Quantos mais heróis tem um povo, mais infeliz é.
José Luandino Viera
Logo à partida, o título “Directo ao assunto”, de Carlos Cardoso, para quem o conheceu ou a sua escrita, pode até sugerir um texto jornalístico, frontal e contundente. Todavia, lendo os poemas que constituem esta obra quase esquecida ou mesmo “indisponível” aos leitores actuais, percebe-se que não é bem assim. Sem ter nada de jornalístico e tão-pouco o que se possa considerar homogeneamente directo, o livro composto por três partes principais, designadamente, “Encontros imediatos para além de qualquer grau”, “Intercâmbio com o resto” e “Processo”, revela, efectivamente, a forma como o poeta olha para o mundo, em função das manifestações sociopolíticas e das suas experiências, enquanto sujeito activo na ponderação lúcida e no processamento dos assuntos captados. E ao levar alguma coisa desse universo para a escrita, Cardoso fá-lo sem comprometer a graça da sua veia literária, os traços cativantes de que se urdem as linhas do poema. Ou melhor, “Directo ao assunto”, ao reflectir que o autor mira o mundo como um espaço a (re)construir, devido às tantas adversidades e desigualdades bizarras, afirma-se como uma relíquia da literatura moçambicana, a resguardar, por proporcionar prazer estético, peculiar aos poetas intimistas, mas que não se perdem nos fascínios do amor ou dos seus objectos, e por transparecer sentimentos de entidades próximas à realidade.
Nesta obra composta por 78 poemas Carlos Cardos veicula a sua visão ampla do mundo, como se entre os espaços territoriais não houvessem fronteiras definidas, mas pontes que ligam as sociedades, muitas vezes, a partilharem a infinita dor de terem muitos heróis que, quer em vida, quer em memória, os condena à luta que lhes permite serem heróis delas mesmas. Daí os versos: “Ergue-te homem/do saber pequeno do teu reflexo”. Uma exortação? Quiçá uma determinação a transferir a um potencial leitor, um convite para que se serva do que há de melhor deste autor: a consciencialização. Mais adiante: “Enquanto o ordenado do proletário parisiense é adquirido na colónia sob o ritmo legislativo do chicote. “Enquanto a irresponsabilidade sistémica de Washington nuclearmente se defeca sobre o matrimónio dos peixes, temos tempo meu amor”.
Neste excerto do poema, sem título, está bem de ver, primeiro, que o sujeito de enunciação está atento e sensível ao que se passa no ultramar, segundo, a erudição de um sujeito existencial com mente iluminada. E isto concorre para a universalidade da poesia de Cardoso, pois, os seus versos não se circunscrevem ao imaginário moçambicano e nem à língua portuguesa sequer. Aliás, em alguns casos o poeta recorre à língua inglesa para melhor exprimir os sentimentos circunstanciais, dando-os uma validade eterna.
Fosse a poesia um género literário com intenções, a consciencialização do Homem, sobretudo o mais desfavorecido, e a concertação do universo seriam algumas de “Directo ao assunto”. Ainda assim, não escapam deste livro que consegue ser a síntese da poesia de combate e intimista, sem impor nenhum paradoxo, essa intencionalidade de garantir, citamos o poeta, a “intervenção imediata do real”.
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