foi guiada por critérios de economia de espaço e facilidade de leitura. Nesse sentido introduziram-se títulos e alterou-se por vezes a ordem sequencial de algumas respostas. Houve, porém, a preocupação de manter um certo balanço e o "sabor" do discurso oral. As notas que acompanham o texto visam precisar certos acontecimentos, ou dar-lhes um enquadramento sempre que outras fontes o permitiram ou que se julgou necessário à compreensão. As fontes complementares a que se recorreu foram exclusivamente as coloniais do Fundo de Moatize do Arquivo Histórico, e este exercício revelou como são indissociáveis as fontes orais e escritas no estudo da história recente de Moçambique.
O entrevistado, Celestino de Sousa, foi responsável por uma pequena rede clandestina da Frelimo na zona oriental de Tete, entre os anos 1965 e ca.1967. Nessa qualidade, dá-nos um relato em primeira mão não só dos acontecimentos com ela relacionados mas, também, das circunstâncias que rodearam o nascimento e actuação do movimento no contexto do Malawi, que servia de rectaguarda da luta nacionalista em Tete. De alguma maneira o relato permite-nos "ver" um pequeno grupo de emigrantes moçambicanos (alfaiates, motoristas, carpinteiros, enfermeiros, cantineiros: nacionalistas em part-time) empenhado, à custa de enorme esforço pessoal, em criar um espaço que pudesse acolher os "guerrilheiros" a quem entregariam o testemunho da luta pela independência.
* * *
A Fuga para o Malawi
Pergunta - Gostaria de saber porque é que em Tete não houve condições para prosseguir a luta como em Cabo Delgado e Niassa. Estou convencido que uma das grandes razões foi a posição do Malawi. Foi uma posição complicada. O Presidente Banda era uma pessoa que apoiava a luta africana, mesmo antes da Massalândla ficar independente. Mas depois houve a confusão com os ministros Chipembere e Chiume. É mais ou menos esse período, e as regiões do Zóbuè e Mutarara que nós queremos ver sobre determinados aspectos. Não sei se tem experiência dessa altura, mas poderemos abordar a influência das ideias do Malawi aqui na Província de Tete, mais ou menos entre 1960 e 1964, sobretudo nas regiões do Zóbuè e Moatize. Como é que essas Ideias chegavam cá. Nós Investigámos. Vimos que se falava muito disso, do Malawi. Havia pessoas que apoiavam. Nomes como o de Fernando Lopes, que era um jovem nessa altura. Ou de um tal Aleluia (não sei se se recorda desse nome), que eram pessoas que, por um lado, apoiavam o Dr.Banda porque ele significava a independência e significava a capacidade dos africanos terem uma independência depois do colonialismo. Esse aspecto era já positivo. Não sei se nos pode falar um pouco sobre essa altura, sobre essa região. Como é que era sentida a luta do Dr.Banda pela Independência da Niassalândia, qual era o impacto mesmo antes da Frelimo.
Celestino de Sousa - É claro que de 1960 até aos princípios de 1964 não posso saber bem porque nessa altura eu não sabia o que era a política. Juntei-me à Frelimo precisamente no mês de Novembro de 1964, após a luta se ter iniciado em Cabo Delgado. Nessa altura eu estava na Beira, já tinha saído desta Província de Tete.
P - Gostaríamos então de saber como é que fugiu da Beira, se foi em conjunto com outras pessoas, de que coisas falavam...
CS - É uma conversa um bocado longa. Quando eu saí aqui de Tete fui para a Beira, trabalhar nos Caminhos de Ferro. Em 1963 fui recrutado (não sei se se chama recrutado) para cumprir a tropa portuguesa. Fui para Lourenço Marques - na altura Maputo chamava-se Lourenço Marques - para cumprir a vida militar. Chegado lá, treinei até jurar bandeira. Tirei a especialidade, isso ainda em 1963. Mas depois fiquei doente e baixei ao Hospital Militar. Parece que a minha doença era grave, e portanto eu não podia continuar na tropa e passei para a disponibilidade por confirmação da Junta de Saúde.
Mas durante o meu tempo de tropa havia lá alguns elementos que sabiam mais de política. Nós tínhamos os nossos rádios, comprados na cantina militar de Boane. Eu tinha. Um amigo meu também tinha. Então, à noite, nas nossas casernas, abríamos o rádio e apanhávamos a Tanzania. É claro que tínhamos que abrir o rádio de maneira muito particular, sem ser ouvido por muita gente. A mim custou-me um pouco a entrar, pois simplesmente escutava aquelas músicas novas do exterior. Mas o meu companheiro estava muito avançado em política e compreendia mais. Então ele disse-me: "Eh pá, nós temos que ir para a Tanzania". Nessa altura eu ainda estava a cumprir a tropa, ainda não tinha saído. Nós concordámos: "Sim senhor, temos que ir. Mas como é que vamos fazer? Só quando sairmos da tropa".
Eu passei portanto à disponibilidade com a confirmação da Junta, e em Agosto voltei para a Beira. Comecei a trabalhar, à espera que o meu companheiro também passasse à disponibilidade. Enquanto estava na Beira nós comunicávamos. Ele escrevia para mim e eu escrevia para ele. Ele dizia-me: "Fica preparado que quando “eu passar à disponibilidade vou para aí". É claro, eu pensava que ele estava a mentir.
Ele saiu da tropa em Outubro e não passou muito tempo: Mesmo naquela semana apareceu. Vinha com mais dois elementos do Sul e sabia onde me podia encontrar. Numa manhã apareceu no meu serviço e pediu ao meu chefe para se encontrar comigo. O chefe não o conhecia e veio ter comigo e disse: "Oh pá, está aqui um familiar que se quer encontrar consigo". Eu saí e encontrei-o, mais aos dois companheiros. Ele então pôs-me o problema: "Oh pá, temos que avançar mesmo hoje. Não podemos dormir cá senão vamos passar mal com a PIDE". Nessa altura a PIDE já começava a vingar-se. Eu não estava à espera que este dia chegasse. Então, entrei e pedi ao meu chefe que me dispensasse para indicar a minha casa aos familiares que haviam chegado de Lourenço Marques. Ele autorizou-me e fomos para a casa onde eu estava a viver. O meu tio estava no serviço e em casa só estava a minha tia. Para ela não desconfiar eu disse-lhe que ia ao Dondo ver um familiar que tinha tido um acidente de bicicleta. Nessa base consegui sair. Apanhámos o nosso machimbombo até ao Dondo. Mas no Dondo nós não podíamos comprar bilhetes directamente na estação, para o comboio para a Mutarara. Organizámos um miúdo que nos foi comprar os bilhetes. Ficámos disfarçados na vila para não sermos vistos, e quando chegou a hora da partida do comboio aproximámo-nos da estação.
Entrámos e viajámos até Dona Ana, na Mutarara. É uma grande distância mas, é claro, como era noite não cheguei a conhecer aquela zona toda. Nós sabíamos que na estação da Mutarara, onde costuma parar o machimbombo, há dois caminhos: Um para o Malawi e outro para Moatize e Tete. Então, antes de chegarmos à estação, quando o comboio começou a afrouxar, nós saltámos - o nosso grupo de quatro - e metemo-nos no mato sem sermos vistos.
O problema aqui é que nós não sabíamos bem onde ficava o Malawi, onde ficava Tete. Orientámo-nos pela linha férrea, mas um pouco pelo mato para não sermos desconfiados. Quando estávamos perto do Malawi (parece que faltavam 20 ou 25 quilómetros, não sei bem), encontrámos uns miúdos. Perguntámos se o Malawi ficava muito longe ou muito perto. E realmente informaram-nos que não ficava muito longe, que já quase chegáramos. Para evitar cair nas mãos da PIDE pedimos àqueles miúdos para nos acompanharem até à fronteira sem passarmos pelo posto ou pela migração.
P -Era Vila Nova?
CS - Isso mesmo! Mas não chegámos mesmo até Vila Nova. Fomos junto com os miúdos e eles disseram: "Oh pá, já chegámos ao Malawi". Nós ficámos satisfeitos porque tínhamos mesmo chegado ao Malawi. Vimos pela construção das casas, pelas cantinas e aquela coisa toda. Então gratificámos aqueles miúdos com duzentos escudos, um lençol, uma camisa e umas calças. Foi a gratificação dos miúdos.
Em seguida fomos a uma cantina onde pedimos comida. Deram nos massa com peixe seco assado. Depois de comer fomos procurar o comboio para o Limbe. Limbe é em Blantyre. Contactámos o chefe da estação e dissemos-lhe para onde queríamos ir e que só tínhamos dinheiro português. Naquela altura as pessoas da fronteira gostavam de escudos para comprar vinho ou outras coisas vindas de Moçambique. Por isso o chefe da estação disse: "Oh pá, eu posso trocar-vos o dinheiro". Eu trazia 1.500$00, outro trazia 2.000$00 e outro 1.000$00. Assim trocámos todo o nosso dinheiro e comprámos os bilhetes. Já não me lembro quanto pagámos, mas partimos às 8 horas da noite e passámos toda a noite a andar de comboio até amanhecer. Quando chegámos ao Limbe eram cerca de 11 horas da manhã.
Pelo caminho encontrámos um sujeito que ficou admirado de nos ver tão quietos e sossegados no comboio, pensando que éramos da PIDE, que estávamos a ir para Blantyre para ver o movimento da Frelimo. Nós pensámos que ele estava dos dois lados, quer dizer, quando estava em Moçambique trabalhava para o governo português e quando estava no Malawi tinha que assimilar o ambiente do Malawi. Ele foi e perguntou a um dos nossos companheiros quem éramos, mas este não conhecia a língua do Malawi nem o ciSena, só português ou a língua lá do Sul. Mandou-o ter comigo. Ele disse-me, na língua do Malawi: "Onde é que vocês vão?" Eu sabia a língua e disse que íamos para o Limbe. "O que vão lá fazer?" Eu disse: "Nós temos lá um familiar. Vamos visitá-lo". Ele ficou calado, mas não satisfeito. Continuámos a viagem. Passado um bocado ele veio outra vez: "Oh pá, em que sítio é que está esse tal familiar? É porque eu sou de lá e portanto talvez conheça esse familiar". É claro, eu não podia dizer logo porque estava a suspeitar dele. Não sabia qual era o interesse dele. E disse-lhe: "Eh pá, como é a primeira vez que vamos para lá não sei exactamente o sítio. O certo é que ele nos disse que quando chegássemos ao Limbe devíamos contactar a casa X (era uma casa muito conhecida)". O homem não ficou satisfeito com a minha resposta e disse: "Eu sei onde vocês vão. Vocês vão para a Frelimo". Eu respondi: "Oh pá, esse nome é estranho para nós". Mas o homem insistiu em falar da Frelimo e chegou a dizer que "Eu também faço parte, sou do Comité que está no Limbe". Falou de tantos aspectos da organização que eu disse: "Oh pá, francamente nós vamos lá desenrascar a nossa vida como homens. Vamos lá ver no concreto. Se for possível ir para a Frelimo vamos. E é certo que não conhecemos nem Blantyre, nem Limbe, nem Malawi. É a primeira vez que estamos num país estrangeiro". Então o homem explicou-nos onde nos devíamos dirigir quando chegássemos ao Limbe. Realmente ele não era elemento para nos fazer mal.
Chegámos ao Limbe. Pelo caminho aquele homem viu que não tínhamos aquele movimento como se fôssemos de lá. Ele arranjou comida para nós: bananas, cana doce e tal. Ele comprava e oferecia-nos. Comemos até chegar ao nosso destino. No Limbe perguntámos onde era o Bangwe e apanhámos o machimbombo para lá. Descemos no Bangwe e tivemos que perguntar por alguns elementos da Frelimo, concretamente o Chico Lourenço. Certas pessoas conheciam o Chico Lourenço e indicaram-nos a casa.
P - Era esse a quem chamavam Chico Sena?
CS - Era esse mesmo, sim. Ele recebeu-nos: "Sou eu o Chico Lourenço, sim senhor!" Nós explicámos a nossa preocupação e pronto. Foi portanto assim que saímos de Moçambique.

A UNAMI e outras Organizações de Moçambicanos no Malawi
CS - No Malawi, no princípio, a política que tinha entrado mais era a da UNAMI. A Frelimo ainda não era conhecida. A Frelimo veio a ser conhecida em 1962, quando fez aquele Congresso. Unir aqueles partidos todos. Alguns elementos foram tomar parte nesse I Congresso e quando regressaram começaram com um programa de propaganda da Frelimo. Nos princípios, em 1961, 1962, estava a reinar tipicamente a política da UNAMI.
P - A UNAMI era talvez mais conhecida porque existia antes. Nós sabemos que o Baltazar da Costa Chagonga saiu de Moatize. Fugiu em 1961. Ele fora enfermeiro lá. Outras pessoas também saíram. Mas a UNAMI, nesses anos de 1963, 1964, não trabalhou em conjunto com a Frelimo?
CS - Pelo menos em 1964 já estavam separados. A UNAMI já estava a trabalhar para o seu lado, assim como a Frelimo.
P - Na mesma zona?
CS - Na mesma zona, sim.
P - Não tinham conflitos?
CS - Quer dizer, conflitos havia quando a UNAMI, por exemplo, apanhava elementos saídos aqui de Moçambique e esses elementos deixavam a UNAMI para se juntar à Frelimo. E então quando se encontravam tinha que haver um pequeno conflito. Não era um conflito de jogar porrada, mas um conflito assim de ódio. Isso havia.
P - Houve uma altura em que a Frelimo e a UNAMI colaboravam, no princípio. Estavam juntas. Os documentos dizem que a UNAMI ajudava os guerrilheiros... ainda não era os guerrilheiros mas os membros da Frelimo, no caminho para entrar cá dentro. Mas foi um período muito curto, esse. Depois houve logo a separação. Uma parte da UNAMI não quis juntar-se. O que é que a UNAMI fazia, exactamente, nessa altura ?
CS - A UNAMI fazia também a sua propaganda. Mobilizar o povo de Moçambique que estava no Malawi. Mas houve também um momento em que penetraram...
P-Na Angónia?
CS - Não, à Angónia nunca chegaram. Foi nessa área do Zóbuè. Isso em 1963. Por influência do Evaristo Gadaga que saíra aqui de Moatize. Nessa altura sem dúvida que não desconfiavam dele. Chegava a Moatize e voltava. Ia e voltava. É claro, quando ele vinha aqui não deixava de falar qualquer coisa sobre a libertação de Moçambique, e tal assim. A libertação de que ele falava era simplesmente aqui de Tete. Até exemplificava: "Vocês não vêem?! Os nossos companheiros malawianos estão independentes1. Porque é que nós não podemos também estar independentes?", e essa coisa toda. Pouco mais ou menos o que ele fazia era tentar mobilizar a população. Ver se o partido dele podia apanhar apoio.
P - O Evaristo Gadaga era uma pessoa importante...
CS - Na organização da UNAMI sim, porque era o secretário-geral. Depois do Chagonga era ele.
P - O sr. Celestino nunca foi convidado pela UNAMI?
CS - Pelo compromisso que eu tinha com a Frelimo, a certeza na Frelimo, nunca fui capaz de alinhar com a política deles. Muitas vezes fui a casa deles, a casa do Gadaga. Eles viviam em Chileka, a 10 quilómetros de Blantyre. Viviam os dois, o Baltazar e o Gadaga. Eu ia muitas vezes a casa do Gadaga na altura em que o Chagonga foi raptado para Moçambique2. Eu não deixei de visitar o Gadaga. Quando ele metia conversa da UNAMI e da Frelimo, é claro, eu mostrava mesmo que o movimento da UNAMI estava a perder o seu ritmo porque estava fraco. Estava fraco porque os elementos que eles agarravam não tinham condições de vida. Eles, UNAMI, queriam a independência, mas era uma independência pacífica, conversada, dada. Convencer os portugueses a dar a independência. E não era real isso. Os portugueses não iam dar a independência. As pessoas deles, portanto, que não tinham trabalho no Malawi começaram a sofrer. Não tinham condições de sobreviver, e por isso tentavam convencer-nos a nós, os de Tete. Não adiantava nada. Enfim... perdeu-se, a UNAMI foi mesmo assim abaixo. Por isso quando íamos conversar eu dizia: "Oh pá, têm aqui essa gente. Como é que vocês nos querem aqui na UNAMI. Não têm para onde ir. O melhor é a gente ir para a Frelimo. Sai-se daqui, vai-se para a Tanzania. Da Tanzania vai-se para o exterior. Treinar, fazer isto e aquilo. Outros seguem cursos e essa coisa toda".
P - Mas o Dr.Banda não os apoiava?
CS - No princípio apoiava. Porque o Banda era um daqueles elementos que não queria derramar sangue. Como ele adquiriu a independência assim estava convencido que os portugueses iam fazer o mesmo. Mas ele estava enganado. Por isso ele no princípio apoiava. Mas apoiar não no sentido de dar alimentação. Não, mas sim dizendo: "Podem fazer a vossa organização". Até porque o português não tinha muito medo da UNAMI porque era um partido que não tinha o problema da guerra. Por isso não houve muita acção contra eles se bem que ultimamente tivessem levado o Chagonga pensando que tudo ia acabar mesmo. Enquanto que a Frelimo estava sempre a intensificar. O próprio Mariano Matsinhe quando saiu pela primeira vez ia com o nome da UNAMI, foi recebido pela UNAMI. Como ela não fazia nada ele abandonou. Muitos passaram pela UNAMI antes de chegar à Frelimo.
P - E aquele movimento... a UDENAMO, do Gwambe. Não se lembra se no princípio eles tiveram uma actuação no Malawi? O Adelino Chitofo Gwambe ?
CS - A UDENAMO não actuou no Malawi. P - E o COREMO?
CS - Não. Não actuou. Só na Zâmbia.
P - Não tinham representante no Malawi?
CS - Não tinham mas tentavam ter. Tentar no sentido de ter vindo um sujeito (já não me lembro do nome). Apareceu... Qual era o objectivo dele? Era ganhar-nos porque nós já éramos membros da Frelimo. Quis realmente estabelecer uma representação sua no Malawi mas não teve aceitação, mesmo do governo do Malawi. E assim acabou por abandonar. Voltou outra vez. Lembro-me que se hospedou numa pensão, já não sei como se chama. Não é bem um hotel...
P - Rest House...
CS - Rest House, sim. Ficou quase uma semana lá no Limbe. Então acabou por regressar. Não conseguiu atingir o objectivo que trazia. Portanto no Malawi eles não tiveram representação3.
P - No Malawi, portanto, foi mesmo só a Frelimo.
CS - Sim, foi a Frelimo. Quando fracassou a UNAMI veio a Frelimo e foi sempre só a Frelimo. Não veio mais ninguém.
P - E a UNAR? O Calisto Trindade...
CS - Esses muito mais tarde. Até eu não cheguei a acompanhar4.
Relações do Governo do Malawi com a Frelimo
P - Como é que era a relação da Frelimo com o Governo do Dr. Banda neste aspecto? Ele permitia a política? Permitia a actividade junto dos refugiados?
CS - Não, ele não começou a chatear. Pelo contrário, ele ajudou-nos muito. Porque se ele realmente começasse a chatear nós não teríamos podido desenvolver nenhuma actividade lá. O certo é que o Dr.Banda não respondia pela nossa linha mas deu-nos liberdade de trabalhar lá. Mas não pela sua responsabilidade. Qualquer acontecimento que houvesse no Malawi connosco ele não assumia a responsabilidade. Porque é que ele não assumia a responsabilidade? Como tinha relações com o governo português, quando era perguntado se recebia os refugiados da Frelimo, ou se conhecia a Frelimo, ele dizia que não conhecia nada. Dizia ao português que "se você achar aqui um elemento da Frelimo então pode tomar conta dele". Portanto, o português, no Malawi, tanto podia fazer como desfazer. E nós, pelo nosso lado, vivíamos lá com muita insegurança, porque ele disse que "vocês podem ficar mas não sob a minha responsabilidade com o que vier a acontecer. Podem viver aqui como pessoas realmente refugiadas, que fugiram do vosso país, mas não exercer a actividade política. Quem quiser exercer actividade política e se acontecer alguma coisa o problema é dele". Era assim que nos chamava a atenção. Claro que não era o próprio presidente Banda, mas a sua gente, concretamente o ministro Mwalo, que era elemento do Congress Party, o partido deles.
P - E o Kanchiputu?
CS - O Kanchiputu sim. Mas o Mwalo chamava-nos muitas vezes a atenção: "Olha, o governo do Malawi quer apoiar realmente a Frelimo. Mas não é aquele apoio aberto. É um apoio muito clandestino. Portanto, vocês podem exercer as vossas actividades políticas aqui, mas sem mostrar. É que muitas vezes nós somos contactados pelo governo português, nós temos dito que não sabemos se aqui no nosso país existe o movimento da Frelimo. Por isso vocês têm que viver com muito cuidado". Enfim, dava pormenores... Não queria que nós comprometêssemos o governo do Malawi. Por isso, muitas vezes quando os refugiados chegavam ao numero de 50 ou 60 eram imediatamente evacuados para a Tanzania, que era para não haver consequências por existirem refugiados da Frelimo. Por isso eles apoiavam-nos em transportes. Mas não era de graça! Nós íamos alugar o machimbombo, carregávamos com os nossos elementos para a Tanzania.
OS Refugiados Moçambicanos
P - Esses refugiados podiam lá ficar em qualquer sítio? Ou iam todos para um determinado local? Os refugiados tinham liberdade para se movimentar?
CS - Sim, mas o refugiado que saía daqui de Moçambique sem intenção de juntar-se à Frelimo, esse não chegava até à cidade. Ficava logo no campo, perto da fronteira. Logo que atravessasse a. fronteira ficava por ali. Era recebido por um familiar ou não familiar, arranjava a sua cabanazita ali, enfim... resolvia a sua vida. Esses não tinham problema nenhum, podiam ficar. Agora aquele refugiado que saísse daqui para ir directamente até à cidade, claro que não deixavam que se movimentasse de qualquer maneira, porque era um compromisso do Malawi. Houve realmente um ou dois que eu conheci que vieram juntar-se à Frelimo mas, mais tarde viram que não concordavam em ir para a Frelimo e saíram do campo, foram arranjar serviço e ficaram lá a trabalhar. Esses também não foram chateados porque não mexeram mais em actividade política. Procuraram serviço e ficaram só a fazer serviço.
Agora aqueles que chegassem ao Malawi para se juntar à Frelimo, então tinham que ficar no campo da Frelimo. Esses não se podiam movimentar de qualquer maneira. Tinham que ficar sob o controlo dos responsáveis da Frelimo lá. E quando chegava o dia eram evacuados imediatamente. Aqueles que não estavam sob o controlo da Frelimo, é claro que podia acontecer-lhes alguma coisa. Tanto a Frelimo como o governo do Malawi não assumiam responsabilidade sobre eles.

A Organização da Frelimo no Malawi
P - Quando chegaram lá já havia o Comité do Bangwe?
CS - Em Bangwe já existia, talvez desde 1963. Os moçambicanos que tinham deixado Moçambique há uns tempos atrás estavam lá, e então esses organizaram um Comité que era constituído por três ou quatro pessoas, que eram o Chairman, o secretário e o tesoureiro. Havia outros...
P - Em Blantyre...
CS - Em Blantyre, No Limbe. Nessa zona chamada Bangwe. O presidente chamava-se Diná. O secretário era o Chico Lourenço, e o tesoureiro o Dique. E mais outros.
P - Domingos Diná...
CS - Domingos Diná, isso mesmo.
P- Só havia essas pessoas, o Domingos Diná, o Dique, o Chico Lourenço?
CS - Havia mais outros. Esses era só os responsáveis.
P - Quantas pessoas? Vinte?
CS - Não, vinte era muito. No máximo deviam ser umas quinze ou dezasseis pessoas, nessa altura. Mas depois o Comité veio a alargar-se. Alargou-se até formar sub-branches.
P - Quando o Sr. Celestino chegou lá não havia ainda os sub-branches?
CS - Não, não havia.
P - E qual era o trabalho que se fazia lá?
CS - O Comité simplesmente recebia os refugiados e depois ficava a representar a Frelimo perante o governo do Malawi, e preocupava-se com o alojamento dos refugiados e essa coisa toda. Era esse o trabalho essencial que eles faziam.
P - Propaganda em Moçambique não faziam ainda?
CS - Não, ainda não tinham começado. Mas faziam propaganda dentro do Malawi. Entre aqueles moçambicanos que estavam lá. Entravam em contacto com este e aquele. Não podiam fazer trabalho no interior porque não se movimentavam. Eram elementos que estavam a trabalhar no Malawi, a ganhar o seu pão. Portanto não tinham tempo para entrar em Moçambique e fazer propaganda
P - Já falámos no Comité do Bangwe. Era esse o Comité Regional?
CS - Isso mesmo. Era o Comité Regional. Depois vieram a criar-se sub-Comités em certas zonas, concretamente em Dedza, Mwanza, Chikwawa... isso já com a Frelimo.
P - Esse Comité de Blantyre era o Comité Regional do Limbe. E esses sub-Comités eram chamados como?
CS - Eram chamados Branches.
 P - O Comité é que os controlava?
CS - Isso. Quando eles faziam qualquer serviço tinham que vir dar o relatório ao Comité.
P - Não se lembra do nome de todos os Branches?
CS - Eram muitos... Dos nomes todos já não faço ideia. Em Lilongwe estava o branch orientado pelo Evaristo Trindade, com o Binton Phiri. Em Dedza eram o Cal isto Trindade e o António Alane.
P - E o Inácio Nunes?  
CS - Não. O Inácio Nunes foi o meu colega. Ele trabalhou sempre comigo. Portanto, em Mutarara havia também...
P - Chiromo, Nsanje...
CS - Chiromo, sim. Isso, Nsanje. Era um branch onde o responsável era um qualquer-coisa Kamangira...
CS - Benedito Kamangira, coadjuvado por outro sujeito chamado qualquer-coisa Sabe. Os nomes estão a fugir-me.
P - Havia o Branch de M'lanje...
CS - Sim, o de M'lanje, com o Alexandre Magno e outros. Estes eram os principais. Havia ainda outros mais pequenos, tipo células.
P - Em que altura, mais ou menos, é que começaram a aparecer esses Branches?
CS - Quando aqui cheguei já existiam. Vim a inteirar-me mais em 1965, quando desenvolvi o trabalho de organização. Não sei se já existiam em 1962 ou 1963, mas o certo é que o do Limbe foi o primeiro a existir5.



O Trabalho de Mobilização no O Trabalho de Mobilização no Interior
P - Como é que o Sr. Celestino começou afazer o trabalho no interior?
CS - Foi mesmo em 1964. Em 11 de Novembro dei entrada no Limbe. Não demorei muito. Na altura eu encontrava-me doente e não pude avançar para a Tanzania. No dia 16 fui contactado pelo Sr.Ministro Mariano Matsinhe que era do Zóbuè e que na altura estava em Lusaka. Fui contactado para fazer o trabalho de organização do interior. Nesse momento, é claro, já havia companheiros naquele partido chamado UNAMI. Então viu-se que a UNAMI não tinha realmente o objectivo de independência total do povo de Moçambique. Era um partido que considerava a independência apenas para libertar esta zona de Tete. Só. Eles começaram então a desistir da Unami e então juntaram-se à Frelimo, que já tinha aquele Comité. Nessa altura eu comecei o trabalho. Devia vir para cá para Tete, para o interior. A minha tarefa seria de recrutar jovens para a Frelimo e mobilizar. Quando cheguei a Lusaka fiquei cerca de uma semana, a ler. A ler aqueles panfletos e a inteirar-me um pouco da política e tal, à espera que ele me desse uma tarefa para Moçambique. Isso porque eu tinha todos os documentos. Não tinha problemas de entrar e sair de Moçambique porque tinha os documentos em dia. Fiquei portanto lá uma ou duas semanas. Em Dezembro regressei ao Malawi mas não fui ao Chico. Saí com a minha missão directamente de Lusaka para Mwanza. De Mwanza então entrei no Zóbuè e vim para Tete. Passei aqui o dia 25 de Dezembro, que é Natal. No mesmo mês regressei ao Malawi. Quando lá cheguei fui ter com "os Chicos" e eles ficaram admirados por eu ter ido a Tete. Não queriam acreditar. Mas passaram a acreditar depois de ouvirem as orientações que eu trazia sobre a forma como nos devíamos organizar. E pronto, a partir daí, de 1964, comecei a vir para aqui trabalhar.
P - Antes de entrarmos nesse trabalho gostaríamos que nos falasse de mais algumas pessoas. Do Cereja, lembra-se?
CS - O Mateus Cerejo foi meu elemento. Foi organizado por mim. Era daqui de Moatize. Mais esse Fernando Lopes, e o Augusto Isaías do Vale.
P - E o Segrenha?
CS - O Segrenho não me lembro. É claro, eu contactei com muitos companheiros. De muitos já nem me recordo dos nomes.
P - Então eu vou talvez ajudar. Começou aqui a trabalhar em fins de 19646, não é? Quando começou aqui na zona do Zóbuè houve gente que conseguiu contactar. Havia o Jonas Manteiga, o José João Botelho, e um indiano, o Abdul Carimo Cassamo...
CS - Essas pessoas não trabalhavam directamente comigo. Quando eu comecei os meus trabalhos no Zóbuè a primeira pessoa a quem contactei -até lhe dei trabalho - era o Rabissone Chinhanda, ou Chinhanda Rabissone, uma coisa qualquer... Era esse e o Fernando Lopes, que estava mesmo na fronteira...
P - Ele tinha uma cantina, não é?
CS - Tinha uma cantina, sim. Era com esses que fazíamos contacto para criar um branch aqui em Moçambique. Como é que se criava esse branch? O Cerejo levava um montão de cartões. O Fernando Lopes levava um montão de cartões. Esse Rabissone também. Esses cartões tinham, portanto, o objectivo de criar membros para a Frelimo. Quem tivesse cartão da Frelimo podia considerar-se membro da Frelimo. Quem não tivesse, tínhamos medo de nos aproximar dele. E como é que se dava um cartão ao moçambicano que estava aqui dentro? Primeiro começávamos a organizar o elemento. "Olha, a nossa preocupação é esta. Você tem ouvido o nome da Frelimo. A Frelimo tem este objectivo, quer libertar o país e aquela coisa toda". Procurávamos saber, portanto, se aquela pessoa contactada queria estar livre ou não queria estar livre. Sem dúvida ela dizia que queria um Moçambique livre, independente e aquela coisa toda. E então, para garantia que aquele elemento podia ser da Frelimo tinha que ficar com um cartão. Dizíamos: "Todo o membro da Frelimo tem que possuir um cartão, que é este". Nesse cartão estava escrito o nome dele, idade, e aquela coisa toda. Então o sujeito pegava naquilo, preenchia e ficava com ele. É claro, não andava com ele no bolso como se fosse um bilhete de identidade. Tinha que procurar um sítio onde esconder. Então, esse elemento tinha que arranjar, por sua vez, um amigo e dizer-lhe: "Oh pá, fui contactado por um senhor que me disse o que é a Frelimo". Depois mais isto e aquilo. É claro, como eles se conhecem entre eles, quem é bom e quem é mau, e essa coisa toda, a segunda pessoa também tinha que concordar: "Oh, eu também posso ser membro da Frelimo". Então recebe também um cartão e guarda-o. Esse, por sua vez, também fala com um amigo. Como o conhece, pode falar na Frelimo que o outro não o vai levar à PIDE, ao sipaio ou outra coisa qualquer. Assim sucessivamente, a coisa vai andar. Assim, quando uma determinada zona já tem quatro ou cinco elementos eles têm que se reunir, pelo menos mensalmente. De noite. Eu andei muitas vezes de noite com o Mateus Cerejo, o Rabissone Chinhanda, o Fernando Lopes. Era preciso reunir com pouca gente para evitar a aglomeração. Enfim, isso criava perigo. Esses encontros tinham que ser mesmo no mato, as mulheres sem conhecer "onde foi o meu marido" e essa coisa toda. Entrávamos num determinado sítio e conversávamos um pouco. Depois regressávamos. Ultimamente eu já não podia vir para aqui, não podia ir para essa zona da Angónia, não podia ir para Fingoé. Então tive que criar outros elementos: O Binton Phiri, o Trindade e o Alane. Tinham que trabalhar nessa zona da Angónia, Houve outro sujeito chamado Joseph Nyamcombe a trabalhar com aquela zona do Fingoé, do Zumbo, e a descer para aqui. Aqui no centro tinha que estar eu a vir para aqui e a descer para a Mutarara. Eu não cheguei a desenvolver trabalho na Mutarara. Quem desenvolveu trabalho na Mutarara foi o Nunes. Inácio Nunes. Entrava naquela zona da Mutarara, entrava mesmo na Beira, Gorongosa e tudo. Andou muito ele. Trabalhávamos dessa maneira. Enfim, há-de haver mais ainda outros pormenores.
P - O objectivo era vender cartões, sensibilizar, é certo. Mas também se chegou a pensar em começar a guerra nessa altura, na zona do Zóbuè?

CS - Não. Já tinha começado. Porque quando entrámos com esses cartões era para mobilizar as populações, ou aqueles membros da Frelimo que já tinham cartões, para quando um dia, amanhã ou depois, aparecesse um elemento a dizer ser um guerrilheiro ou um soldado da Frelimo, este ser bem guardado. Tinha que receber alimentação. Fazia-se o trabalho de organizar as populações, mobilizar as populações por meio de cartões, principalmente para, quando começasse a guerra, dar de comer ao guerrilheiro, dar-lhe informações, escondê-lo, esconder as armas, ajudar a transportar certo material para determinado sítio e essa coisa toda. Portanto, havia esse objectivo.
P - Mas era pouca gente...
CS - Sim, era pouca gente. Não devia ser muita gente...
P - Na região do Zóbuè as autoridades tradicionais apoiavam ou não apoiavam? Os régulos e fumos, o M'Boola, o Chimalizene, o Zacarias, nenhum aderiu à Frelimo? Nenhum comprou cartão?
CS - Entre esses régulos e fumos não sei. Não chegava a eles porque como eram autoridade eu tinha medo. Mas o certo é que uma vez esse Rabissone Chinhanda chegou a casa de um régulo e colocou-lhe o problema: "Passa-se isto, senhor régulo". Aliás, se esse Chinhanda foi falar com o régulo é porque ele era de muita confiança. O nome dele já não me lembro. Na altura havia o fumo, o chefe de grupo de povoações. Ele foi contactar com esse, colocar-lhe o problema que "passa-se isto no nosso país", a tentar convencer aquela autoridade. Eles não chegaram a comprar cartões. Não sei se o fizeram talvez mais tarde. Porque eles, como autoridades, também tinham medo. Mas diziam que "nós ouvimos isso. Você sabe que o nosso governo é muito duro quando encontra elementos da Frelimo. Se o elemento da Frelimo é apanhado é morto, massacrado e essa coisa toda. Nós como autoridades ouvimos, sim senhor. Mas você tem que trabalhar com muita atenção. Um dia em que você for apanhado não venha dizer que fulano de tal sabe. Você tem que resolver sozinho"7. Então ele veio informar isso e não tardou que o chefe do Posto do Zóbuè mesmo soubesse...
P - O Virgílio Oliveira?
CS - Esse mesmo. Não sei como ele soube8. Foram apanhar esse Chinhanda Rabissone. Foi chamado ao Posto. Ele não aceitou que conhecia o fulano de tal ou que conhecia a Frelimo. Recusou redondamente até que o chefe do Posto o ameaçou com uma pistola. Pôs na mesa a pistola e disse: "Oh pá, se não dizes a verdade vais morrer. Vou-te liquidar aqui". Ameaças, aquela coisa. E o homem foi sempre corajoso. Não aceitou dizer que conhecia fulano de tal ou que conhecia a Frelimo. Desconhecia a Frelimo e acabava de ouvir esse nome Frelimo pronunciado pelo chefe do Posto. Ele procurou, portanto, safar-se, fazer de conta que não conhecia a Frelimo. E disseram-lhe: "Bom, nós ouvimos dizer que você colabora com a Frelimo. Têm vindo aqui elementos da Frelimo. Vêm lá do Malawi e da Tanzania. Você costuma recebê-los, dar-lhes de comer. Até uma vez você matou uma galinha para um sujeito..." Eu não sei como é que eles tinham montado a rede deles. O Chinhanda continuou a recusar mesmo: "Não sei nada disso!". E por fim, então, ele recebeu orientações: "Bem, se bem que você não conheça a Frelimo, então a partir de hoje, se encontrar um elemento que diga ser da Frelimo então você prende-o. Ou vem comunicar aqui ao Posto que nós vamos prendê-lo". Ele disse: "Sim senhor, senhor chefe do Posto". Então o homem escapou. Eu não sabia nada do que aqui se passava. Quando fui lá, chego a casa dele e o homem ficou muito triste quando me viu. Até eu estava comprometido, estava ameaçado porque a forma como ele me recebera das outras vezes era muito diferente da forma como me recebeu nesse dia...
P - Começou então a desconfiar...
CS - Comecei a desconfiar: "Que é.que se passa? Este homem tem-me recebido de uma outra forma e hoje... Está bom!" E fiquei. Mas o homem também, é claro, com boa fé na Frelimo, disse assim: "Ah, senhor chefe, não pode ficar aqui. Temos que sair já porque aqui em minha casa agora estão sempre a passar pessoas a ver o movimento que se passa. Portanto temos que sair já". E saímos, fomos acampar numa árvore no mato. Sentámo-nos ali e ele começou a informar que lhe aconteceu isto e isto: "Por isso eu, como tenho fé na Frelimo, não quero vacilar. Continuo a trabalhar com a Frelimo. Se vier a acontecer qualquer consequência, prenderem-me ou matarem-me, paciência..." Enfim, ele fez um juramento e garantiu-me que eu podia chegar lá a casa mas sempre devíamos sair logo. E assim acabei de trabalhar com ele. Então vi que se frequentasse sempre esse sujeito era mais fácil ser descoberto. E ficou, portanto, o Mateus Cerejo a desenvolver trabalho aqui. A entrar e sair. Com o Fernando Lopes. E o Fernando Lopes tinha outro elemento que era o Augusto Isaías do Vale. Esses acabaram por ser presos. O Fernando Lopes foi preso com o Augusto Isaías do Vale9. Apanharam aqueles cartões, panfletos da Frelimo e aquela coisa toda. Eles sofreram a prisão aqui. Parece que sete ou oito anos de prisão.


P - Aqui em Tete?
CS - Aqui em Tete, mas parece que depois foram transferidos para a Machava, onde eram colocados os prisioneiros políticos. Então eu limitei-me... Comecei a deixar de vir para cá mas continuava a penetrar no Seminário do Zóbuè. Como a nossa missão era de mobilizar e recrutar os homens, então tive que penetrar na Missão do Zóbuè. É claro, ali fui com um bilhetinho. Na altura, o ministro Matsinhe conhecia um padre chamado André de Belge. Ele fez um bilhetinho no sentido de indicar o nome, porque não podia escrever senão podia comprometer o senhor padre, caso eu fosse preso. Então ele escreveu só o nome do senhor padre "André de Belge, Seminário do Zóbuè". "Você contacta com ele e diz que eu mando cumprimentos". Era para ver se nós podíamos trabalhar com o senhor padre André de Belge no sentido de ele nos arranjar livros para apoiar a escola da Frelimo em Dar-es-Salaam. Então eu fui lá. Mas no primeiro dia o senhor padre André de Belge suspeitou de mim, que eu não fosse um elemento da Frelimo, e disse: "Oh pá, eu não conheço esse senhor. Se bem que o conheça há muito tempo que não sei onde ele anda, já não conheço o paradeiro dele". Eu vi que o homem tinha receio de mim. Pensou que eu talvez fosse um elemento da PIDE a explorá-lo. Eu não insisti e regressei naquele dia. Passado uma semana fui outra vez contactar com esse padre e disse: "Senhor padre, tenha toda a certeza que eu não vim espiar o senhor padre. O certo é quê nós queremos trabalhar com o senhor padre. Eu sou mesmo elemento da Frelimo. Estou a trabalhar nesta província, concretamente na zona de Tete, a partir daqui do Zóbuè até ao interior da cidade. E nós queríamos estabelecer uma ligação, ligação essa não apenas com o senhor padre André de Belge mas também com outros sujeitos lá mesmo na cidade". Eu não lhe escondi para ele ter confiança em mim: "Já trabalhámos com o padre Ferrão e com o senhor Arnaldo Cambe. Na cidade temos dois elementos muito competentes a quem eu levei muitas vezes panfletos de propaganda da Frelimo. Deixava uma parte com o senhor padre Ferrão e outra parte com esse senhor Arnaldo Cambe. Por isso queríamos também colaborar com o senhor padre aqui, porque neste seminário existem muitos alunos já com idade de tirar um curso qualquer lá no exterior". Nesse dia o senhor padre André de Belge disse: "Oh pá, aqui não te posso dar nenhuma resposta mas o certo é que eu muitas vezes saio para o Malawi. Há lá uma igreja mesmo em Mwanza..." (não sei se era católica). O certo é que o senhor padre ia sempre lá. Então ele marcou um dia para nos encontrarmos lá. Perguntou onde eu vivia e eu disse que era em Blantyre. Então ele disse: "No dia X vamo-nos encontrar em Mwanza, naquela missão". Como o Cerejo também não estivesse aqui em Moçambique mas sim em Mwanza, então eu fiquei em Mwanza até ao dia que o padre André de Belge marcou para nos encontrar-mos. Fiquei lá. Enquanto estava lá à espera então tinha que andar com o Cerejo dentro do Malawi. Ir lá para cima ver onde estavam os moçambicanos, contactar com eles, falar sobre a Frelimo. E chegou aquele dia. Fui à tal missão e ele realmente apareceu. Apareceu e aqueles padres lá da missão receberam-nos bem. Aliás, a mim, como era a primeira vez que lá ia, ele apresentou-me aos padres que lá estavam, e pronto. Deram-nos um sítio para conversarmos com o senhor padre André de Belge e eu comecei a dizer tudo o que era preciso. Ele teve confiança em que eu era realmente membro da Frelimo. Quando voltou começou realmente o trabalho de organizar aqueles jovens. Mesmo em 1965 conseguiram sair muitos alunos com a ajuda dele. Quando chegavam ao Malawi levavam indicação do padre para contactar connosco. Ele desenvolveu mesmo trabalho a favor da Frelimo. E quando nós necessitávamos de livros íamos ter com ele. Ele organizava os livros e enviava. Às tantas parece que foi descoberto pela PIDE. A PIDE andou atrás dele. Foi impedido de continuar a ir ao Malawi e acabou por sair do Zóbuè. Isto em 1966 ou 1967. Ele foi para a Bélgica, de onde me escreveu uma carta a dizer: "Meu caro amigo, já passou muito tempo sem contactos. Fui desconfiado pela PIDE. Portanto já não estou em Moçambique, estou na Bélgica, etc." E pronto, ficámos sem apoio...
P - Nunca mais ouviu falar dele?
CS - Nunca mais. Passou a haver controlo mesmo, quando se viu saírem muitos alunos e quando passaram a desconfiar do senhor padre André de Belge. Então houve controlo no seminário. Os alunos, mesmo para entrarem de férias era um problema. Portanto acabou.
P - Não conseguiram ligar com os novos padres?
CS - Não, não se conseguiu porque não tínhamos amizade com eles. Não os conhecíamos. Mais a mais, parece que eram padres portugueses. Aqueles estrangeiros tinham saído todos. Não tivemos ocasião de estabelecer mais contactos com aqueles que estavam lá. E assim ficou.
P - E na Missão de Combate às Trípanosomíases do Zóbuè? Não conseguiram contactos lá?
CS - Não. Aí não tínhamos ninguém. A não ser que esses meus colaboradores tivessem qualquer coisa lá. Sem dúvida que onde eu não conseguia podia ser que um colaborador conseguisse.
P - E eles não "davam" relatório?
CS - Davam relatório sim. Quando voltavam tinham que dar relatório, com os nomes dos novos membros conseguidos e tudo. Mas como já disse passou muito tempo e é difícil recordar. Depois, aqueles documentos todos (nós mensalmente tínhamos que fazer o relatório) já não sabemos onde é que param. Se estão arquivados lá na Tanzania ou onde, já não sabemos. Porque eu em 1968, concretamente em Dezembro, deixei o Malawi. Foi quando o Nunes veio assumir o trabalho que eu estava a fazer. Ficaram, portanto, o Nunes e outro sujeito chamado Chabane, que já faleceu, com o Bonifácio Gruveta. Esses ficaram no Malawi a desenvolver o trabalho enquanto que eu fui transferido para a Tanzania.
P - Em Moatize, nas Minas, também não conseguiram entrar bem?
CS - Eu não entrei. Não sei se entrou esse Augusto Isaías do Vale. Ele está cá, mas lá para Moatize. Está em Moatize, parece que como fogueiro dos Caminhos de Ferro. Depois da independência eu encontrava-me com ele, aí por 1976. Agora de 1977 para cá não me tenho encontrado com ele.
P-Eo Cerejo?
CS - O Cerejo tenho-me encontrado sempre com ele. Está também em Moatize. São elementos de Moatize. Até anteontem me encontrei com ele. Acabou de sair aqui do hospital e regressou a Moatize. Esse deve conhecer melhor ainda a actividade da UNAMI porque ele foi elemento da UNAMI e trabalhou directamente com o Evaristo Gadaga. Então, quando viu a nossa mobilização começou a mudar, a sair da UNAMI... Ele trabalha nas minas de Moatize.

OS Cantineiros e a Frelimo
P - E o Sulemane, estava em Mwanza há muito tempo?
CS - Esse sempre esteve em Mwanza. Aliás ele é daqui. Teve um problema, não sei se foi com o governo português ou se foi iniciativa dele. Abandonou a zona e foi ficar no Malawi. Ficou em Blantyre. Depois foi para Mwanza onde estabeleceu uma cantina. O homem veio para Mwanza para ficar perto da sua terra. Tinha família e filhos aqui. Eu não sabia se ele era moçambicano, na altura. Para vir para cá o caminho passava sempre em Mwanza. Um dia tive que parar na cantina dele. Perguntei quantos quilómetros eram de Mwanza até ao Zóbuè, e que caminhos a corta-mato havia para o Zóbuè. Então o homem interessou-se. Quis saber porque é que eu estava interessado naquilo. É claro, eu estava a falar naquela língua. Não podia falar em português porque senão podiam desconfiar. Então ele disse: "Porque é que o senhor pergunta essas coisas todas?" Eu respondi: "Porque quero dar uma saltada lá. Ouvi dizer que em Moçambique há muito vinho e isso tudo. Ouvi dizer que aqui pertinho há uma loja desse Cravo e desse Carimo Cassamo, mesmo na fronteira. Tem vinho lá, tem boas coisas que nós aqui não temos. Portanto quero chegar lá". Então o homem disse: "É perto. É seguir a estrada. Junto à alfândega há uma loja, etc." E pronto, nesse dia foi assim. No regresso parei lá a caminho do Limbe, Blantyre. Muitas vezes passava ali. Um dia encontrei o homem a falar português com outra gente. Afinal o homem era capaz de ser de Moçambique. Então, quando os outros saíram aproximei-me do homem. Disse-lhe: "Não sei se se lembra de mim..." e então travámos conversa. Eu disse-lhe quem era, de onde vinha, porque é que naquele dia lhe tinha perguntado aquilo, o que ia fazer lá. Perguntei-lhe se conhecia a Frelimo ou não. Então criámos amizade. Muitas vezes quando o Cerejo não estava lá, nesses lados, eu passei a hospedar-me em casa dele. Assim conheci o Sulemane. Foi bom membro...
P - E o Cravo?
CS - O Cravo tinha uma cantina. Nunca quis ligar-se com a Frelimo. Só o Carimo. Não que este fosse membro directo. Ele dizia: "Oh pá, eu não posso ser muito directo. Estou aqui e amanhã sou descoberto, sou preso e essa coisa e tal". Ele, a Frelimo passou a conhecer, mas apoiar devidamente tinha medo.
P - E o Jone Manteiga?
CS - Esse não sei.
P - E conheceu o cantineiro Fidélis?
CS - Esse até veio a sofrer consequências. Foi preso. Até veio a perder a sua cantina, uma viatura e tudo. Esse teve muitas cantinas, três ou quatro.
A "Crise do Gabinete" do Malawi e a Frelimo
P - Podemos talvez falar agora um pouco do Malawi nesses anos de 1965, 1966. Havia outro assunto de que gostaríamos de falar. Houve uma altura, em 1965, logo nos princípios de 1965, em que aconteceu um problema no Gabinete lá. Houve ministros que se revoltaram: O ministro Henry Chipembere, Orton Chirwa (esse que está preso agora lá), Kenyama Chiume. Esse Chipembere chegou mesmo a organizar um exército para atacar Fort Johnston. Como é que a Frelimo estava em relação a isso ? Á Frelimo tinha relações com Chipembere ou não tinha?
CS - Não tinha, por acaso, ligação com ele. Até porque se aconteceu aquilo sem dúvida que foi mesmo iniciativa deles. Porque nessa altura os nossos camaradas, os nossos guerrilheiros, tinham ainda aquela preocupação de infiltrar material quando houve essa guerra deles. A preocupação da Frelimo era ainda de infiltrar material. Pode ser que houvesse uma ligação entre a Frelimo e Chipembere, mas penso que não estávamos a par porque o Governo do Malawi não teve uma reacção contra a Frelimo por estar a colaborar com aquele movimento. Mas não deixou realmente de haver uma reacção quando veio a ser encontrado o nosso material. Foi apanhado mesmo no Malawi e foi também quase ria mesma altura que esse Kenyama Chiume, o Chipembere e o grupo estavam, portanto, naquela situação de se revoltarem. É claro, não resta dúvida que houve suspeita de nós termos colaborado. Quando foram apanhados os nossos primeiros combatentes com o material, até disseram: "Oh pá, são esses os soldados do Chipembere, e tal". Enfim, tentaram-se vingar mas os responsáveis parece que tiveram calma, concretizando que nós não estávamos ligados ao grupo de Chipembere; sem dúvida que era iniciativa dele, não estava ligada à Frelimo. Por isso pode ser que estivesse ligado, mas nesse caso seria uma iniciativa muito particular. Nós não soubemos de nada10.
P - Não havia, portanto, uma ligação...
 CS - Não.
P - Mesmo depois (não sei se foi em 1966 ou já em 1967), já o Chipembere tinha acabado tudo, houve uma tentativa do Yatuta Chisiza, que entrou nesta parte do Zóbuè e foi apanhado. Esse Yatuta Chisiza tinha ligação com a Frelimo ou estava sozinho?
CS - Eu penso que estava sozinho porque nessa altura nós não tínhamos nenhuma força da Frelimo aqui. Não tínhamos guerrilheiros. Por isso não houve ligação. Não sei, pode ser que... mas é a mesma coisa que para o Chipembere.
O Primeiro Ataque
P - Nessa altura, entre 1964 e 1967, falou-se muito naquela serra de Salambtdua, perto de Caldas Xavier (hoje Cambulatsitsi) e do Zóbuè. Houve uma ideia, no princípio, de concentrar material, de começar a guerra, para além do trabalho de mobilização. De concentrar guerrilheiros e iniciar uns ataques. Chegou a haver?
CS - Foi precisamente nessa zona que começou a guerra aqui em Tete. Foi mesmo na zona de Cambulatsitsi, para os lados de Charre, Mutarara.
P - Como começou a guerra aí? Como foi?
CS - Quando começou eu estava no Malawi. Iniciou-se aquilo. Quem era o comandante era o Casal Ribeiro. O comandante que iniciou a guerra naquela parte.
P - E isso quando?
CS - Em Janeiro de 1965. No princípio era para começar em 1964. Mas houve um atraso e começou em 196511. Até eu tinha sido convidado para ir a esse combate mas, enfim, não sei o que aconteceu. Não fui. Quem foi, foi um sujeito que está aqui ainda, o Pedro Amos, administrador do hospital. Esse é que esteve mesmo em Charre. Não sei se aquilo foi má organização nossa (aquilo não estava devidamente organizado, a população não estava mobilizada muito bem), mas quando se deram os primeiros tiros e aquela coisa toda as pessoas tiveram que voltar para o Malawi. É claro, aquilo veio a cair por ter acabado o material. O material que tinham levado não era suficiente para durar um mês, dois ou três. Quando se começou aquilo pensava-se que o material havia de vir continuamente. Sem se saber que o Banda não havia de permitir isso porque aquele material entrara para aquela zona sem o conhecimento do governo do Malawi. Então, quando fizeram aquele trabalho, chegou às tantas e o material, concretamente as munições acabaram. As pessoas, os guerrilheiros, não podiam ficar lá.
P - Eram muitos?
CS - Eram cerca de 14 ou 15, já não sei concretamente. E então aqueles guerrilheiros começaram a entrar outra vez aqui no Malawi. E sem dúvida que o Malawi, como não quisesse mostrar o armamento que havia no país, e com aquela confusão do Chipembere, disse que "não, isto ainda deve vir a criar-nos confusão". Então aquela guerra abafou-se.
P - Só houve ataque aí? Em Ancuaze não houve?
CS - Ancuaze... não faço ideia. Portanto, depois daquele ataque, em toda a zona de Caldas Xavier para lá toda a gente ficou a saber que estávamos em guerra. Quando houve o ataque sem dúvida que a tropa portuguesa tinha que procurar mostrar que tinha força12. Qualquer elemento de quem eles desconfiassem pagava caro. Por isso nessa altura houve muitos refugiados no Malawi. Foi devido a essa guerra. Se houve guerra em outras zonas não faço já ideia.
P - Podemos, portanto, concluir que se o Malawi tivesse deixado as armas passar a guerra havia de começar logo...
CS - Oh sim! Havia de começar e não parava mais.
P - Havia já apoio das populações...
CS - Havia sim13.
P - Tanto em Mutarara como no Zóbuè?
CS - Em toda esta zona aqui, a província de Tete. Já havia apoio para a guerra. E se o Malawi nos tivesse apoiado mesmo, com material, não teria levado estes dez anos. Seria muito mais rápido.
P - Nessa zona do Sinjal chegou a haver fome presença da Frelimo...
CS - Sim. Mas guerra, nessa altura, só o combate do Raul Casal Ribeiro.
P - E ele veio da Tanzania para fazer esse combate?
CS - Veio sim. Com os guerrilheiros.
P - Não levava guerrilheiros do Comité Regional?
CS - Não. Esses não eram soldados, eram todos civis. Os guerrilheiros vinham todos da Tanzania14.
O Desaparecimento do Chico Lourenço
P - Durante o ano de 1965 o Chico Lourenço desapareceu, lá no Malawi. Até no próprio Comité estavam preocupados. Depois o Domingos Diná, o Dique, também queriam sair, e te. Como é que foi essa restruturação do Comité, quando apareceu o sr.Bonifácio Curveta? Aquilo mudou?

CS - Como o Chico Lourenço desapareceu eu não sei. Tanto eu como o Bonifácio estávamos na Tanzania (não sei se o Nunes já tinha chegado nessa altura). Acompanhámos isso quando estávamos a regressar. Quando chegámos é que fizemos a comunicação a informar a sede: "O nosso membro antigo fulano de tal foi raptado". Ele era um alfaiate. Como lá no Malawi os alfaiates colocam a sua máquina numa varanda, numa loja qualquer assim, aquelas pessoas que querem coser a sua roupa entregam ao alfaiate que pensam que lhes pode fazer o trabalho e aquela coisa toda. Então ele estava numa das suas lojas com a sua máquina. Também tinha os seus ajudantes. Às tantas parece que apareceu um sujeito (eu conhecia o nome na altura mas agora já não faço ideia), um misto que estava lá também na altura, acompanhado por um outro sujeito. Então quando chegaram lá convidaram o Chico precisamente na hora em que ele estava a sair do serviço. Parece que eram cinco horas ou cinco e pouco. Foi convidado a entrar no carro. E ele entrou no carro porque conhecia um outro sujeito que acompanhava o grupo. Parece que eram uns dois ou três. Os ajudantes não souberam exactamente quem eram mas viram que eles entraram para o carro. Quando nós perguntámos, disseram: "Veio aqui um senhor que trazia também os seus amigos". Então entraram no carro. Ninguém sabe para onde se dirigiram e assim ele acabou por desaparecer. É claro, desaparecer... Os companheiros pensavam que ele estava ainda no serviço: "Mas se está no serviço porque é que não volta?" Então, passados dois dias sem que ele aparecesse, procurou-se saber junto da segurança do Malawi. E esses disseram: "Eh pá, nós não sabemos nada. Nós sempre dissemos que vocês podiam ficar aqui mas que se acontecesse qualquer coisa nós não nos responsabilizávamos por isso. É capaz do homem ter sido raptado pelas autoridades portuguesas"15. E pronto, foi assim.
P - Nunca mais ouviram falar dele?
CS - Nunca mais ouvimos falar dele. Mas como a Frelimo já estava a organizar-se o trabalho não parou.
A Restruturação da Frelimo no Malawi
CS - Muita coisa mudou nessa altura. Mudou porque veio a ser criada uma representação constituída por membros directamente ligados à Tanzania, à sede da Frelimo na Tanzania.
P - Antes não era?
CS - Antes eram simplesmente aqueles moçambicanos trabalhadores que estavam lá no Malawi e tiveram aquele sentimento. E, é claro, mais tarde vieram a ser conhecidos também pela Frelimo na sede da Tanzania, mas que não estavam a trabalhar tal e qual como passaram a trabalhar quando se ligaram directamente à sede da Frelimo na Tanzania.
P - Em que altura é que se formou?
CS - Foi mesmo em 1965, quando desapareceu o Chico Lourenço. Eu fiquei a representar a parte da organização do interior. O Bonifácio ficou a representar a parte da defesa, porque em 1964 já tinha começado a guerra. Portanto, tínhamos que montar o nosso escritório.
P - O Bonifácio Curveta veio nessa altura da Tanzania?
CS - Sim, sim. Esse já era guerrilheiro mesmo! Era um combatente treinado. Então tivemos que ter o nosso escritório. Estávamos primeiramente lá no Bangwe, e verificámos que o trabalho não corria lá muito bem. Tivemos que ter uma casa que transformámos em escritório. Esse escritório estava directamente ligado à sede.
P - Só tinha as secções da organização e defesa?
CS - Só tinha essas duas.
P - E o responsável máximo quem era?
CS - Era o Bonifácio, que era o representante geral e da defesa. Aliás, a defesa sempre foi maior. Então o Bonifácio era o representante da Frelimo no Malawi. E nós fazíamos os nossos trabalhos. Só se trabalhou convenientemente para a Frelimo quando se criou esse escritório. Porque já dependíamos da sede na alimentação, alojamento e aquela coisa toda. Enquanto que no tempo do Chico Lourenço e do Diná era a desenrascar. Era assim que trabalhavam.
P - Depois da restruturação do Comité, quando passou a haver responsáveis da Defesa e da Organização, os Branches continuaram a existir?
CS - Continuaram a existir. Nós íamos fazer reuniões com eles16.
P - O trabalho nessa altura, em 1966, não era de armamento. Era ainda de mobilização...
CS - Era mais de mobilização, sim. Armamento... não podíamos falar de armamento porque o Malawi não deixava passar17.
P - Mas havia muitas ligações com o interior ou pararam?
CS - Havia sim. Houve sempre. Desde que se colocou a representação da Frelimo ali, connosco cada qual com a sua tarefa, o seu trabalho, houve sempre ligação com o interior na mobilização. Não parou mais.
P - Nessa altura em que começou a trabalhar era o sr. Mariano Matsinhe que dirigia o trabalho do interior...
CS - Não. O Mariano Matsinhe era o representante da Frelimo na Zâmbia. Mas estava também como adjunto da organização do interior. O chefe do departamento era o Jaime Rivaz Sigaúke, que veio a morrer. Então o Mariano Matsinhe ficou na Zâmbia a fazer serviço de representação e serviço de organização do interior. Também havia o Alberto Sithole-que ainda não estava dentro da matéria.
P - Então foi nessa altura que o sr. Celestino ligou com ele?
CS - Sim, isso em 1964, no mês de Dezembro. E também com o Sithole. Quando o Mariano Matsinhe ia para Dar-es-Salaam o Sithole vinha para o Malawi dar-me missão, o serviço que eu devia fazer e aquela coisa toda, e voltava para a Zâmbia. Chegou uma altura em que eu fiquei como elemento de ligação. Malawi, Tanzania Zâmbia. Zâmbia, Tanzania, Malawi. Depois do desaparecimento do Jaime Rivaz Sigaúke o Mariano Matsinhe ficou chefe do Departamento do Interior, coadjuvado pelo Samuel Filipe Dlakhama (acho que é assim que se chama), que veio a ser secretário da saúde na altura da transição.
P - Antes da restruturação do Comité no Malawi, disse que eram civis com vontade de aderir à luta mas sem muitas ligações com a Tanzania. Mas recebiam material de propaganda?
CS - Sim, panfletos.
P - Mas não "davam" muitos relatórios à Tanzania?
CS - Não.
P -Nem à Zâmbia?
CS - Não. Mas é claro, o Chico Lourenço dava, mas não era frequente porque ele era um trabalhador. Não tinha tempo para se deslocar à Tanzania.
P - Mas depois da restruturação havia subordinação da representação no Malawi em relação à representação da Frelimo na Zâmbia?
CS - A representação na Zâmbia era mais importante porque tinha embaixador.
P - Eles davam orientações para o Malawi ou as orientações vinham da Tanzania?
CS - Vinham da Tanzania. Mas nós, na organização, recebíamos da Zâmbia também, porque o nosso chefe frequentava mais a Zâmbia, tanto o Mariano como o Sigatíke. E quanto fracassou, portanto, a luta aqui em Tete procurou-se fazer entrar o material através da Zâmbia e, por isso, a Organização do Interior teve que intensificar o trabalho naquele país onde o material devia entrar, e receber mesmo esse material. Lembro-me que quando entrou o primeiro material tive que sair daqui do Malawi (dado ser elemento da organização) para o ir receber na Zâmbia, e procurar sítios para o esconder. Arranjar aqueles "chairmen". No primeiro dia escondemos o material no território da Zâmbia porque não tínhamos confiança para entrar logo no interior com o material. Não sabíamos se aquela população podia ou não ter coragem, e aquela coisa toda. Então nos primeiros dias escondemos mesmo o material dentro da Zâmbia. Mas duas semanas depois de fazer contactos com as populações transferimos aquele material para o interior de Moçambique. Portanto, as orientações que o Malawi recebia da Zâmbia eram apenas na parte da organização do interior. Enquanto que na Zâmbia não havia ainda representação da Defesa. Estava portanto em acumulação a representação da Defesa com a representação da Organização do Interior, com o Mariano Matsinhe. Como membro do Comité Central ele responsabilizava-se por aquilo. Por isso, na parte da Defesa as orientações vinham directamente de Nachingwea, na Tanzania, para o Malawi. Enquanto que a Organização do Interior podia receber quer da Zâmbia quer da Tanzania. Porque o chefe do Interior podia encontrar-se nesse momento quer na Zâmbia quer na Tanzania.
P - Entretanto a luta intensificava-se no Niassa, em Mandimba, etc. E algum material passou para lá através do Malawi, para a base Catur, etc., com o comandante Mabote. Havia ligação do Comité Regional e, depois, da Representação no Malawi com Catur, ou era directo da Tanzania para lá?

CS - Era directo. O elemento da Defesa, também, como estava no Malawi, tinha que acompanhar os problemas que havia lá. Ficava próximo. Era o Bonifácio que resolvia os problemas da defesa naquela zona. Porque é que a Organização do Interior não podia intervir lá? Porque podia criar conflitos. Eles tinham o seu representante que era o velho Kadawele, que tinha também os seus elementos. Nada tinham a ver connosco, os que estávamos aqui na província de Tete. De outra maneira podia ter havido choque e aquela coisa toda. Só na parte da Defesa, portanto. Essa não tinha fronteira: Tinha que resolver os problemas que nascessem no Niassa, na Zambézia ou na província de Tete. Isso se se tratassem de problemas da Defesa. Agora, quando se tratassem de problemas da Organização do Interior cada zona tinha o seu representante. Por exemplo, a Zambézia tinha o seu representante, o Alexandre Magno, que olhava por aquela zona de Milange.
P - O sr. Celestino nada tinha a ver com a Zambézia?
CS - Não. É claro, entre nós podia haver contactos, troca de opiniões, ideias. Eu muitas vezes deslocava-me a MMange, para contactar com o meu colega Alexandre Magno, nessa altura.
P - Mas aí não era um branch...
CS - Era um branch da representação do Limbe. Mas ultimamente, quando se nomeou aquela coisa dos secretários provinciais da Organização do Interior, em 1966 ou 1967, então o Alexandre Magno ficou secretário daquela província, o Kadawele de Niassa...
P - E o sr. Celestino de Tete?
CS - Eu não fui nomeado secretário da província de Tete. Fui simplesmente um elemento zonal, da zona centro. Lá mais para cima eram esses Binton Phiri, etc.
P - Não havia um secretário provincial de Tete?
CS - Não, não havia porque quem respondia era directamente o chefe do Departamento, o próprio Mariano. Aliás, foi em 1967 que nomearam o Casal Ribeiro como Secretário da Província de Tete. Secretário Geral, que devia resolver os problemas da defesa, da organização, todos. Como um governador de província.
P - E o Bonifácio Gruveta?

CS - O Bonifácio Gruveta ficou sempre como representante da Defesa no Malawi. Se houvesse qualquer problema de defesa no Malawi ele tinha que responder. Um guerrilheiro daqui entra no Malawi, ou um guerrilheiro do Niassa ou Zambézia entra no Malawi: A responsabilidade é do Bonifácio. Tem que saber porque é que esse guerrilheiro entrou, o que foi lá fazer.
P - Portanto o Comité passou a Representação, em 1967. E quando foi a nomeação dos Secretários os representantes zonais continuaram com essa responsabilidade de zona ou a responsabilidade ficou nos secretários?
CS - Continuaram. Exemplificando, actualmente vem a Província, o Distrito, a Localidade e a Célula. Então nessas localidades e distritos tem que haver responsáveis. Continuou a haver responsáveis, mas em 1968 eu já não estava lá.
P - Isso são modificações do Congresso?
CS - Sim. Mas é claro, há muitas passagens. Muitas estão esquecidas e outras podem ser lembradas de uma forma errada... Passou muito tempo.
NOTAS
1.Evidentemente que surge aqui uma certa confusão de datas, visto que o Malawi só se tornou independente em 4 de Julho de 1964. Ela justifica-se talvez pelo facto de o Dr.Banda e o Malawi Congress Party virem exercendo já um grande protagonismo político no Malawi desde 1960.
2.Baltazar da Costa foi raptado pelas autoridades portuguesas e trazido para Lourenço Marques no quadro de um plano destinado a "accionar" a UNAMI - que tinha uma perspectiva "pacifista" - e a tirar partido da grande popularidade do seu presidente na faixa oriental de Tete, pondo a organização a combater, pelo menos ao nível da propaganda, as organizações nacionalistas que se preparavam para lutar pela independência pela via armada. Arquivo Histórico de Moçambique [daqui em diante AHM], Fundo de Moatize [daqui em diante FM], Cx.102: Governo do Distrito de Tete [daqui em diante GDT], no.251, Proc. 13/18, de 20 de Maio de 1966.
3.0 elemento do COREMO (Comité Revolucionário de Moçambique) referido por Sousa terá sido o seu presidente na altura, Adelino Chitofo Gwambe, ou o seu secretário administrativo Amos Sumane. De facto, ambos são referidos como tendo visitado o Malawi em Dezembro de 1965, em busca de apoios para a organização e procurando estabelecer uma representação em Blantyre, apesar das reservas manifestadas pelo Dr.Banda (AHM, FM, Cx.100: Serviço de Centralização e Coordenação de Informações [daqui em diante SCCI], Boletim de Difusão de Informações [daqui em diante BDF] no. 109/66, de 9 de Fevereiro de 1966, in GDT, Sitrep Circunstanciado [daqui em diante SC] no.6/66 de 19 de Fevereiro de 1966; AHM, FM, Cx.100: SCCI, BDI no.296/66, de 21 de Abril de 1966, in GDT, SC no.17/66, de 6 de Maio de 1966). De qualquer forma a iniciativa de Gwambe permitiu-lhe, a partir do Malawi, exercer actividades exploratórias no sul da Zambézia (AHM, FM, Cx.102: SCCI, Relatórios nos.52 e 53, de 6 de Junho de 1966, e 116, de 26 de Agosto de 1966), abruptamente interrompidas pelo "golpe palaciano" ocorrido durante uma conferência do Comité Executivo do COREMO, realizada em Lusaka em Maio de 1966, no decorrer da qual Paulo Gumane foi eleito presidente e Amos Sumane vice-presidente, ficando Gwambe apenas como secretário do trabalho e assuntos sociais (AHM, FM, Cx.100: SCCI, BDI no.477/66, de 26 de Julho de 1966, in GDT, SC no.30/66, de 5 de Agosto de 1966). Gwambe abandonou em seguida o COREMO e criou o MOPEMO e, depois, o PAPOMO (Partido do Povo de Moçambique), com base em Lusaka mas, finalmente, com boas ligações com Blantyre, onde estabeleceu uma delegação (AHM, FM, Cx.100: GDT, SC no.47/66, de 2 de Dezembro de 1966; AHM, FM, Cx.104: SCCI no.292, de 15 de Março de 1967, transcrevendo PIDE, Relatório Imediato [daqui em diante RI] no.319/67-GAB, de l de Março de 1967, in GDT, SC no.11/67, de 24 de Março de 1967; AHM, FM, Cx.106: PIDE, RI no.422/68-GAB, de 21 de Março de 1968).
4.A UNAR (União Nacional Africana da Rumbézia), presidida por Amos Sumane, ex-dirigente do COREMO, viria a ser formada em finais de 1967 ou princípios de 1968. Reivindicava, no seu programa, a libertação da faixa territorial entre os rios Rovuma e Zambeze. Diversas evidências, nomeadamente as estreitas relações de subordinação às autoridades malawianas, permitem colocar a forte possibilidade da sua criação se ter enquadrado na estratégia malawiana de controlo de uma parte do movimento moçambicano de libertação (o PAPOMO de Gwambe já era manifestamente manipulado pelo Malawi, embora sem resultados práticos, ver nota 3), e para satisfazer as suas ambições expansionistas em direcção à costa moçambicana do Índico. Sobre este assunto ver João Paulo Borges Coelho, A Primeira Frente de Tete e o Malawi (mimeo), Maputo, Arquivo Histórico de Moçambique, 1984, pp.73-76.
5.Os principais branches subordinados ao Comité Regional da Frelimo em Blantyre localizavam-se em M'lange, Chiromo, Nsange, Lilongwe, Dedza, Chikwawa e Mwanza.
6.0 primeiro contacto de Celestino de Sousa no Zóbuè foi realizado em 28 de Fevereiro de 1965 (AHM, FM, Cx.102: Chefe do Posto do Zóbuè no.ll/A/8, de 28 de Fevereiro de 1965; AHM, FM, Cx.102: Chefe do Posto do Zóbuè, Boletim de Informação [daqui em diante BI] no.5/65, de 3 de Março de 1965.
7.Embora não haja elementos que permitam fazer uma avaliação global, o mais natural é que as chamadas autoridades tradicionais tenham encarado o movimento nacionalista com grandes reservas, dado que ele punha em causa a sua própria posição de agentes do Estado colonial, à custa do qual colhiam, apesar de tudo, alguns benefícios importantes. Todavia, há indícios de casos pontuais de revolta de régulos e fumos, ou mesmo de adesão, motivadas por convicções pessoais ou, por exemplo, em resistência ao cultivo obrigatório do algodão. Em 1962 foram presos três importantes régulos de Moatize - Sipanela, Chacala e Chaleca -acusados de incitamento das populações a participarem em reuniões conduzidas por Baltazar Chagonga (AHM, FM, Cx.97: Administrador do Concelho de Moatize no.390/A/9-SDI, de 8 de Novembro de 1962). Para casos de resistência das autoridades tradicionais da zona à estratégia colonial de introdução da cultura do algodão ver, por exemplo, AHM, FM, Cx.101: Chefe do Posto de Caldas Xavier no.l/D/1, de l de Março de 1964; AHM, FM, Cx.101: Chefe do Posto de Caldas Xavier no.3/A/8, de 8 de Janeiro de 1964; AHM, FM, Cx.102: Chefe do Posto do Zóbuè no.4/66, de 8 de Fevereiro de 1966.
8.De facto, o Chefe do Posto do Zóbuè, Virgílio Martins de Oliveira, conseguiu infiltrar a rede local da Frelimo praticamente desde que ela começou a operar, por intermédio de um informador. Habilmente, foi recebendo informações sobre toda a actividade da rede, chegando mesmo a inscrever-se sob pelo menos 15 nomes falsos, sempre por intermédio do informador, recebendo os respectivos cartões de membro e pagando regularmente as cotas. Entre diversa documentação ver, por exemplo, a citada na nota 6 e AHM, FM, Cx.102: Chefe do Posto do Zóbuè, no.l8/A/8, de 22 de Março de 1965; AHM, FM, Cx.102: Chefe do Posto do Zóbuè, BI no.6/65, de 8 de Abril de 1965; e AHM, FM, Cx.102: Chefe do Posto do Zóbuè, no.30/A/8, de 9 de Abril de 1965.
9.Fernando Lopes e Augusto Isaías do Vale foram presos pela PIDE em Novembro de 1965. AHM, FM, Cx.100: GDT, ISUM no.3/65, de 22 de Novembro de 1965.
10. A colaboração das autoridades portuguesas com o Malawi para o esmagamento quer da revolta de Chipembere em 1965, quer da revolta de Yatuta Chisiza em 1967, está profusamente documentada. No decorrer de ambos os processos a preocupação das autoridades portuguesas era enorme, pois não conseguiam destrinçar os movimentos dos dispositivos rebeldes malawianos dos da Frelimo, chegando mesmo a confundi-los (entre outros, AHM, FM, Cx.102: Chefe do Posto do Zóbuè, telegrama no.9/65, de 11 de Março de 1965; AHM, FM, Cx.102: GDT, BDI no.120/65, de 13 de Abril de 1965). Sobre a preocupação de Banda por não distinguir no terreno os movimentos da Frelimo dos de Chipembere e Chiume, ver a sua alocução ao país em 6 de Fevereiro de 1965, transcrita em AHM, FM, Cx.100: SCCI, BDI no.233/66, in GDT, SC no.13/66, de 8 de Abril de 1966. Para a colaboração das autoridades dos dois países no esmagamento da revolta de Chisiza ver João Paulo Borges Coelho, op.cit., pp.65-67.
11.De facto o ataque foi levado a cabo em 23 de Dezembro de 1964. AHM, FM, Cx.100: GDT, BDI no.37/65, de 29 de Janeiro de 1965.
12.Para a série de operações de retaliação e "limpeza" que o exército e as autoridades administrativas portuguesas levaram a cabo em seguida, ver João Paulo Borges Coelho, op.cit., pp.40-58.
13.Um relato sugestivo do apoio popular às acções da Frelimo na zona, em AHM, FM, Cx.102: Comando da Polícia dos Portos e Caminhos de Ferro, "Relatório sobre a segurança da população de Goma/Tete", 7 de Dezembro de 1964.
14.0 contingente chefiado por Casal Ribeiro integrava, além de alguns guerrilheiros, o régulo Mândua, um seu cabo-de-terra e dez homens armados de catanas. Após ter disparado alguns tiros contra o edifício do Posto, o grupo retirou para o Malawi e os homens do régulo para as suas terras. Ver fonte da nota 11.
15.Chico Lourenço, secretário do Comité, terá sido raptado por elementos da PIDE. AHM, FM, Cx.104: SCCI, BDI no.7/67, de 31 de Janeiro de 1967, in GDT, SC no.6/67, de 11 de Fevereiro de 1967.
16.É reportada a realização de grandes encontros na sede da Frelimo em Blantyre, talvez no âmbito da restruturação referida, que nos permitem ter uma ideia dos branches que existiam. Com efeito, é referida a participação dos seguintes: Bangwe, Ndirande A, Ndirande B e Singwagwa (todos da região de Blantyre-Limbe), Makangira (Fort Johnston), Dedza, Lilongwe, Likoma, Nsange (Port Herald), Ncheu, Malosa (NTlange) e Chikwawa. AHM, FM, Cx.100: SCCI, BDI no.630/66, de 3 de Dezembro de 1966, in GDT, SC no.49/66, de 16 de Dezembro de 1966.
17. A mesma fonte da nota anterior refere que o trabalho do Departamento de Organização do Interior era sobretudo o de mentalizar os régulos para agirem junto das suas populações no sentido de as preparar para receber os guerrilheiros que viriam operar no interior, num futuro breve.



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