A situação dos moçambicanos refugiados no Malaui devido à crise política e militar em Moçambique agravou-se substancialmente desde Dezembro e pode tornar-se numa catástrofe em seis meses, alertou à Lusa o comissário distrital malauiano de Mwanza.
"Se a situação se mantiver por mais seis meses, estaremos perante uma catástrofe", afirmou, em entrevista à Lusa, Gift Rapozo, administrador do distrito que alberga o centro de acolhimento de Kapise, um dos dois locais criados pelas autoridades malauianas para receber pessoas em fuga das confrontações entre as forças de defesa e segurança de Moçambique e a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) na vizinha província de Tete.
Ressalvando que apenas podia falar pelo centro de Kapise, Rapozo referiu que, no início da crise, em Julho do ano passado, havia no local cerca de 600 refugiados, mas, desde Dezembro, verificou-se uma "chegada substancial de mais gente", estando agora inscritas 3.900 pessoas mas muitas outras ainda por registar, pelo que os números "não são reais".
Recentemente, as próprias comunidades do Malaui podiam acolher as pessoas que iam chegando, mas "a capacidade esgotou-se e os campos passaram a ser a única solução", referiu o responsável local, acrescentando que o agravamento da situação leva a que se tenha tornado mais difícil escondê-la.
O Governo central do Malaui, segundo Rapozo, estava a evitar chamar a atenção desta situação e a usar os corredores diplomáticas para que fosse resolvida ao mais alto nível.
"Mas, com o agravamento da situação, começámos a ser visitados por organizações internacionais e tornou-se difícil evitar que não seja conhecida", declarou o administrador distrital, que lamenta a existência de percepções diversas entre autoridades e quem está no terreno.
Gift Rapozo entende que as autoridades dos dois países "não estão a falar a mesma linguagem" de quem está no terreno e o mesmo se passa com parceiros internacionais, quando querem conhecer dados e previsões de números e prazo estimado para a existência dos centros de acolhimento, quando não há capacidade de o saber, porque "não se trata de um conflito declarado".
O comissário malauiano receia que a crise política em Moçambique seja prolongada, na ausência de um entendimento entre Governo e Renamo, e que o Malaui quer ajudar o país vizinho a evitar mais confrontações armadas e ser "parte da solução".
Alertou, contudo, que, num cenário de longo-prazo, o Malaui não vai ter capacidade de lidar com a chegada contínua de mais refugiados e que, neste momento, as autoridades locais são incapazes de antecipar o fluxo de pessoas, "apenas reagir".
Assinalando que há igualmente malauianos residentes em Tete que regressam ao seu país, Gift Rapozo disse que está focado na situação dos refugiados moçambicanos, sem estrutura familiar no Malaui, e são esses que importa registar.
Segundo o administrador malauiano, os refugiados moçambicanos continuam a regressar ao seu país, alegando falta de segurança, e até porque, desde Julho, diziam-se vítimas de "perseguição e agressão por forças governamentais".
Para Gift Raposo, a presença no centro de acolhimento do embaixador moçambicano no Malaui, há duas semanas, foi muito positiva, na medida em que as pessoas puderam ver um rosto e um sinal de compromisso do seu Governo.
Os refugiados, informou, estão a ser assistidos pelos Médicos Sem Fronteiras, que inicialmente apenas tinham uma clínica móvel quatro vezes por semana, mas, devido ao aumento das chegadas, passaram a estar presentes todos os dias, no que classifica como uma "ajuda preciosa".
Ainda assim, o comissário malauiano receia que as condições de saúde se possam agravar, atingindo sobretudo crianças, e não haja capacidade de resposta para certas doenças como a cólera.
Gift Rapozo lembrou ainda que a situação de refugiados permanece muito presente mais de duas décadas após o fim da guerra civil em Moçambique, numa imagem de repetição de um sofrimento já conhecido.
"Quando voltamos a ver a mesma situação, há uma sensação de que não queremos voltar atrás, até porque Moçambique tem recursos para o evitar", declarou.
Lusa – 31.01.2016
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