A hegemonia da Frelimo, um freio à redistribuição das riquezas
No contexto moçambicano atual, de crescimento e de investimentos importantes, mas também de corrupção e de práticas clientelistas sistemáticas, a dominação de um partido, a Frente de Libertação do Moçambique (Frelimo), no poder desde a independência em 1975, favorece os piores abusos. Não é só uma tendência ao autoritarismo que traz a Frelimo a cometer fraudes eleitorais ou a organizar uma verdadeira propaganda, como também práticas de nepotismo e de corrupção muito fortes, e nenhum nível de decisão administrativo escapa a essa realidade.
Até certos investidores estrangeiros cuja atividade é impedida pelo peso da burocracia moçambicana e as praticas sistemáticas de « refrescos » ou de comissões, desinvestem Moçambique, pois investir no país traz às vezes mais custos do que lucros. Muitos retiraram-se recentemente de Moçambique, frente às dificuldades, sobretudo a falta de infraestruturas, o peso da administração e da burocracia, e a corrupção. Vale por exemplo retirou uma parte dos seus investimentos na linha Tete-Nacala, que deve brevemente servir para transportar o seu carvão. As grandes sociedades estrangeiras e o governo moçambicano tentam achar soluções realizando obras de infraestruturas, como no « corredor de Nacala », criando estradas, pontes, caminhos de ferro, etc. Os Chineses recuperam a maioria destes contratos, e esta situação tem efeitos perversos, como o explicou, no seu livro Moçambique na rota da China. Uma oportunidade para o desenvolvimento? (2010) o economisto moçambicano Sergio Chichava: « A convergência de interessos entre uma parte da elite moçambicana e as empresas chinesas impede o estabelecimento de relações saudáveis e sustentáveis entre os dois países. A economia e o meio ambiente de Moçambique são as primeiras vitimas deste fenômeno. Esta convergência acentua os riscos ligados à exportação de matérias-primas brutas, que dependem das flutuações do mercado chinês. São relações similares a aquelas que tinham existidas entre África e o Occidento: elas limitam as perspectivas de desenvolvimento do continento africano. » Esta cooperação forte com a China não é anecdótica. Em Março de 2013, o governador do Banco central do Nigeria declarou, no Financial Times, na véspera da primeira visita do presidente Xi Jiping no continente africano, que a China « é capaz das mesmas práticas de exploração que as antigas potências coloniais ».
Estamos a falar de macro-projetos que impactam de maneira muito violente milhares de Moçambicanos, que são os grandes esquecidos do crescimento econômico. Para ir mais longes sobres o assunto dos mega-projetos: Mega-projectos e industrias extractivas: um crescimento económico que não assegura o desenvolvimento
No entanto, o crescimento econômico é agora estrutural e totalmente apoiado pelo governo. E por uma boa razão: os conflitos de interesses, entre a área política e o setor econômico, incitava claramente políticos a favorecer macro-projetos, sem se preocupar do destino das comunidades impactadas. « A agricultura familiar não tornou-se importante para o governo porque não é um negócio para as elites e que não traga comissões. » Esta frase, formulada em dia 2 de Abril passado pelo economista João Mosca no jornal de oposição A Verdade, resuma perfeitamente o impacto que os conflitos de interesses têm sobre as orientações políticas e econômicas do governo. E de fato, os homens políticos moçambicanos são muito envolvidos na economia, que nem um Armando Emílio Guebuza, que enriqueceu (junto com os seus familiares) durante anos sobre o ombro dos Moçambicanos. « É "senhor 5%", nos explicava, em 20 de Maio passado, a Sra Gilda Homo, encarregada de projetos numa associação trabalhando na área da governação local e ambiental, Kuwuka Jda. Este apelido, é porque ele negociava sempre, em contraparte das concessões oferecidas ás companhias estrangeiras, benefícios ou participações. Os primeiros que o chamaram assim são os funcionários da autoridade tributária, pois eles tem conhecimento do que ele recebe depois de ter negociado um contrato. »
Por exemplo, o ex-presidente tem ações financeiras na Vodacom, uma das três maiores empresas de telefonia em Moçambique. Em 2010, o portal WikiLeaks, citando telegramas da embaixada dos Estados-Unidos, revelou que o ex-chefe do Estado moçambicano recebeu uma comissão entre 35 e 50 milhões de dólares no negócio da compra da Hidroeléctrico Cahora Bassa a Portugal. « O Banco Português que organizou o financiamento entregou as suas acções no BCI Fomento a uma empresa controlada por Guebuza », refere o documento relativo a esta revelação; por lembrança, a reversão definitiva para Moçambique de Cahora Bassa envolveu o pagamento a Portugal de 950 milhões de dólares (650 milhões de euros), 250 milhões pagos após a assinatura do acordo, em Outubro de 2006 em Maputo, pelo Guebuza e pelo então Primeiro-ministro português, José Sócrates. Os próximos go Guebuza não ficaram de lado do crescimento económico, e investiram também muito, como o seu ex-ministro Felício Zacarias, que tem ações em três empresas de mineração: Mushele Minerals, Maysmbuge Minerals et Sikueto Minerals ; ou a sua antiga ministra a presidência, Isabel Manuel Nkavadeka, que tem ações na sociedade mineira Bisanka Lapides Nampula Lda.
Ainda hoje, muitos ministros são muito presentes na economia, às vezes pela via do clã Guebuza. O mais emblemático atualmente no governo, Celsio Ismael Correia, é ministro da Terra, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Rural. Com 36 anos, este produto da presidência Guebuza, presidente do BCI, segundo banco comercial do país, é também presidente-diretor geral do grupo Insitec, que ele criou com 23 anos de idade e com o apoio da família Guebuza (que possui certa participação no grupo), e que trabalha nas áreas da finança, da energia, da construção e do imobiliário. Outro amigo do antigo chefe de Estado, o atual ministro da Agricultura José Candugua António Pacheco está presente na mineração, pela via da holding Conjane que ele criou com o antigo ministro Felicio Zacarias e o atual presidente do Conselho municipal de Maputo, David Simango.
O caso da Empresa Moçambicana de Atúm, mais conhecido pela sua abreviação: Ematum, ilustra bem a continuidade na opacidade da gestão do dinheiro público entre as presidências Guebuza e Nyusi. Por lembrança, esta empresa foi constituída em 2013 sem clareza pelo poder Guebuza, com a co-responsabilidade do ex-ministro das Finanças, Manuel Chang, e do ex-ministro da Defesa... Filipe Jacinto Nyusi. Aquela empresa, que a Frelimo não quer ver investigada, endividou o Estado em 850 milhões de dólares. Confirmiu-se rapidamente que o essencial do dinheiro do empresto foi usado para adquerir armas, e uma parte siumiu. Sob pressão dos credores internacionais, o Estado reinjeitou 500 milhões de dólares de despesas no orçamento da Defesa, aumentando automaticamente a dívida pública, que atingiu 62% do PIB em 2015 (previsão), contra 38% em 2011, segundo a agência Moody's. O poder atual, que nem o ex-poder guebuzisto, faz tudo o possível para impedir uma investigação real e sincera sobre este caso, que impacta direitamento as finanças públicas, ou seja o dinheiro dos cidadãos.
As próprias personalidades próximas do novo presidente da República, que no entanto não é muito envolvido na economia, criaram no passado alianças comerciais decisivas com certos próximos de Guebuza. Por exemplo, Adelaïde Anchia Amurane fundou em 2002 a empresa de comercialização de água mineral Fontemagica, em parceria com um antigo general e conselheiro de Guebuza, Eduardo da Silva Nihia ; ela é também em possessão de ações financeiras em várias sociedades (de pesca, de automóvel, de construção e de agro-indústria). Do seu lado, o ministro dos Transportes, Carlos Mesquita, é diretamente associado na Beira Grain Terminal SA a Valentina Guebuza, a própria filha do ex-presidente. O antigo governador de Banco de Moçambique, Adriano Afonso Maleiane, agora ministro da Economia e das Finanças, ainda está liderando várias firmas de conselho, e tem participações numa sociedade sul-africana.
E a lista dos membros do governo tendo um pê no setor privado e beneficiando de facilitações do Estado para prosperar ainda é enorme. O ministro do Mar e das Pescas numa sociedade imobiliária, o ministro do Interior nas áreas farmacêutica e mineira, o ministro da Justiça no setor dos transportes, na hotelaria e na logística comercial, o ministro da Indústria e do Comércio no imobiliário, na comunicação e no marketing, e ministro das Obras públicas na criação de gado... Todos têm participações importantes ou dirigem empresas privadas, em setores diversos, mas quase sempre ligados ao Estado.
Os antigos lideres das Forças armadas investiram tanto como a direção da Frelimo na economia: Por exemplo, comandante das Forças armadas até Junho de 2013, o general Paulino José Macaringue tinha criada em 2005 a firma Broham Moçambique com o general João Americo Mpfumo e Jacob Mabena, um homem político sul-africano ; aposentado desde Fevereiro de 2014, Macaringue aproximou-se dum homem de negócios espanhol para criar, em Setembro do ano passado, Global Nexus Moçambique, que tem projetos na região de Nampula, em particular na construção de casas pré-fabricadas. Macaringue não é uma exceção.
Os generais que ocuparam antes dele a carga de chefe das Forças armadas têm também participações em firmas privadas. Lagos Lidimu, comandante entre 1995 e 2008, é acionário desde 2005 da companhia florestal Madeiras de Machaze, em particular com um outro general aposentado, Atanásio Salvador Mtumuke. Os dois homens fundaram também, com muitos outros generais, Quionga Energia SA, uma sociedade que pretende comercializar gás natural e derivativos; eles posicionaram-se bem, então, como parceiros futuros potenciais de Anadarko ou ENI na província de Cabo Delgado. Este ano, estes dois mesmos generais acabaram de criar uma sociedade de prospecção petrolífero, Gamoil SA, cujas ações pertencem também a três outras personalidades importantes da Frelimo (incluído um membro do Comité central). Outro exemplo, Antonio Hama Thai, comandante em chefe das Forças armadas entre 1987 e 1994, tem interesses em várias sociedades de imobiliário, de logística comercial e de mineração. E a lista não é exaustiva.
Se militares e políticos da Frelimo são muito ativos nos negócios, as crianças deles também são. Filhos e filhas dos caciques do partido investem em todos os setores. Neto Junior Raimundo Pachinuapa, filho do general aposentado Raimundo Pachinuapa, criou a alguns meses a firma NPMC Serviços, que trabalha em vários setores (logística, alugamento de carros, coleto de lixo, imobiliário, recursos humanos, etc.), e é acionário de várias empresas, nas quais uma de imobiliário que ele fundou em 2013 com seus irmãos e irmãs. Filiano, Celso e Elsa Mutemba, as três crianças di último ministro das Obras públicas de Guebuza, Cadmiel Mutemba, asseguraram-se eles também um bom futuro com investimentos ambiciosos: depois de ter fundado juntos Capitalia Investimentos em 2007, eles criaram em 2014 a firma Chicumba & F Lda, uma sociedade que pretende gerir bens imobiliários e assegurar prestações de serviço em matéria de compra e venda de propriedades. Chinguane Sebastião Marcos Mabote, filho do primeiro chefe das Forças armadas post-independência, Sebastião Mabote (1975-1987), que faleceu em 2001, fundou em 2006 Lumininoc (instalações elétricas) com membros da família Guebuza, e em 2009 o Grupo Hushaka (gestão de investimentos). Se o governador da província de Tetei, Paulo Auade, nomeado a esta carga em 2013, é acionário de várias sociedades mineiras (Norinvest, Norbrita e Bisanka Lapides Nampula Lda), o filho dele, Paulo Auade Junior, não tem como reclamar, pois ele acabou de fundar, em Maputo, uma agência de publicidade, Boo Media Moçambique, em parceria cm a sociedade sul-africana Boo Media, e é acionário desta nova firma pela via de Magnus Holdings, que ele criou em 2013 e que trabalha em várias atividades (turismo, exploração mineira e florestal, conselho, etc.).
As crianças do antigo general Alberto Chipande, o próprio tio (e « padrinho » político) do atual chefe do Estado, não ficaram de lado da vida econômica do país. Felicia, Joana, Nkutema Namoto, Alberto Junior e Doroteia Chipande, primos do presidente, registraram recentemente em Maputo a sociedade Sakudimba Segurança Pro, que trabalha em várias áreas (segurança, logística, imobiliário, prospecção mineira…), e isto só representa uma parte dos investimentos deles. Em 2014, Muilene, filho do general Lagos Lidimu, igualmente próximo do atual chefe do Estado, e Simbili Alberto Puchar Mtumuke, filho du general Atanásio Salvador Mtumuke, tinham criado juntos o Grupo Namatil (logística comercial); o próprio irmão do presidente da República, Casimiro Cosme Nhussi, que até aqui tinha ficado longe dos negócios e da vida política do seu país, junto-se no inicio do ano á propriedade financeira desta sociedade.
A confusão entre política e business marcaram a presidência Guebuza mas não caracterizou só os seus próximos. É uma característica de toda a classe dirigente moçambicana (e mesmo além, pois a própria Renamo insistiu para pôr nas negociações políticas atuais um capítulo econômico, claro para poder partilhar com a Frelimo as oportunidades do crescimento econômico atual, dos investimentos estrangeiros e da exploração dos recursos naturais), mesmo se a ex-presidente foi o símbolo destes práticas e destes conflitos de interesses, que ainda existem e prosperam.
No início deste ano, informações publicadas nos mídias italianos acabaram de ilustrar até que ponto o mandato do presidente Guebuza foi marcado pelo nepotismo e pela corrupção; estas informações baseiam-se em transcrições de escutas telefônicas do antigo patrão de ENI, Paolo Scaroni, que pode-se ouvir a falar dum presente (um terreno bonito na estação balneária de Bilene, na província de Gaza) que o Guebuza lhe ofereceu, e de isenções fiscais para a companhia petrolífera italiana. O 30 de Junho passado, o Centro de Integridade Pública (CIP), uma instituição independente, chamou, em nome das organizações da sociedade civil que trabalham no setor da indústrias extrativas, o executivo a rever os incentivos fiscais que existem ainda e que favorecem as empresas internacionais, principalmente porque a contribuição destas mesmas para o imposto continua a ser extremamente baixo. Uma chamada em vão.
Os impactos destes conflitos de interesses vão bem além da área política. Eles são sociais, ambientais e econômicos. Ou seja, eles impedem o crescimento econômico de assegurar um desenvolvimento sustentável. Claro, poderemos sempre ouvir certas vozes, numa cidade como Maputo, para fazer o elogio do modelo econômico moçambicano. São muitas vezes pessoas de classes sócio-profissionais mais ricas, historicamente ligadas á Frelimo e cujo o nível social vem deste laços que elas manterem com o partido no poder. São magistrados, generais, chefes de administração, diplomatas, etc. Eles têm uma dívida com a Frelima. Aliás, eles são a coluna vertebral da Frelimo. A esta classe se acrescente os novos ricos ou aqueles que estão agora no embrião de classe mídia moçambicano. Esta gente está longe dos processos de megaprojetos que impactam tanto as populações deste país, muito longe dos mídias e da capital (e às vezes não assim tão longe). Para ir mais longe sobre as vítimas do modelo econômico moçambicano:Agricultura intensiva: quem são as vítimas colaterais do « progresso »
« A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos »: essas palavras do autor moçambicano Mia Couto aplicam-se totalmente ao Moçambique. A luta é desigual porque os cidadãos não podem intervir na tomada de decisão política (o que seria o caso num verdadeiro sistema democrático). Aqueles que aproveitam do sistema (especialmente porque acessam á sociedade de consumo) devem ser lúcidos: eles não são os verdadeiros vencedores do « milagre econômico » (quem é são forças capitalistas, moçambicanas e estrangeiras, muito mais poderosas, e que estão nos lugares chaves das tomadas de decisão), e qualquer desenvolvimento que envolve a destruição irreversível do meio ambiente e a degradação das condições de vida dos moradores que vivem em periferia, simplesmente, não é viável, além de ser injusto.
Pior, em Moçambique, não há, frente ao Frelimo, uma alternativa á exploração excessiva dos recursos do país. Do outro lado da cena política, a Renamo está pedindo uma partilha dos lucros deste crescimento econômico que cria tantas ilusões de prosperidade; a nenhum momento, o primeiro partido de oposição desenvolva uma retórica de justiça social, ele somente é capaz de reclamar uma parte do poder para ele próprio. Em Moçambique, não há uma reflexão sobre a orientação econômica nacional e o bom uso do dinheiro público. Não há, desde que a Frelimo deixou de lado suas ideias marxistas, um pensamento relativo à repartição das riquezas, nem à relevância dos processos que hoje em dia criam estas mesmas riquezas. O debate político, como a democracia deste país, saiam desta situação empobrecidos, em particular porque o contexto não deixa nenhuma perspectiva de melhorarão das suas condições para milhões de Moçambicanos que são mantidos ou reduzidos a uma situação de miséria. Enfim, aqui como em várias partes do mundo, a luta pela transparência e pelo um uso relevante, justo e democrático do dinheiro e dos bens públicos ainda vai demorar um certo tempo.
Maputo, e os seus edifícios em construção, símbolos de um crescimento econômico que esquece muitos cidadãos.
O texto a seguir é extrato de um discurso do presidente Samora Machel, num comício em 5 de Novembro de 1981, e aponta de maneira muito relevante, com muito visão, os desperdiços do sistema político e economico imposto pela Frelimo:
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