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Escrito por Adérito Caldeira em 26 Fevereiro 2016 |
No passado dia 19 foi inaugurada uma nova Central Termoeléctrica a Gás Natural na vila de Ressano Garcia, na província de Maputo. O Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, disse na ocasião que a expectativa do seu Governo é que o empreendimento melhore o acesso à energia eléctrica na região Sul de Moçambique, cada vez mais afectada por restrições inclusive a cidade de Maputo. O que o Chefe de Estado não disse é que essa Central tem como um dos proprietários o seu antecessor, Armando Guebuza, e vai vender energia à Electricidade de Moçambique(EDM) pelo triplo do valor que a empresa estatal compra à Hidroeléctrica de Cahora Bassa.
A Central Termoeléctrica que resulta de investimento de 200 milhões de dólares norte-americanos e que tem uma capacidade instalada para produzir 120 Megawatts é propriedade da Gigawatt Moçambique, uma sociedade anónima constituída em Setembro de 2011 e que tem como accionistas a sul-africana Gigajoule Power, com 42%, a moçambicana Eagle Holding(grupo empresarial da família do falecido engenheiro Carlos Morgado, ex-Ministro da Indústria e Comércio), com 32%, e a também nacional Intelec Holdings Limitada(empresa de Salimo Abdula, Fernando Manuel Pereira Costa e Armando Emílio Guebuza), com 26%.
“A Gigawatt Moçambique fornece toda energia gerada à Electricidade de Moçambique nos termos de um contrato de compra e venda de energia a longo prazo”, declarou após a inauguração Castigo Langa, que foi ministro dos Recursos Minerais e Energia durante o primeiro mandato de Armando Guebuza, entre 2000 e 2005, e agora é o presidente do Conselho de Administração da empresa.
Langa entretanto não referiu que ao abrigo do referido contrato, cujos termos não são públicos e nem foi objecto de concurso, a EDM irá comprar a energia a um preço que varia “de 9,5 dólares norte-americanos por quilowatt/hora(kWh) a 10 dólares norte-americanos kWh”, esclareceu em entrevista por email a empresa estatal ao @Verdade.
“A tarifa média de aquisição de energia à Hidroeléctrica de Cahora Bassa(HCB) está na ordem de 3,5 dólares norte-americanos por kWh para uma reserva/alocação à EDM correspondente a 300 Megawatts firmes”, acrescentou ao @Verdade o director Comercial da EDM, Sérgio Parruque.
Porquê comprar caro se a HCB vende barato?
Não parece fazer sentido comprar energia mais cara quando existe a um preço muito mais acessível na HCB, que até é “nossa” há nove anos. A explicação, de acordo com um relatório do Centro de Integridade Pública(CIP), é que Hidroeléctrica de Cahora Bassa tem acordos comerciais com a ESKOM (companhia eléctrica estatal da África do Sul) e a ZESA (companhia eléctrica estatal do Zimbabwe) que a impedem de vender à EDM mais do que a quota fixa de 300 Megawatts(MG).
“A HCB tem acordo que a obrigam a vender até 2029, 1100 MW do total da sua produção, fixada um pouco acima de 2 000 MW. Outro acordo, cujo período de duração não conseguimos apurar, obriga ainda a HCB a vender 400 MW à zimbabweana ZESA”, indica o relatório do CIP intitulado “Electricidade de Moçambique: mau serviço, não transparente e politizada”.
Para suprir o défice energético a empresa estatal monopolista da distribuição em Moçambique compra energia à sua congénere sul-africana que na realidade revende-lhe energia da HCB, onde compra por 3,6 dólares norte-americanos por kWh e revende a 30 dólares norte-americanos por kWh.
Outra fonte de energia cara que a EDM tem é a Aggreko, uma empresa da Escócia que opera outra central termoeléctrica da Gigawatt, existente no mesmo parque industrial em Ressano Garcia. A Electricidade de Moçambique acordou, sem concurso público, pagar a Aggreko 15 dólares norte-americanos por kWh, quatro vezes mais cara do que a energia vendida pela HCB.
Não faltam apenas fontes de energia, são necessárias linhas de transporte
Além destes acordos, que serviram como garantia para o empréstimo de 900 milhões de dólares norte-americanos, que custou a reversão do Estado português para o moçambicano, mesmo que a Hidroeléctrica de Cahora Bassa pudesse vender mais à EDM a distribuição só poderá acontecer com qualidade após a construção de uma nova linha de transporte entre o Songo e o Sul de Moçambique, particularmente Maputo que representa o maior número de consumidores, num investimento estimado em 1,8 bilião de dólares norte-americanos. No presente a energia da HCB chega a Maputo via a linha de transporte sul-africana.
Embora o Presidente Nyusi tenha declarado que a Central Termoeléctrica a Gás Natural da Gigawatt “vai melhorar o acesso à energia eléctrica para o consumo doméstico, agrário e industrial, conferindo mais segurança ao fornecimento de energia e reduzindo a dependência de fontes externas”, na verdade a electricidade produzida só chegará às nossas residências quando estiver construída a linha de Alta Tensão entre Ressano Garcia e Macia, prevista para estar pronta em 2017, e a linha de transporte entre Lionde e Mapai, cujas obras devem terminar ainda este ano.
“O futuro próximo de fornecimento de energia eléctrica em Moçambique não é promissor” escreve o CIP no seu relatório onde acrescenta que devido ao crescimento da procura de energia eléctrica “a tendência dos próximos anos será da EDM aumentar a importação da ESKOM, à medida que vai aumentando o número de consumidores internos. Isto encarecerá a factura da EDM, que neste momento não consegue honrar com os seus compromissos, tendo acumulado dívidas aos fornecedores”. Recorde-se que desde início de Novembro de 2015 o custo da energia para os consumidores da Electricidade de Moçambique aumentou em cerca de 15%, segundo a empresa estatal o aumento deveria ter acontecido em 2011.
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