sábado, 27 de fevereiro de 2016

Entrevistas com os dirigentes da RENAMO Gorongosa, Moçambique, 1987

Do livro: RENAMO, EM DEFESA DA DEMOCRACIA EM MOÇAMBIQUE. por Sibyl W. Cline, pp. 71ss

Afonso Macacho Marseta Dhlakama Presidente e Comandante Supremo 
P. Qual é o apoio que o senhor recebe da população? Acha que a RENAMO está a crescer? Por quanto tempo ainda a RENAMO continuará a luta? R. As guerras de guerrilha são guerras prolongadas. A situação, porém, parece estar devidamente amadurecida para se colherem os frutos. Presentemente a FRELIMO está-se a debater com dificuldades políticas e económicas. Do ponto de vista militar parece-me ganha. Se não tivessem sido os conselheiros estrangeiros e a tropa, a RENAMO estaria no Maputo. A FPLM, cujo comandante supremo é o Presidente da FRELIMO, não luta, os soldados fogem. Apenas as tropas estrangeiras permanecem e lutam. A FPLM não quer lutar e os estrangeiros estão desmoralizados. A população é a favor da RENAMO; então, por que razão a guerra deverá continuar? O apoio económico externo à FRELIMO 71 — Inglaterra, Estados Unidos, França, Itália e Alemanha — todos prolongam a destruição. Deixou de ser uma guerra. Os ingleses treinaram milhares de habitantes do Zimbabwe que, assim que chegaram a Moçambique, depuseram as armas e fugiram; assim, o esforço britânico constituiu uma anedota. P. Qual a parte de Moçambique que a RENAMO controla? R. A RENAMO controla praticamente Moçambique todo, com excepção das maiores cidades e de algumas mais pequenas que estão cercadas. Qualquer cidadão poderá deslocar-se até sete quilómetros de Maputo e em seguida entrará no território controlado pela RENAMO. Em todas essas áreas a RENAMO possui uma administração civil. P. A RENAMO tem qualquer auxílio do exterior, governamental ou privado? R. Não há qualquer auxílio governamental, mas é certo que algumas organizações Europeias particulares nos auxiliam. Existem alguns partidos nos Estados Unidos que nutrem por nós uma certa simpatia, mas sem que nos auxiliem. Não existe qualquer ajuda do governo, quer de Oman, quer de Marrocos. Trata-se apenas, puramente, de propaganda feita pela FRELIMO, quando afirma que a RENAMO recebe auxílio destas fontes. P. Qual é o papel dos Zimbabwianos e a sua repercussão? Já ouviu dizer que eles querem abandonar o barco? R. A intenção original dos Zimbabwianos em 1984 era eliminar a RENAMO. Presentemente, mudaram de atitude e têm feito uma política de contenção. A repercussão tem-se feito sentir na população de Moçambique. Bombardeamentos e intimidação 72 são a estratégica seguida para alienar a população civil da RE N AM O. Conscientemente, estão a criar um problema de refugiados. O Zimbabwe pela sua própria experiência com a guerra de guerrilha que teve na Rodésia sabe muito bem que as guerrilhas confiam na população. Mugabe declarou há dois anos que lutaria uma guerra de guerrilha, mas até agora apenas tem utilizado as técnicas de alienação da população. O Zimbabwe possui 8000 soldados no Corredor da Beira e 60 quilómetros de ambos os lados. O Zimbabwe tem, também, guarnições militares nas outras províncias, com excepção do norte que abandonaram em 1987. Controlam o corredor de Tete e estão quase perto da fronteira de Malawi. A sua presença constitui um pagamento de dívida de guerra à FRELIMO, pelo que Mugabe enfrenta dificuldades em retirar-se. Tal deve ser economicamente difícil para o Zimbabwe. Em 1985 e 1986 transportaram os corpos e os feridos para o seu país. Agora deixam os corpos e alguns dos feridos. A RENAMO, uma vez por semana, leva a cabo uma acção contra o caminho de ferro ou a conduta do petróleo no corredor da Beira. A Tanzânia não retirou os seus homens. Apenas 1500 foram retirados de Quelimane devido a um conflito existente com a FPLM. Existem, no entanto, 7700 homens da Tanzânia permanentemente na Zambézia, Niassa, Cabo Delgado e províncias do Norte. Podem vir reforços a caminho. Há muito poucos homens do Malawi, perto de 350. Existem, também, alguns mercenários que trabalham para a FRELIMO, sendo muito provavelmente, Cubanos. Desde 1984- 1985, os brancos ficaram nas áreas dos 73 quartéis generais, principalmente em Tete ou então pintaram as caras de preto. P. O programa de amnistia da FRELIMO teve algum efeito na moral e poder dos seus homens ? R. Não me preocupo absolutamente nada com o problema da amnistia. Desde a declaração feita em Janeiro de 1988 até ao final do primeiro período foram muito poucos os soldados da RENAMO que a abandonaram. Se o programa tivesse sido eficaz, os dirigentes da FRELIMO não o teriam prolongado, mas fizeram-no. Janeiro de 1988 foi um período de máxima pressão por parte do governo, uma vez que o programa de amnistia era uma forma de convencer as pessoas de que as coisas iam melhorar. A FRELIMO disse que 3000 lutadores da RENAMO tinham abandonado esta, seguidamente disseram que 2000 da RENAMO atacaram alguns lugares. A propaganda é contraditória. Os dirigentes da FRELIMO nunca, sequer, admitiram que existem áreas libertadas em Moçambique; no entanto, a senhora, está aqui, caminhou dez dias ao longo de um território da RENAMO absolutamente em paz. Negam que nós tenhamos uma administração civil, mas de facto têmo-la. P. Gostaria de comentar o Relatório de Gersony? R. O Relatório de Gersony limitou-se ao exercício para desacreditar a RENAMO. Foi feito com esse espírito. Se a RENAMO fosse culpada conforme a acusa, não estaríamos na posição em que nos encontramos agora. Todas as guerrilhas vivem do auxílio e do apoio que a população civil lhes dá. Não faz qualquer sentido destruir a população. E a RENAMO estaria cega se alienasse o povo. É evidente que os 74 refugiados falariam nos campos que estão infiltrados e controlados pela FPLM. Assim que os jornalistas se fossem embora, a FPLM castigaria todos aqueles que tivessem falado contra eles. O Relatório Minter entrevistou 32 pessoas que supostamente tinham anteriormente pertencido á RENAMO; nem uma única só tinha estado na RENAMO. Foram devidamente preparados pelo serviço secreto e apresentaram-se como sendo da ex-- RENAMO. Uma prova evidente: Todos disseram que não conheciam o presidente. Ora bem, todo o verdadeiro membro da RENAMO sabe tudo acerca do presidente e a maior parte das minhas tropas me têm visto. Todos afirmaram unanimemente que tinham sido recrutados à força — pelo menos 90%. Explique--me como é que 10% podem controlar uns infelizes 90%? Talvez pudéssemos atá-los e então dar-lhes uma arma, mas de certeza que não iriam lutar muito bem daquela forma. A propaganda é a única arma de que a FRELIMO pode dispor. Dizem que treinamos as nossas crianças para matar, fumarem droga e outras coisas. O Ocidente acredita cegamente nisto tudo. P. Quais são as suas condições para as conversações de paz? R. Não existem quaisquer condições prévias. Queremos sentar-nos à mesa com a FRELIMO para discutirmos a paz. Previamente tínhamos desejado que as tropas estrangeiras retirassem, mas chegamos à conclusão de que tal destruiria completamente a FRELIMO. Desejamos, portanto, discussões sérias para tratar da paz e não amnistia. Podemos, 75 até mesmo, começar hoje. Chegou a altura de conversarmos. P. E o que me diz sobre o envolvimento estrangeiro? R. Quanto a mim, uma solução africana para o problema Moçambicano seria a melhor, pois seria importante para a história de Moçambique. Há muitas nações africanas que acreditam que deve haver paz em Moçambique, que devem iniciar as negociações para se alcançar a mesma. P. Com a mudança de Chester Crocker para Herman Cohen, qual é o papel que resta aos Estados Unidos ? R. Ainda é cedo para falar, mas ouvi dizer que Herman Cohen deseja conversações sobre a paz e prudentemente conservo-me optimista. Seria com a maior satisfação que veria uma justa participação dos Estados Unidos nas negociações. A altura parece-me boa para que se iniciem as mesmas. P. Como está a situação no que respeita à sua representação exterior? R. Aceito e reconheço uma enorme falta de meios para combater a propaganda da FRELIMO. Existem cinco pontos: 1. Estamos a lutar com um governo reconhecidamente Marxista com a história de uma luta anticolonial. O entendimento internacional é que a FRELIMO ganhou a guerra colonial e presentemente encontrase em luta com bandidos. 2. A observação internacional é que a RENA-MO é uma criação de Smith da Rodésia e Botha da África do Sul. 76 3. Todos os estados dos países da Linha da Frente locais incluindo a África do Sul se aliaram para desacreditar a RENAMO. 4. A RENAMO não possui meios de radiodifusão. Os correspondentes estrangeiros dos estados vizinhos não podem escutar o lado da RENAMO. 5. A nossa representação externa é fraca. Existem problemas de comunicação entre os representantes e a comunicação entre a RENAMO e eles é fraca. Alguns têm estado mais interessados nas suas próprias intrigas pessoais do que na RENAMO. Ainda o ano passado me encontrei com os meus representantes e tenho esperança de que a situação melhore. O inimigo, porém, no exterior, tem vantagem sobre a RENAMO. Dhlakama fez em seguida estas observações de grande acuidade. A RENAMO não é de forma alguma aquilo que a «pintam» lá fora. Desde 1977 temos estado a lutar, jovens e velhos, fracos e fortes porque lutamos por aquilo que o povo deseja. Se fôssemos tal como a FRELIMO nos descreve, já teríamos desaparecido há muito. Não passa de pura e simples propaganda a acusação de que a RENAMO foi formada por Smith na Rodésia. Somos uma organização de carácter genuinamente popular. A RENAMO nas suas fases iniciais recebeu, de facto, alguma ajuda da Rodésia, mas é moçambicana. A própria FRELIMO foi fundada na Tanzânia, mas ninguém vai dizer que ela pertence à Tanzânia. A RENAMO possui os seus próprios objectivos democráticos: sistema polí- 77 tico multipartidário, eleições livres e justas, uma assembleia que represente os interesses do povo, liberdade de expressão e direitos humanos. Tudo isto inexistente na FRELIMO. O povo de Moçambique criou a RE NAMO e continua a apoiá-la. Não somos unicamente uma organização militar; somos uma organização politica. No fim da guerra colonial falámos com a FRELIMO sobre o sistema, a fim de substituir o sistema colonial; a FRELIMO respondeu com violência e matou muitos dos nossos políticos que se atreveram a discordar da política da FRELIMO. Assim, para que não desaparecêssemos, não tivemos outra alternativa senão ir para a luta armada. Somos, no entanto, um partido político com um exército. A força militar foi criada para alcançar os nossos objectivos políticos. Não queremos destruir a FRELIMO. Esse não é o nosso objectivo. Queremos, sim, uma mudança política. Se a FRELIMO quiser falar e discutir o assunto da paz honestamente connosco, deporemos as armas. A RENAMO é uma força central forte implantada no país. A FRELIMO verificará que é impossível destruir a RENAMO. A RENAMO é pela paz, mas uma paz real em que o povo possa escolher livremente a forma de governo que lhe interessa. O poder em Moçambique deve estar com os 14 milhões de pessoas e não com a minoria militar. O partido deve pertencer ao povo e não vice-versa. Infelizmente existem forças no Ocidente que não aceitam a RENAMO. (Nota da Autora; Dhlakama falou em português. Os seus comentários foram traduzidos pe- 78 lo jornalista Nicholas Della Casa. O sr. Della Casa foi educado na África do Sul e fala excelente português. Dhlakama compreende e fala bastante inglês, mas prefere o português no que concerne às suas observações oficiais.) Victor Anselmo Chefe do Departamento de Ideologia P. Qual é a função do Departamento de Ideologia? R. O objectivo do Departamento de Ideologia é difundir através das massas os objectivos políticos da RE NAMO e explicar-lhes a razão por que continuamos com a luta. O nosso principal problema é querermo-nos opor à propaganda da FRELIMO. Existe um serviço central e delegados provinciais. Se a área for suficientemente grande tem um director regional. Abaixo das regiões existem os distritos, localidades e zonas, cada uma das quais possui delegados. Os delegados, de um modo geral, são gente local que conhece particularmente bem a área. Uma outra função principal é transmitir problemas das gentes locais à hierarquia superior. Trata-se de um canal de comunicações com duas direcções: os problemas sobem, a política é adaptada e desce. São, principalmente, os problemas com interacção entre civis e soldados são tratados através destes canais. Os encontros são realizados pelos delegados locais a fim de espalharem a palavra ideológica. Não têm rádios. Existem apenas alguns panfletos a fim de orientarem os delegados. A mensagem é feita em conformidade com o tempo em que a área foi liberta- 79 da. Em áreas de longe permanência há uma propagação política muito pequena. Em novas áreas convocámos uma reunião, a fim de avaliar a natureza da população, pois muitas pessoas fogem das áreas controladas pela FRELIMO para o território da RENAMO, pelo que é evidente que a população está a nosso favor. Ninguém recusou vir a uma reunião; mesmo que sejam convidados não são obrigados a vir. P. Antes de uma operação militar o senhor prepara a população? R. Não preparamos uma zona, mas dispomos de alguns membros infiltrados nas áreas inimigas para um determinado trabalho. A FRELIMO possui rádios e jornais, porque a sua arma de propaganda é mais forte. P. Depois da libertação, tem problemas com quaisquer dos povos? Talvez aqueles que escutam a FRELIMO pela rádio? R. A FRELIMO informou a população de que seriam mortos se a RENAMO chegasse. Quando verificam que não são mortos começam a ver que a FRELIMO espalha mentiras. As pessoas podem ver por si e decidem-se. P. As pessoas distinguem entre comunismo e democracia? R. As massas não sabem a diferença entre um comunista e um democrata, mas têm visto os resultados desastrosos da política da FRELIMO; por exemplo, não há alimentos, multiplicaram-se os refugiados, etc, pelo que são a favor da RENAMO. A ideologia da RENAMO baseia-se naquilo que o povo quer. Somos grandemente a favor do Ocidente, mas não queremos impor um sistema exterior ao nosso 80 povo. Queremos um sistema especificamente Moçambicano modernizado, que responda às necessidades, desejos e tradições do povo. P. Nesse contexto, que importância tem para si o contexto Ocidental de «um homem, um voto» e as eleições em geral? R. De um modo geral, o sistema Africano do governo é democrático. Os chefes são eleitos, mas na realidade, não se trata de um processo nacional, a política Africana não tem sido tradicionalmente nacional. Ora o que, na realidade, pretendemos é mudar o conceito de voto para um contexto nacional. P. Na sua opinião tema certeza de que a RENAMO ganhará as eleições? R. Lutamos por eleições livres. Se outro governo ganhar que assim seja. A RENAMO quer que o povo faça a sua escolha. As reformas sociais e económicas da FRELIMO têm sido a resposta à pressão internacional. Os dirigentes da FRELIMO estão-se aproximando da política da RENAMO. Pelo que, se a FRELIMO convidar a RENAMO para tomar parte no processo político como partido da oposição e mantiver eleições livres, não haverá mais luta. A FRELIMO está agora a mudar para a RENAMO. Na altura das eleições a guerra acabará. P. Se as eleições ocorrerem, como é que o senhor pode assegurar que sejam livres e justas? R. Terá que haver um período pré-eleitoral para organização — recenseamento e registo do votante. Uma comissão conjunta da RENAMO e da FRELIMO supervisará tal acto. Igualmente se requer a inspecção internacional. 81 António Alfainho Chefe do Departamento de Educação e Cultura P. Qual é de facto o papel do Departamento de Educação e Cultura? R. Em 1977, o Departamento começou a preparar as crianças para a revolução. À medida que a guerra progredia, e se expandia e nos encontramos agora em todas as localidades do país, a nossa primeira prioridade é treinar professores que são mandados vir dos distritos para os centros de treino. A nível de distrito existe uma preparação de período por período nas duas semanas que precedem cada período para os professores. Quando uma área é libertada os professores ficam. Alguns vêm também das áreas da FRELIMO para as áreas da RENAMO; usamos, em geral, estes professores profissionais para treinar professores mais jovens. A RENAMO possui 20 744 professores dos quais 4250 são professores da escola secundária. Existem 3 786 177 estudantes que assistem às escolas com ensino, tanto elementar como secundário. Há 950 escolas secundárias e 9775 escolas primárias. Qualquer pessoa que tenha uma instrução do sétimo ou oitavo grau é imediatamente recrutado como professor. Estas pessoas são enviadas para áreas onde os professores escasseiam, pelo que, muitas vezes, os professores não são dos locais onde estão a ensinar. As crianças começam a assistir à escola quando têm seis anos de idade. Aprendem português aos cinco. Aos dez ou onze anos vão para as escolas secundárias. Os professores ensinam até ao sétimo grau. A RENAMO não possui professores qualificados que ensinem até ao nono grau. 82 P. Quanto tempo levam os professores a serem treinados e como é que vivem? R. Os professores do ensino primário recebem três a quatro meses de treino. Os professores do ensino secundário recebem seis a sete meses de treino. Os centros provinciais providenciam a instrução. Se a população que existe nas províncias é bastante, então fazemos centros de treino distritais. Os professores estão alojados com os residentes locais e são suportados pelos residentes locais até poderem construir as suas próprias casas e conseguirem o seu próprio alimento. A maior parte das vezes o administrador local alojará o professor até que o mesmo se torne independente. Os professores recebem vestuário da RENAMO, mas não recebem qualquer ordenado. P. Qual o curriculum ? R. Biologia, Geografia, Ciências Naturais e Português, estão incluídos no curriculum. Tanto os rapazes como as raparigas são tratados igualmente. (Nota da Autora: estou certa que na maior parte dos casos se trata apenas de um curriculum irreal e fantasioso. As escolas que me foi dado ver não tinham nem livros, nem lápis, nem papel. A maior parte das crianças cantavam os números ou as letras do alfabeto). P. Qual é o alvo da instrução que as crianças recebem? Que escolha têm essas crianças se não regressarem ao campo? R. Damos trabalho noutro departamento às crianças que consideramos terem mais capacidade. Treinamo-las no departamento da saúde ou da agricultura e damos-lhes emprego. Esta é a razão por que as crianças não ficam desapontadas pelo esque- 83 ma educacional nem sentem que não lhes dão quaisquer oportunidades. P. Vejo que têm pouco material escolar nas suas escolas. Do que é que necessita mais? R. Precisamos de lápis, giz, papel e borrachas. Paris Raul Baza Chefe do Departamento da Agricultura P. Qual é o papel que o Departamento da Agricultura desempenha? R. O nosso principal objectivo é treinar técnicos civis. A agricultura em Moçambique é, de momento, de tipo de subsistência. Estamos a tentar dar à população uma forma de aumentar a produção. Estamos a tentar melhorar as qualidades de subsistência ao não desenvolver a agricultura comercial. Uma única excepção a isto é o algodão pois que é possível exportá- lo comercialmente. Possuímos centros distritais de instrução na educação básica e voluntária de como melhorar a produção. É enorme a procura destas aulas, uma vez que as pessoas vêem como os seus vizinhos aumentam a produção, e, infelizmente, é-nos impossível fazer frente à procura que temos. O curso básico tem a duração de dois meses e trata do cultivo básico da terra: não misturar colheitas num campo, usar a rotação de colheitas, deixar os campos sem serem cultivados não os fustigar nem queimar. Encorajamos a não queimarem as árvores, mas a utilizá- las como combustível. Ensina-se, igualmente, a criação de animais no que respeita a galinhas, patos e cabras. Os que recebem o treino, 84 por sua vez, treinam igualmente nas suas localidades. O nosso maior problema é a mosca tsé-tsé (do sono). Extermina os animais. P. Possui um programa de conservação de caça? R. A caça é controlada tanto para os civis como para os soldados. Se uma área tem necessidade de carne, destinamos determinado número de animais para serem mortos. P. Como é que as pessoas adquirem a terra? R. Através dos chefes principais, a terra é distribuída para limpeza e formarem clareira. A terra que produz madeira preciosa é reservada para o futuro. Os camponeses não podem simplesmente chegar ali e limparem aquilo que querem ou gostam. P. Quais são as medidas que o seu departamento toma para evitar a fome? R. Destacamos de forma inequívoca o conceito de que o rendimento deve ser dividido entre: 1) uma reserva para a colheita do ano seguinte, 2) usar e 3) o excesso para venda. O estado aconselha isto, mas não existe qualquer controlo sobre o que se semeia. O excesso de produção é usado para trocas que é o único comércio que subsiste. O departamento informa sempre que uma área tenha déficit e outra tenha excedente, mas deixa o resto a cargo dos camponeses no que respeita ao transporte e comércio. Durante a crise do abastecimento de 1987, o departamento assegurou que o cereal da Zambézia fosse enviado para Sofala. Os chefes impuseram a sua autoridade para implementarem este facto, usando o transporte civil. Foi a primeira vez que se importou e plantou mandioca em Sofala. 85 P. Como alimenta os soldados da RENAMO? R. A grande maioria dos pedidos vem da população. Algumas bases possuem plantações que apenas suprimem uma pequena parte das suas necessidades. Cada família põe de lado uma certa porção da sua produção para os soldados. Trata-se de um acto voluntário uma vez que não se estabelecem quantidades. Por consentimento popular, cada grupo de várias casas seleciona um indivíduo para colher a produção e levá-la para um centro de «controlo». Existe um centro de «controlo» por zona. Os soldados que trabalham pela área são tratados como convidados, talvez como convidados surpresa. Os camponeses não retêm a sua contribuição uma vez que não a podem esconder ou comê-la em segredo. Assim, as pessoas apresentam-se com o seu excedente. P. Na sua opinião, qual é o seu maior problema? R. Sofremos da falta de utensílios e sementes. Felipe Soares Chefe do Departamento de Saúde P. Diga-me, como é que o Departamento de Saúde se encontra estruturado? R. Existem dois ramos do Departamento de Saúde: civil e militar. O ramo militar segue a estrutura dos militares: província, região, sector, zona e grupo. O ramo civil é organizado de uma forma diferente, por província, região, distrito, localidade e zona. O ramo militar ocupa-se principalmente dos soldados. Todas as unidades da RENAMO possuem pelo menos um grupo de médicos. Do mesmo modo, 86 o ramo militar faz algum tratamento civil sempre que se torne necessário. Todas das áreas civis possuem pelo menos um representante do Departamento de saúde. O recrutamento civil de pessoas que já tenham tido experiência médica é usado como um aparelho de treino. Em cada província existe um instituto civil e militar para instrução onde estas pessoas ensinam. Os residentes locais seleccionados pelos chefes são enviados para os cursos. Existem três níveis: um curso de seis meses, um curso de três meses e um curso de um a dois meses. O curso mais pequeno apenas abrange os primeiros socorros. Os cursos de três e seis meses incluem cuidados básicos de obstetrícia, cirurgia e pediatria, assim como cuidados profilácticos de saúde e de cuidados a ter antes do nascimento. Existe uma organização separada de trabalhadores de saúde profiláctica preventiva. A cirurgia é limitada, mas tratamos de amputações e hérnias, assim como de remoção de baldes e estilhaços. P. De quantos trabalhadores da saúde dispõe? R. Dispomos de 1800 trabalhadores de saúde civis de todos os graus, tanto homens como mulheres. Há 400 que receberam a instrução à pressa. Existem 5000 médicos militares treinados e 2000 recrutas que recebem treino, a maior parte como auxílios médicos ao nível de primeiros socorros. P. Quais são os outros problemas importantes que o afligem? R. Temos falta de medicamentos e instrumentos, assim como de material educacional. A Cruz Vermelha não nos trouxe qualquer excedente. 87 (Nota da Autora: As clinicas que visitámos apresentavam-se limpas e ordenadas, mas tragicamente com falta dos suprimentos mais elementares. Não têm medicamentos, ligaduras, pomadas nem sequer tintura de iodo.) P. Quais são as doenças mais importantes? R. Malária, bexigas e doença do sono. Não temos qualquer tratamento curativo ou preventivo contra a malária. Só o ano passado na Zambézia perdemos 200 crianças com bexigas. A diarreia infantil constitui também um problema. Durante a fome nos anos de 1986-87 a anemia foi também um problema, mas agora as coisas estão a melhorar. Do mesmo modo, os vermes intestinais são igualmente outro problema. P. E o que me diz sobre a alimentação? R. A fome não é um problema, mas a sub-alimentação é. As pessoas da saúde preventiva dão instruções ao povo de como variarem a sua dieta, evitando comerem apenas farinha grossa. (Nota da Autora: A farinha grossa sudza é o alimento princial da dieta que entra na alimentação Moçambicana. É feita com farinha de cereal ou milho miúdo ou sorgo e a que se junta água. Coloca-se tudo isso numa grande panela e deixa--se ferver, mexendo-se com um toro até que fique parecido com a argamassa fina utilizada nas casas de banho. Come-se em seguida. P.E o que me diz sobre os cuidados a ter antes e depois do nascimento? R. Tentamos entrar em contacto com as grávi- 88 das e dar-lhes algumas instruções. Ensinamos os métodos anti-diarreicos para os bebés. O nosso maior problema é a ignorância. A maior parte das mulheres não querem ter os filhos nos hospitais. São, em geral, as mulheres mais idosas que ajudam ao parto. Tentamos identificar estas parteiras e dar--lhes alguns ensinamentos. Acontece, também, que temos pessoas que podem ajudar a um parto se soubermos com antecedência que haverá problemas. P. E quanto ao controlo de nascimentos? R. As pessoas da saúde preventiva dão instruções, mas tem sido uma luta difícil. Todos querem ter imensos filhos. P. Têm Sida? R. Não a temos identificado especificamente por não termos qualquer forma de o fazer. Temos observado algumas pessoas que a podem ter. As nossas áreas têm hábitos sexuais tradicionais que são absolutamente conservadores e não possuímos estradas de camiões ou prostituição, de maneira que, talvez, a Sida ainda não tenha aqui chegado. A concluir, gostaria de apelar para a Organização Internacional de Saúde para que nos ajude. Não vêm até nós porque a FRELIMO não tem deixado, mas temos estruturas para tratar com eles e necessitamos muitíssimo do seu auxílio. Vicente Zacarius Ululu Chefe do Departamento de Administração Interna P. Qual o papel a desempenhar pelo Departamento de Administração? R. O Departamento trata da administração da 89 população. Tentamos estar a par do padrão de vida do nosso povo, a fim de nos certificarmos de que tenham escolas e hospitais, encorajá-los a trabalhar nas grandes herdades e evitar a doença e assegurarmo-nos de que os chefes tradicionais tenham a liberdade de resolver os seus próprios problemas. Esforçamo-nos, também, pela implementação dos programas dos outros departamentos. Igualmente, realizamos um recenseamento das crianças em idade escolar, assim como das mulheres. No total, existem 7 283 000 pessoas controladas pela RENAMO, nas áreas libertadas. Evidentemente que tal exclui as zonas de combate, assim como as cidades. P. Qual é a estrutura? R. Temos um quartel-general e um secretariado que subdivide em cinco áreas: 1. Administração. 2. Trabalho social. 3. Serviços secretos — além dos serviços secretos militares, também temos serviços secretos políticos. 4. Recrutamento — recrutamos pessoas para a instrução nas diversas áreas. 5. Finanças — cobramos dinheiro, a fim de auxiliar todos os administradores a instalarem--se nas suas sedes. No secretariado encontram-se os directores provinciais, os directores distritais e os administradores locais. Os chefes, subchefes e encarregados tradicionais tratam da politização do povo. O administrador local trata com os chefes. O director provincial trata directamente comigo. Estes directores são seleccionados pela sua ca- 90 pacidade e nível do seu grau escolar. A maior parte dos administradores distritais são idosos e trabalharam durante os dias coloniais. P. Têm polícia? R. Sim. A polícia civil trabalha em turnos para o departamento. São controlados pelos administradores. Os chefes têm a sua própria polícia. A polícia da administração não está armada. P. Como é o vosso sistema judicial? R. Na realidade, não existem crimes muito graves que necessitem de uma acção do tribunal. A maior parte dos crimes ocorre nas zonas militares, onde são tratados pelos militares. Os chefes tradicionais tratam quase todos os casos civis. A RENAMO fez reviver o sistema tradicional de chefes e sistemas de justiça local. A FRELIMO tentou eliminar o sistema tradicional. Quando um caso é tão grave que não possa ser resolvido pelos chefes é levado ao administrador. Em cada distrito existe um grupo de anciãos e chefes que trabalham como administradores, a fim de resolver os problemas. 91 Administração da RENAMO referida a Maio de 1989 Presidente e Comandante Supremo Afonso Machado Marseta Dhlakama Chefe do Protocolo do Presidente José Augusto Departamento de Ideologia Victor Anselmo Departamento de Relações Externas Artur Janeiro da Fonseca Departamento de Defesa e Segurança General António Pedro Departamento de Agricultura Paris Raul Baza Departamento de Saúde e Assuntos Sociais Filipe Soares Departamento de Educação e Cultura António Alfainho Departamento de Informação e Propaganda Francisco Moisés Nota Departamento de Finanças Sebastião Temporário Departamento de Estudos Ascêncio de Freitas Liga das Mulheres Latifa Gão Bene 93 Liga da Juventude Mário Luís Gonzaga Departamento de Administração Interna Vicente Zacarias Ululu Primeiro Congresso A RENAMO realizou o seu primeiro congresso na Gorongosa, de 5 a 9 de Junho de 1989. Depois de Dhlakama ter feito um breve resumo da história de Moçambique, desde a sua independência, o congresso — com 105 membros a assistir— reelegeu Dhlakama como presidente, por escrutínio secreto. De conformidade com o procedimento administrativo, o congresso elege o conselho nacional; foi decidido, porém, que em circunstâncias de guerra se deve permitir ao presidente nomear pessoas que ele conheça para o conselho e que sirvam como corpo de assessores presidenciais. Conselho Nacional O presidente nomeou os seguintes membros do conselho, cada um representando as províncias de sua origem, e o conselho nacional de administração: Manuel Lisboa Tristão Zambézia Edne Clara Enoch Maputo Agostinho S. Murial Inhambane Vicente Z. Ululu Cabo Delgado Raul Manuel Domingos Tete General Usufu Momaded Nampula 94 General Albino Faife Dukuze Manica Valeriano Macame Niassa Mário Macuacue Gaza Samuel Simango Sofala Executivo Presidente e Comandante Supremo Afonso Machado Marseta Dhlakama Chefe do Protocolo do Presidente José Augusto Ajudantes de Campo do Presidente João Almirante António Alfainho Departamentos Departamento de Assuntos Políticos Victor Anselmo Departamento de Relações Externas Raul Manuel Domingos Departamento de Defesa e Segurança General António Pedro Departamento de Agricultura Paris Baza Departamento de Saúde e Assuntos Sociais Filipe Soares Departamento de Educação e Cultura Agostinho Murial Departamento de Informação e Propaganda Vicente Z. Ululu Departamento de Finanças Sebastião Temporário Departamento de Estudos Ascêncio de Freitas Liga das Mulheres Latifa Grau Bene Liga da Juventude Mário Luís Gonzaga

Sem comentários:

Enviar um comentário

MTQ