Oministro da Defesa Nacional
(MDN), Ataná-
sio Salvador M`tumuke,
disse em entrevista ao
SAVANA que o Acordo Geral
de Paz (AGP), assinado no dia
4 de Outubro de 1992, na cidade
italiana de Roma, fragilizou
as forças armadas constituídas
depois da independência nacional.
Major-General na reserva,
M`tumuke, um antigo combatente
da Luta Armada de Libertação
Nacional e, por muito tempo, um
dos delfins militares de Samora
Machel, entende que a pacifica-
ção de Moçambique não podia
significar a destruição do exército.
Lembrou que no mundo houve
várias situações de países em
conflito, mas que finda a guerra
não se desorganizou o exército
para formar um novo. Na mesma
entrevista, Salvador M`tumuke
fala das ameaças da Renamo e diz
que as mesmas não constituem
nenhum perigo para a soberania
nacional. Visto como um dos
elementos do “núcleo duro” de
Filipe Nyusi, contudo não propriamente
belicista, apesar de
ser um militar, muito respeitado
entre os seus pares, M`tumuke
garantiu que o Governo não vai
forçosamente desarmar a Renamo,
“a natureza é que se encarregará
de fazer justiça”.
O senhor foi um dos protagonistas
da Luta de libertação Nacional,
que culminou com a independência
nacional em 1975.
Hoje (25 de Setembro) as Forças
Armadas completam 51 anos.
Que momentos lhe marcaram
durante esses anos?
Entrei na luta de libertação nacional
em 1966, dois anos depois
do início da luta, com 16 anos.
Éramos um grupo de 12 miúdos
de Cabo Delgado que vinha do
Instituto moçambicano onde chegámos
em 1965. Em 1966 chegá-
mos a Nachingwea onde encontrá-
mos uma companhia a treinar há
um mês. Em princípio eram três
meses de treinos, mas como chegámos
no meio, treinámos dois
meses. A nossa companhia era liderada
por Eduardo da Silva Nihia
coadjuvado por Matias Nyuma, já
falecido. Findos os treinos, fomos
destacados para a província do
Niassa. Nihia era chamado por comandante
Ntonto que em swahili
significa baixinho.
Onde o senhor estava quando a
luta iniciou?
Estava em Moçambique porque
o plano inicial era de seguir para
a escola normal de formação de
professores indígenas de Imbui, no
distrito de Mueda, mas não pude
ir porque foi assassinado um padre
e aquilo afectou a minha mãe que
não quis que eu fosse para lá prosseguir
com os meus estudos.
Ainda há muitas contradições sobre
onde efectivamente foi dado
o primeiro tiro. Chai carrega apenas
um valor simbólico, um valor
histórico ou na verdade foi ali
onde tudo começou?
O primeiro tiro foi de facto no dia
25 de Setembro de 1964 por volta
das 18/19 horas em Chai e foi
o general Alberto Chipande que
dirigiu essas operações. Agora, é
normal que na tentativa de busca
de protagonismo cada um fale
o que lhe apetece. Na guerra há
uma doença que se chama medo e
não podia não haver do nosso lado
medrosos, mas hoje podem aparecer
e dizer que fiz isto ou aquilo e
quando é devidamente questionado
gagueja.
A história oficial conta que a 1 de
Agosto de 1974 travou-se uma
batalha decisiva em Namatil para
o fim da luta armada, mas há outras
correntes que negam isto,
alegando que o conflito já havia
terminado desde Maio do mesmo
ano. De que lado está a verdade?
Os que falam disso devem ser pessoas
que não são patriotas e não
têm auto estima. Namatil era uma
das sete guarnições que estavam
ao longo do rio Rovuma. Que são:
Negumane, Nhazone, Mocímboa
do Rovuma, Omar que é Namatil,
Nangade, Pundanhar e Palma
que estando em Tanzânia via-se
a iluminação destes quartéis. Na
segunda quinzena de Maio, o presidente
Samora ordena Chipande
para me dar a missão de acabar
com Omar. Mesmo sabendo que
era difícil aceitei a missão, porque
não se nega perante o chefe.
Preparámo-nos nesse sentido e
para tal criámos três grupos de reconhecimento,
compostos por três
indivíduos. Cada grupo tinha a sua
direcção, todos iam no mesmo dia
em direcções diferentes, ao regressar
cada um apresentava o seu relatório,
mas não sabia da existência
dos outros grupos.
Depois havia uma troca de posi-
ções entre os grupos, mas todos
eles não se conheciam. Recolhía-
-mos os dados e registávamos para
ver se este estava a mentir ou não.
Foram dados que nos garantiram a
vitória de Omar.
Como isso se efectivou?
Portanto, no dia 28 de Julho fomos
fazer reconhecimento do comando
e levámos os comandantes das
companhias para conhecerem as
suas posições.
É preciso notar que onde há guerra
há aquilo que se chama doença de
medo e para evitar que o comandante
chegasse no terreno e dizer
que perdeu a direcção da sua posi-
ção, cada um tinha de conhecê-la
perfeitamente.
Nesse dia vinham seis helicópteros
que vinham abastecer Omar,
nós estávamos numa elevação e
ficámos satisfeitos porque tínhamos
a certeza de que todos aqueles
mantimentos seriam consumidos
por nós. Mas, a ideia foi de usar
o 25 de Abril para fragilizar psicologicamente
as tropas coloniais.
A táctica era de chamá-los e dizer
“Atenção soldados do exército português,
aqui fala Frelimo, todos estão
cercados pelas Forças Populares
de Libertação de Moçambique.
No vosso país não existe fascismo,
foi derrubado no 25 de Abril. Não
informem o vosso comando porque
nós controlamos a terra e o
ar, rendam-se todos. Cumpriram
com o apelo e renderam-se”.
As companhias tinham um total
de 600 guerrilheiros contra 157
soldados portugueses, apesar de
hoje falarem de 137.
Um antigo militar colonial português
escreveu um texto no qual
dizia que desde Maio de 1974,
já não havia conflitos armados e
principalmente em Cabo Delgado...
Não é nada disso. Nesse mês de
Maio o comandante Português
do sector C de Mueda chamado
Monteiro, escreveu uma carta
onde dizia que eles já não queriam
combater e enviou essa mesma
carta ao chefe do departamento de
defesa da província, já falecido. A
carta foi entregue tardiamente ao
presidente Samora Machel porque
já nos tinha dado essa missão de
atacar Omar.
Os preparativos e reconhecimentos
tinham já iniciado e logo no
primeiro mês tínhamos todos os
dados detalhados de que íamos
ocupar.
Nessa altura não estavam em curso
as negociações rumo aos acordos
de Lusaka?
As negociações estavam a decorrer
secretamente e não tínhamos conhecimento.
Há criminosos que se escondem
nas FDS
Durante dois anos houve um
conflito entre as tropas governamentais
e homens da Renamo.
Nesse conflito a imagem das
FADM foi muito banalizada,
falou-se de tropas que fugiam em
debandada e sem disciplina. Será
que podemos confiar nas nossas
FADM?
Já ouviste dizer que o território
moçambicano foi ocupado, nem
que seja um metro pelo inimigo
desde a proclamação de independência
nacional? Há razões para
confiar nas nossas forças armadas.
Mas o líder da Renamo disse
que eram miúdos mal treinados.
Vangloriou-se de ter assaltado
quartéis para levar armas…
O líder da Renamo não é proibido
de falar. Todos sabemos que
quando abre a boca fala o que fala.
O jornalista deve ser patriota, não
deve falar de banalização das nossas
tropas. Um ou dois bandidos
podem fazer emboscada e desaparecerem,
podem atacar um autocarro
e matar pessoas. Isso aconteceu
e é de difícil controlo.
Actualmente verifica-se que
muitos jovens vão às FADM
como uma alternativa ao emprego,
facto que contribui para
a degradação dos valores morais
no exército. O que está sendo feito
para que as FADM sejam um
motivo de orgulho nacional.
É verdade que não há emprego e
muitos jovens refugiam-se tanto
nas FADM assim como na PRM.
Muitas das actividades criminosas
são praticadas por indivíduos que
requereram para ingressar nestas
unidades que no fundo não sabemos
do seu passado e muitas das
vezes são bandidos, ladrões e nos
criam esses problemas. Justamente
por isso, há duas semanas a PRM
anunciou a expulsão de cerca de
671 membros seus. Agora temos
de passar a fazer análise para poder
minimizar essa situação.
Assim, temos de procurar saber
de onde vem essa pessoa que quer
integrar as Forças de Defesa e Segurança.
Já houve casos de alguns militares
que depois de cumprirem o serviço
militar obrigatório (SMO)
requereram entrar na PRM, alguns
antes mesmo de terminarem
faziam-se passar de boas pessoas
que fundo não são. Para nos precavermos
disso, temos de passar a
dar informações correctas sobre os
nossos elementos.
Aprendemos que a farda militar
transmite outra postura às nossas
forças, mas hoje os soldados bebem
mesmo fardados. O que está
sendo feito.
A questão que se coloca é a origem
da pessoa. Alguns pais vêm nos
pedir para colocarmos os filhos
na tropa porque não conseguiram
educar.
Se um indivíduo não foi bem educado
pelos seus pais, chega a tropa
e escapam-lhe os ensinamentos,
este nunca vai deixar essas atitudes,
mas garanto que estamos a tomar
medidas. Antes não tínhamos
polícia militar, agora temos e está a
trabalhar no sentido de identificar
seus colegas mal comportados.
Nos últimos tempos há muitos
relatos de militares que espancam
nas populações ao invés de
preservarem as forças para combater
a integridade territorial. O
que está sendo feito para colmatar
esses actos.
Geralmente batem nas populações
enquanto estão alcoolizados. Há
punições severas sim e outros são
expulsos, acabo de assinar cinco
despachos de expulsão por comportamentos
de género. Medidas
estão sendo tomadas e
queremos uma imagem que
dignifique as FADM.
O AGP fragilizou as Forças
Armadas
Logo depois da assinatura dos
Acordos Gerais de Paz (AGP),
assistimos uma estagnação de investimento
nas FADM, qual é o
actual cenário?
O AGP determinava numa das
cláusulas a extinção das FADM.
Vocês deviam pegar aí e ter um
bocadinho de informação de todas
as guerras no mundo que quando
terminam assina-se o acordo de
paz, mas não se extingue as forças
armadas.
No nosso caso a ideia era extinguir
as forças armadas e formar outras
com base partidária (Governo e
Renamo). Para além de ter havido
intenções muito claras dos patrões
daquele senhor (Dhlakama) porque
durante as negociações em
Roma diziam que era preciso ter
forças armadas porque os países
da região são vossos amigos (RSA,
Zimbabwe, Malawi, Tanzânia),
mas eram vozes dos seus patrões
que diziam isso. Depois chegámos
ao acordo de ter uma força composta
por 30 mil homens.
Acha que foi um erro criar forças
armadas compostas por efectivos
das duas partes?
Não foi, mas o plano foi feito para
poder enfraquecer as forças armadas.
Mas quem são esses patrões?
Vocês não conhecem?
Não.
Vocês são cientistas sociais, investiguem.
O Acordo Geral de Paz previa
um exército republicano constituído
por 30 mil efectivos vindos
das duas partes ora em conflito.
No entanto, essa cifra nunca foi
atingida. De lá a esta parte muitos
jovens ingressaram nas forças
armadas. Qual é o efectivo actual
do exército moçambicano?
Por razões estratégicas não podemos
dizer quantos homens temos.
Quanto ao facto de não se ter
conseguido atingir a cifra dos 30
mil homens previstos nos acordos
Roma, podemos dizer que o principal
responsável é a Renamo.
Dos quinze mil homens que devia
entregar apenas apresentou cerca
de três mil. Um número muito
abaixo da metade. Entregaram-
-nos esses homens apenas porque
não tinham mais por razões que
todos conhecem.
Mesmo agora, se eles não nos conseguem
entregar as tais forças residuais
é porque não têm. Mesmo a
paridade que eles reivindicam nas
forças armadas não estão de condições
de responder.
Ademais, é preciso verificar que
a guerra terminou em 1992, portanto
há 23 anos, pelo que, em
condições normais todas as for-
ças residuais da Renamo deviam
estar em idade avançada. Porém,
até hoje o seu presidente aparece
nas suas escoltas com seguranças
jovens, moças gordinhas e bonitas
bem aprumadas de 23 a 25 anos.
Isso é estranho.
Onde é que arranja esses jovens?
Será que está a fazer novos recrutamentos?
Não sei, pergunte ao próprio
Dhlakama onde arranja essas pessoas.
…Mas é da responsabilidade do
Estado estar a par dessas movimentações
tendo em conta que
até podem pôr em causa a soberania
nacional.
Isso não é problema de Estado. O
problema está no Acordo de Paz
que determinou que Dhlakama
devia ter sua segurança e não especificou
o número de efectivos.
Por causa dessa lacuna, hoje aparece
com cinco seguranças, amanhã
com 20 e depois com 50 elementos.
Isso não constitui ameaça?
Não.
Então que ameaças se colocam à
soberania nacional?
O que vos posso dizer é que estamos
atentos para qualquer ameaça.
Quer ao nível nacional bem como
da região.
Somos membros da SADC e ao
nível da região temos boa cooperação
em todas as áreas incluindo
militar. Há exercícios militares
constantes como forma de nos
preparar para garantir a nossa segurança
na região. Ao nível da
SADC estamos organizados no
sentido de intervir em qualquer situação
num país ou no noutro país.
O quartel de Morrumbala anunciado
pela Renamo não constitui
ameaça?
Nós não estamos preocupados.
Aquele senhor quando abre a boca
fala coisas que nunca se concretizam,
só fala para agradar seus
patrões. Primeiro foi Muxúnguè,
depois Gorongosa e agora é Morrumbala.
Aquele senhor não pode montar
nenhum quartel, porque sabe que
isso até pode ser perigoso para
ele mesmo. Num país não podem
existir dois quartéis-generais. Só
há um quartel apenas.
Qual é a resposta às vozes que
entendem que as FADM não são
republicanas nem apartidárias,
mas obedecem à Frelimo?
Não é possível falar de Moçambique,
sem mencionar o nome da
Frelimo. A Frelimo é que criou as
Forças Populares de Libertação
Nacional para lutar contra o sistema
colonial fascista português. A
missão era conquistar a independência
e depois, a mesma Frelimo
criou as Forças Populares de
Libertação de Moçambique. Pelo
que, o nome da Frelimo está sempre
associado à história do nosso
exército.
Agora, o Acordo de Paz veio com
algumas especificidades que até
certo ponto diluíram a essência
das forças armadas moçambicanas,
mas eram questões do país que tinham
de ser aglutinadas naquele
momento.
O Governo e a Renamo fundiram
as suas forças e para acomodar as
exigências deste grupo criou-se
as Forças Armadas de Defesa de
Moçambique. Uma tropa apartidária
visto que cumpre apenas ordens
supremas.
23 anos depois a marca partidária
está a desaparecer porque de lá a
esta parte entraram muitos jovens
que não têm nada a ver com a Frelimo,
Renamo, MDM ou outro
partido. Isso só se nota nas posi-
ções de chefia, mas que também
estão a desaparecer porque vão reformando
devido à idade. Isso de
que as forças armadas obedecem
ordens partidárias é falácia.
… Mas a Renamo diz que os seus
elementos estão a ser expurgados
das FADM.
Isso não é verdade. Hoje, (quarta-
-feira) patenteamos seis oficiais-
-generais. Nesse grupo tinha
oficiais vindos do Governo e da
Renamo. Há pouco foram para reserva
cinco generais todos vindos
do Governo, mas vocês nunca falam
disso. Só há barulho quando
é alguém da Renamo. No exército
isso de partidos não existe.
Dos seis patenteados apenas um
veio da Renamo…
O problema de vocês jornalistas é
de gostar de contar.
O que falhou para que a Renamo
não fosse derrotada militarmente
na guerra dos 16 anos?
Não sei se quando fala de derrota
está a dizer que as forças governamentais
deviam lutar até conseguir
neutralizar o último homem da
Renamo. Vocês esqueceram que
depois da assinatura dos Acordos
Gerais de Paz, a Renamo tentou
ocupar os distritos de Memba, Lugela,
Angoche e em tempo recorde
as forças governamentais recuperaram
as zonas ocupadas. Foi fácil
porque havia um alvo concreto.
Durante a guerra dos 16 anos não
havia alvos, um grupo de bandidos
chegava, sabotava e depois fugia. É
difícil combater sem alvos concretos.
A Renamo, através do seu SG,
acusou directamente as FADM
de terem tentado assassinar
Afonso Dhlakama. Que comentários
tem a fazer relativamente a
este assunto?
Quem garante a segurança do presidente
da Renamo não são aqueles
homens que andam com ele.
São as Forças Armadas de Defesa
e Segurança. Pelo que se quisessem
assassiná-lo podiam ter feito
há bastante tempo. As Forças de
Defesa e Segurança não estão para
assassinar pessoas. Estão para garantir
a ordem, segurança e defesa
de soberania. São falácias de gente
sem dimensão do que está a falar.
Acredita que é possível desarmar
a Renamo à força ou a via é negocial?
O Governo não precisa de desarmar
a Renamo e o seu líder forçosamente.
A natureza vai encarregar-se
de fazer a justiça. A própria
idade vai determinar tudo e não
terão mais habilidades para continuarem
com as suas incursões.
O que pensa de Afonso Dhlakama?
É uma figura incontornável
na construção de um Estado democrático
em Moçambique?
Para mim Dhlakama não é.
Acha que a indicação de Filipe
Nyusi para candidato da Frelimo
e posterior eleição para quarto
Presidente da República é uma
recompensa aos makondes pelo
esforço que fizeram na guerra?
Na Frelimo não se discute questões
étnicas. Isso não existe na Frelimo.
Na Frelimo só há moçambicanos.
Nyusi não foi nomeado, foi eleito.
Na mesma linha houve outros
candidatos.
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