quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O dia em que uma abstenção do PSD satisfez toda a gente

O Orçamento rectificativo passou, e o Governo conseguiu avançar com o seu plano para o Banif. E até já se ensaiaram as estratégias para a comissão de inquérito que aí vem.
Enquanto os deputados do PSD se reuniam, à porta fechada, na sala do Senado, a partir das 11h15, o plenário da Assembleia da República esteve suspenso. Era para ser por meia hora. Acabou por durar 50 minutos o intervalo na sessão. António Costa não os perdeu. Levantou-se da bancada do Governo e dirigiu-se à primeira fila da bancada do Bloco de Esquerda, onde estava sentada Mariana Mortágua.
Na véspera, o Bloco tinha apresentado duas condições para aprovar o orçamento rectificativo. O PS não aceitou nenhuma — nem uma nova legislação que garantisse ao Governo poderes na resolução de bancos nem a integração do Novo Banco, o “banco bom” que resultou da resolução do BES, há um ano e meio, na Caixa Geral de Depósitos. E foi, precisamente, sobre este último ponto que o primeiro-ministro aproveitou para conversar com a deputada.
Por esta altura já estavam anunciados 54 votos contra, e os do Bloco estavam incluídos, tal como os do CDS, PCP, PEV e PAN. Uma estranha geometria de voto, numa antevéspera de Natal agitada. Os parceiros do PS, e os antigos parceiros do PSD, juntos do lado do “não”. E uma nova “geringonça” a desenhar-se no hemiciclo: um bloco central tácito.
Na reunião do PSD houve alguma agitação. Alguns deputados defenderam que o partido devia chumbar o rectificativo, mas acabou por prevalecer a intenção que Passos Coelho tinha deixado no ar 24 horas antes, ao admitir que não teria uma solução muito diferente da adoptada e que o Governo de António Costa “agiu com diligência”.
No fundo, aos deputados cabia apenas decidir uma coisa: autorizar, ou não, o Governo actual (do PS) a aumentar os limites previstos no Orçamento em vigor (aprovado pelo PSD e pelo CDS) para o limite do endividamento, para resolver a situação de emergência de um banco com 3% da quota de mercado, mas com impacto económico nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira.
Ana Catarina Mendes e Pedro Filipe Soares também se juntam à conversa de Costa com a deputada do Bloco. Carlos César, o líder parlamentar socialista, conversa com João Oliveira, do PCP. Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, troca impressões com Jorge Costa, do BE. Visto assim, o acordo de esquerda está vivo, apesar das votações dissonantes.
Às 12h05, Pedro Passos Coelho regressa e ocupa o seu lugar na primeira fila da bancada do PSD. Vem sorridente. Ferro Rodrigues abre a votação. Surpresa: até o sistema electrónico funciona. “Deve ser por ser Natal”, diz o presidente da Assembleia, com sarcasmo, depois de várias votações frustradas pela tecnologia.
Não chega a haver surpresa. O PS vota a favor, acompanhado por três deputados do PSD da Madeira. Os restantes deputados do PSD abstêm-se. É o que basta.
Desunião à direita…
Mas o debate não foi um espelho exacto desta votação. À boleia do Banif cavou-se mais um pouco nas trincheiras que se vão abrindo no Parlamento. O CDS-PP fez questão de votar contra com um discurso mais inflamado contra a esquerda do que o do PSD.

O fim do alinhamento PSD/CDS, com a abstenção dos sociais-democratas, foi justificado por Luís Montenegro em nome do “interesse nacional”, que apoiou a comissão de inquérito, pediu uma auditoria externa “independente para apurar responsabilidades”, e recusou a solução de integração na CDG por esta não ser o “caixote do lixo do sistema financeiro”.
O líder parlamentar do PSD aproveitou para criticar a “má-fé, impreparação e falta de sentido Estado” da nova maioria parlamentar: “Menos de um mês depois já perdeu o apoio parlamentar, senhor primeiro-ministro? Que consequências tira da falta de apoio parlamentar? Estão a pré-anunciar uma crise política? É deprimente obrigar os portugueses a assistir a tanto oportunismo político.”
O CDS baseou a sua estratégia na teoria de que, se não tivesse havido fuga de informação e consequente retirada de depósitos, não seria preciso intervir à pressa, e no argumento de que o Governo anterior não tomou decisões porque passou três anos a “bater o pé” às instituições europeias como a Comissão, que há muito exigiram a liquidação do banco.
“Podemos não ter tido outra solução em três anos, mas tivemos uma solução suficiente para proteger 1600 trabalhadores e todos os depositantes”, defendeu João Almeida.
Do CDS veio ainda a crítica à estabilidade e coerência governativa à esquerda, onde os sócios do PS “não estão disponíveis para resolver os problemas do país” mas apenas para ficar nas “fotografias das boas notícias”.
PSD e CDS concordam num ponto: há ainda muito por explicar sobre a resolução e atiram já para a comissão de inquérito o apuramento de responsabilidades. Ouvindo estes argumentos, a comissão de inquérito parece destinada a uma esgrima de argumentos sobre o que pesou mais no desfecho do Banif: uma notícia da TVI, do passado dia 13, que provocou uma corrida aos depósitos (fuga de mil milhões de euros em três dias), como parecem defender PSD e CDS, ou, pelo contrário, os três últimos anos de “inacção” do Governo anterior, como defendem os partidos da esquerda. Nisso, os alinhamentos parecem não fugir muito ao guião conhecido.
…desunião à esquerda
O que ficou aqui claro hoje não é que o PS não tem apoio da esquerda, é que se os senhores [do PSD] estivessem no Governo e quisessem resolver este problema não teriam o apoio do CDS”, argumentou João Galamba, face às críticas de desunião à esquerda. E contra-atacou, virando-se para o partido de Paulo Portas: “A sua intervenção é uma ode ao despudor. Voltou finalmente o CDS lúdico e sem um pingo de respeito pelos portugueses. Este não é o orçamento do PS, mas rectifica a inacção da direita.”

O comunista Miguel Tiago considerou que o caso Banif é um “verdadeiro crime económico, cujo autor moral é o Governo PSD/CDS, resta saber com que cobertura do Presidente da República”. E apontou: “À boa maneira do que fazia o fascismo, PSD e CDS colocam dinheiro público numa empresa privada não para controlar a empresa mas para que a empresa controle o dinheiro público.” E justificou o voto contra do PCP como um voto contra a “política que salva bancos enquanto sacrifica pessoas” e contra as “imposições da União Europeia”.
A bloquista Mariana Mortágua pegou na responsabilidade que deve ser assacada também ao regulador: “Por que mantiveram Carlos Costa à frente do Banco de Portugal? Não fizeram no BES o que defendem agora para o país. A conta do dinheiro dos contribuintes injectado na banca pelo PSD e CDS é de cinco mil milhões de euros.” E também criticou o rectificativo e a falta de resposta do PS às condições avançadas pelo BE. “A solução aqui proposta perde demais. Não temos, não tivemos essas garantias. A banca é um castelo de cartas de más contas e é um problema sistémico.”
Mário Centeno apelidou de “falsas” as notícias que davam conta do fecho do banco e admitiu que lhe retiraram valor, repetindo que a única alternativa à resolução era a liquidação, com sérias consequências para os clientes, 1600 trabalhadores e para o erário público. A injecção de dinheiro público no Banif “é o preço a pagar por, em três semanas, o Governo ter de resolver aquilo que o XIX Governo Constitucional não fez em três anos. Ainda assim, é o preço menor”, defendeu o ministro das Finanças. O Santander fez “a melhor proposta”, disse, e garantiu que os trabalhadores serão repartidos (1000/600) entre o Santander e o novo veículo criado com a resolução. “É propósito deste Governo não usar mais dinheiro público na solução dos problemas da banca em Portugal."
Uma ríspida troca de palavras entre Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, e Ferro Rodrigues, foi mais um sintoma do mal-estar: o deputado protestou quando o presidente perguntou se o PS queria apresentar uma proposta de aditamento e disse que Ferro se estava a “intrometer” na gestão do tempo do PS. Na resposta, o socialista disse que o PSD não tem “autoridade moral” para o questionar por o partido ter excedido o tempo que tinha para falar e o que pedira para a sua reunião. Montenegro replicou que Ferro continua sem ter as “condições de isenção e imparcialidade para o exercício do cargo”.

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