O Estado esteve a saque no penúltimo ano do Governo de Armando Guebuza |
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Escrito por Adérito Caldeira em 19 Junho 2015 |
O Grupo Parlamentar do partido Frelimo, na Assembleia da República, aprovou nesta quinta-feira (18) sem questionar mais uma Conta Geral do Estado (CGE), ainda do Governo de Armando Guebuza, viciada de inconsistências, mau uso de verbas, desvio de receitas, desorganização de justificativos de transacções, divergências nos valores requisitados e nos valores pagos em salários aos funcionários públicos, atropelos na Lei de procurment, entre outros problemas identificados pelo Tribunal Administrativo (TA).
É certo que o partido Renamo tem votado sempre contra as Contas do Estado; porém, este grupo parlamentar, tem razão quando argumenta a sua apreciação negativa com o facto de que a CGE “não observou com rigor os princípios da contabilidade pública no que tange à sua estrutura e conteúdo assim como o seu escopo” e também, “o Governo pouco ou nada fez para alterar o estado de inexactidão e imperfeição na administração das finanças públicas e nem acatou as recomendações do Tribunal Administrativo e da Comissão do Plano e Orçamento (…) deixando transparecer a inexistência de mecanismos de sancionamento que obriguem à implementação daquelas recomendações”.
E as constatações e recomendações do TA não são poucas; por essa razão vamos publicá-las por partes, começando pela Execução do Orçamento da Despesa em que o Tribunal Administrativo verificou, entre outros problemas, que o Estado tem concedido “empréstimos a funcionários com fundos do Orçamento do Estado”.
Divergências nos salários requisitados e os pagos
Segundo o relatório de Auditoria do TA, o Ministério do Interior, a Escola Nacional de Aeronáutica, o Fundo de Promoção Desportiva, a Direcção Provincial do Plano e Finanças de Manica e a Direcção do Plano e Finanças da Cidade de Maputo concederam empréstimos aos seus funcionários no total de 817.911,73 meticais.
“A concessão de empréstimos a funcionários com fundos públicos não tem enquadramento legal, pelo que se está em presença de uma violação das normas sobre a elaboração e execução dos orçamentos, bem como da assunção, autorização ou pagamento de despesas públicas ou compromissos, o que constitui infracção financeira, conforme o disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 93 da Lei n.º 26/2009, de 29 de Setembro”, constata o Tribunal Administrativo. O TA detectou também “divergências entre os valores indicados nas Requisições de Pagamento de Salários e os registados nos Mapas Demonstrativos Consolidados do e-SISTAFE”, no Conselho de Avaliação de Qualidade do Ensino Superior, no Ministério de Administração Estatal, no Instituto Nacional da Juventude, no Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, na Direcção Provincial da Educação e Cultura de Manica, na Direcção Provincial de Obras Públicas e Habitação de Manica, na Direcção Provincial da Saúde de Manica, no Instituto Superior de Administração Pública, no Ministério dos Negócios Estrangeiros e também no Ministério da Juventude e Desportos.
Banquete no procurment
O Tribunal Administrativo constatou ainda que 22 entidades, mencionadas no quadro a seguir, “pagaram despesas, em bens, serviços e empreitada de obras públicas, no montante 46.045.188,37 meticais, sem celebração de contratos com os fornecedores de bens, prestadores de serviços e empreiteiros, em violação do estabelecido no n.º 1 do artigo 44 do Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado, aprovado pelo Decreto n.º 15/2010, de 24 de Maio, o qual preconiza que os contratos cujo valor seja superior ao limite previsto no n.º 3 do artigo 113 (87.500,00 meticais, para bens e serviços e 175.000,00 meticais, no caso de empreitada de obras públicas), devem ser reduzidos a escrito.”
O Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação destaca-se entre as instituições que atropelaram a Lei pois, de acordo com o TA, contratou serviços de dez agências de viagem, no valor de 30.548.978,00 meticais, e de 27 empresas de manutenção de viaturas, pelo custo de 35.960.731,43, sem concurso público ou fundamentado, por escrito, a sua dispensa, numa flagrante violação “do artigo 7 do Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado, aprovado pelo Decreto n.º 15/2010, de 24 de Maio,”.
Os 13 Juízes Conselheiros do Tribunal Administrativo constatam que o Ministério dirigido por Oldemiro Baloi deveria ter “obrigatoriamente notificado e fundamentado a adopção de outra modalidade de contratação à Unidade Funcional de Supervisão das Aquisições, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 118 do Regulamento atrás citado.”
Contudo, são várias as entidades que violaram o Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado.
O Instituto Superior de Administração Pública, por exemplo, pagou à Entreposto Comercial de Moçambique 398.173,71 meticais, relativos ao adiantamento para futura aquisição de uma viatura de marca Isuzu KB 250 de dupla cabina; contudo, a “entidade não apresentou nenhum acordo, nem contrato de compra e venda, pelo que este procedimento indicia um pagamento indevido, à luz do disposto no artigo 96 da Lei n.º 26/2009, de 29 de Setembro”.
O Fundo de Promoção Desportiva é outra das instituições que cometeu várias infracções financeiras com destaque para quatro projectos de investimento, orçados em 283.949.738,97 meticais, que não têm relatórios de avaliação das actividades desenvolvidas nem informação das datas da sua conclusão, o que viola a “alínea e) do n.º 3 do artigo 93 da Lei n.º 26/2009, de 29 de Setembro, atinente ao regime relativo à organização, funcionamento e processo da 3.ª Secção do Tribunal Administrativo”, de acordo com o Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2013.
Ainda neste capítulo do Parecer sobre a CGE de 2013, verificou-se que o Concelho Municipal da Cidade de Chibuto pagou salários em excesso a pessoal fora do quadro, no valor global de 812.523,91 meticais.
Foram também executados, sem a submissão à fiscalização prévia obrigatória do Tribunal Administrativo, 59 contratos de Fornecimento de Bens, Prestação de Serviços, Empreitada de Obras Públicas, Consultoria e Arrendamento, no valor de 320.255.995,01 meticais, em 27 instituições do Estado, como ilustra o quadro a seguir.
Segundo o Tribunal Administrativo, tendo havido execução destes actos e contratos sem o seu visto, “os gestores das entidades indicadas incorreram em infracção financeira”.
Outras 14 entidades do Estado efectuaram despesas acima dos valores acordados nos respectivos contratos, sem celebração de quaisquer adendas. Foram pagos mais 18.016.366,39 meticais acima dos 24.144.550,43 meticais previstos nos contratos que, segundo o TA, superaram o limite de 25% do valor inicial fixado.
O Tribunal Administrativo destaca os casos do Fundo de Promoção Desportiva, com acréscimo de 589,3%, do Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional cujo orçamento aumentou em 469,1%, do Conselho de Regulação de Águas que extrapolou em 184,2% o contrato inicial, e a Cadeia Civil de Maputo cujos contratos aumentaram 137%.
Por estas constatações, e outras do TA, o Grupo Parlamentar do MDM recomendou a apreciação negativa da Conta Geral do Estado e concluiu que, devido às irregularidades monumentais, no penúltimo ano do mandato do Presidente Armando Guebuza, “o Estado esteve a saque.”
Com mais esta aprovação cega, o Grupo Parlamentar da Frelimo continua a legitimar a corrupção no Estado não dando sinais claros de que a prevenção é a maior arma na luta contra este mal, quiçá porque a maioria destes servidores públicos infractores e ladrões é constituída pelos seus membros.
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