As ideias que pretendo partilhar
sobre a presente
situação política, social e
económica do país sublinham
os seguintes pontos de vista:
a) Que as eleições em Moçambique continuam a ser
uma maldição, aos olhos
do povo;
b) Que as ultimas eleições, de
Outubro passado, foram
das mais tensas da nossa
jovem democracia, porque
foram antecedidas de
retorno à violência militar;
c) Que o diálogo entre o governo
e a Renamo, principal
força da oposição, já
está esgotado; sendo necessários
novos formatos
e novos actores, com nova
linguagem e novas referências
políticas e morais;
d) Que um sentimento generalizado
de abandono e de
frustração das populações
pode avolumar-se rapidamente,
e tornar-se em
campo fértil para a instabilidade
e a ingovernabilidade
do país, se novas
mensagens de esperança
não surgirem com urgência.
1. Eleições realizadas em
clima de alta tensão política.
O clima político e social que marca
os dias de hoje reflecte, uma vez mais,
os resultados das nossas eleições, em
Moçambique: Uma vez mais, as eleições, realizadas em Outubro do ano
passado, apresentaram-se aos olhos
do povo, não como um direito fundamental
de cada cidadão, mas como
uma maldição sobre a Nação! Porque,
uma vez mais, terminaram mal,
pois o maior partido da oposição não
reconhece os seus resultados.
E estas eleições foram realizadas
em ambiente de alta tensão política,
como consequência do conflito político
militar que abalou o país, no
período entre Junho de 2013 e Setembro
de 2014, provocando vítimas
mortais, destruição de infra-estruturas
e grandes prejuízos económicos.
E qual tinha sido a causa deste conflito?
A primeira causa, a causa mais imediata,
era o desacordo entre o Governo
e a Renamo, sobre a legislação
eleitoral e os resultados que ela produzia,
de cinco em cinco anos. Passaram-se
dois anos de negociações
sem resultados na Assembleia da
República, em torno da revisão do
pacote eleitoral, até que o Parlamento
foi abandonado, e representantes
do Governo e da Renamo abriram
negociações do Centro Internacional
de Conferências Joaquim Chissano!
E assim, enquanto decorriam escaramuças
na região centro do país,
as duas partes estavam reunidas em
duas instâncias distintas: na Assembleia
da República e no Centro de
Conferências Joaquim Chissano!
Situação política, social e económica
do país exige novo discurso político!
(Na nossa opinião, este cenário, de
duas instâncias de diálogo entre as
mesmas forças, foi um sinal muito
forte do fracasso da nossa democracia!
Porque o Parlamento, sendo o
único órgão do Estado onde todas as
forças mais representativas do povo
moçambicano estão reunidas, deveria
ser a casa dos consensos. Mas não
tem sido. Por isso foi abandonada,
e os mais importantes assuntos da
Nação passaram a ser debatidos em
outros fóruns!)
Entretanto, as hostilidades cessaram
quando a legislação eleitoral foi revista,
nos moldes desejados pela Renamo
- e que eram rejeitados pelo
partido no poder, em sede da Assembleia
da República!
A Renamo saudou as novas leis eleitorais,
e disse que elas, sim, desta vez
iriam garantir eleições verdadeiramente
democráticas, justas e transparentes!
No dia 5 de Setembro, portanto
quando faltava pouco mais de um
mês para as eleições, as lideranças do
Governo e da Renamo rubricaram o
Acordo de Cessação das Hostilidades;
e partiram para as campanhas
eleitorais, em clima de alta tensão e
desconfiança mútua!
Mesmo na cerimónia da assinatura
do Acordo de Cessação das Hostilidades
esteve patente nos rostos
dos signatários, que o conflito estava
longe de terminar! Porque, na realidade,
todos sabiam que os problemas
de fundo não tinham sido resolvidos!
Mais ainda: sabiam que as eleições,
em si mesmas, jamais trariam soluções
que fossem satisfatórias, na
mesma medida, para as duas partes!
Quando se realizam as eleições de
Outubro de 2014, o principal partido
da oposição, a Renamo, estava
muito ressentida daquilo que ela
considerou como uma tentativa do
seu adversário, de a eliminar, politicamente
e militarmente, ou de eliminar
fisicamente o seu líder, o Sr.
Afonso Dhlakama.
E esse sentimento, espalhado entre
os seus apoiantes, deu à Renamo
uma força renovada durante a campanha
eleitoral, o que foi testemunhado
pelas multidões que seguiam
os comícios do seu líder no Centro
e no Norte do País. Estes banhos de
multidão reforçaram nas mentes e
nas hostes da Renamo a expectativa
de uma vitória significativa.
Por seu lado, a FRELIMO foi à
campanha certamente consciente de
que a sua imagem popular tinha sido
fragilizada, por não ter sido capaz de
prevenir e evitar o retorno à guerra.
Em segundo lugar, nesse período o
partido no poder estava a gerir um
processo de transição interna, das
suas lideranças, que se mostrava
complicado e, por vezes, encalhado.
E estas situações assustaram profundamente
o partido no poder. Em
resposta, ele mobilizou-se fortemente,
em pessoas, em recursos e em estratégias
diversas, para resistir a esta
ameaça.
2. Um diálogo de fracassos e
frustrações
E quando os resultados das eleições
são anunciados, com uma maioria
absoluta do partido no poder, este
mesmo partido político não escondeu
a dificuldade que teve para este
resultado, segundo as palavras do
Presidente Guebuza, o qual disse, no
dia 30 de Dezembro, que esta vitória
foi “arrancada”! Ora, o significado
da palavra arrancar, pode levar-nos
a pensar que se trata de algo obtido
com força e violência! - Mesmo que
não seja violência física!
Em reacção, a RENAMO alegou
fraude maciça, que poderia ter-se
traduzido em mais de um milhão de
votos roubados, ou votos introduzidos
de forma fraudulenta a favor
do adversário, e a Renamo propunha
uma solução política transitória, até
as eleições de 2019. Tal solução iria
consistir na formação de um Governo
de Gestão, constituído por tecnocratas.
A função de tal governo seria
gerir um processo de transformação
do Estado, despartidarizando-o e
preparando as condições para elei-
ções mais justas e mais transparentes,
em 2019.
Mais tarde a ideia de um Governo
de Gestão foi abandonada, e no seu
lugar foi lançado o projecto de Autarquias
Provinciais.
E qualquer destas propostas foi liminarmente
rejeitada pelo adversá-
rio, que despachou equipas para as
províncias, para transmitir ao povo
que tais propostas seriam rejeitadas,
mesmo antes de serem apresentadas
no Parlamento, porque poderiam dividir
o país.
E assim, a rejeição destas propostas,
no Parlamento, voltou a colocar o
país na linha da tensão e do conflito.
E o dirigente da Renamo afirma
que, com ou sem acordo com o Governo,
este partido vai governar nas
seis províncias do Norte e Centro de
Moçambique, onde ela considera ter
ganho as eleições!
Em consequência da reprovação
parlamentar da proposta de Autarquias
Provinciais, também ficou
bloqueado o diálogo que decorria no
Centro Internacional de Conferências
Joaquim Chissano. Após quase
dois anos de diálogo, com mais de
100 rondas, as partes não lograram
encontrar soluções claras e definitivas,
para os dois principais problemas
políticos do país:
a) o desarmamento final da
Renamo e
b) A despartidarização do
Estado - o mesmo que
dizer, a arrumação de um
Estado preparado para
enfrentar o problema da
exclusão política, que gera
outras exclusões sérias: a
exclusão social e a exclusão
económica!
E os mediadores nacionais, esgotados
e frustrados, vieram a público,
apelar para o diálogo regressar ao
Parlamento - donde saiu há dois
anos, exactamente por falta de progresso!
Mas os mediadores têm ainda
outro apelo: que o diálogo envolva
mais sectores da sociedade!
3. Fracasso da integração
política, militar e econó-
mica da Renamo e sentimento
de exclusão
O presente quadro político, de intensa
desconfiança entre as partes,
parece confirmar-nos um facto muito
importante: em mais de 20 anos
de paz, afinal a integração política,
militar e económica da Renamo fracassou!
Independentemente de causas
e de eventuais culpados, a realidade
manda-nos encarar os factos e
reconhecer que a Renamo ainda não
se sente integrada na vida política e
socio-economica do país - e na nossa
opinião este é o problema central de
todo o debate!
Este problema, sendo complexo, não
pode ser resolvido apenas através de
eleições periódicas - e sobretudo na
forma como os seus resultados têm
sido interpretados na prática, nomeadamente
pelo partido vencedor!
A este respeito, devemos lembrar-
-nos sempre de um importante
acordo político alcançado nas negociações
de Roma: em Roma, as
partes acordaram em rever o sistema
de distribuição de votos que estava
consagrado na Constituição de 1990
- que era o chamado sistema de
maiorias. De acordo com este sistema,
o Partido que ganhasse a maioria
dos votos, num determinado círculo
eleitoral, deveria tomar todos os
assentos Parlamentares reservados
para esse círculo eleitoral - que corresponde
a uma Província! Ora, este
principio foi revisto, e em seu lugar
adoptou-se o chamado sistema de
representação proporcional, em que
cada Partido fica com a percentagem
que obteve em cada Província, não
importando se grande, ou pequena!
É na base deste princípio que se
constituem as bancadas do Parlamento;
é na base deste princípio que
se constituem outros órgãos importantes
do Estado, como o Conselho
Constitucional; a Comissão Nacional
de Eleições; o Conselho Superior
da Comunicação Social; o Conselho
Superior da Magistratura Judicial,
etc. Mas a aplicação deste princípio
limita-se apenas a estes órgãos. Na
nossa opinião, este princípio deveria
ser transversal a toda vida política
nacional, e por essa via, o mesmo
princípio iria ter consequências nos
assuntos económicos, nos assuntos
militares e outros
E qual o resultado mais expressivo
deste problema? É o sentimento de
exclusão!
E como se concretizam os processos
de exclusão? Na maioria das vezes,
através de interpretações legalistas
de questões politicas. Assim, os
requerimentos de impugnação de
processos eleitorais, são rejeitados,
porque não obedeceram à forma
prescrita pela Lei; propostas políticas
mais ousadas, de redistribuição
do poder, são igualmente rejeitadas,
porque não estão em harmonia com
a Lei ou com a Constituição da República,
etc. E as rejeições baseadas
numa interpretação literal da lei, significam
que os assuntos não são debatidos;
que os argumentos das partes
não têm oportunidade de serem
esgrimidos e confrontados entre si!
Ora, na nossa opinião, o recurso sistemático
a razões de legalidade ou
de constitucionalidade, como meio
para fechar debates abertos e francos
sobre problemas da sociedade, pode
acentuar o sentimento de exclusão
de muitos moçambicanos.
Porque, no fim do dia, quando de
cada vez que aparece uma sugestão
ela é anulada porque é ilegal
ou inconstitucional, abrem-se dois
riscos: o primeiro risco é os proponentes
sentirem que, através da lei,
nada poderão mudar. E assim vão-se
interrogar sobre que outros meios
podem usar para alcançar mudan-
ças? O segundo risco, consiste em
transformar-se a lei num bem sagrado,
numa verdade bíblica! Mas afinal
é apenas um texto por nós próprios
produzido, e que por isso podemos
nós próprios alterar! Se isso for necessário
para o bem comum!
4. Urgente a intervenção de
novos actores sociais com
novas referências políticas
e morais
O ponto de bloqueio a que as duas
maiores forças políticas do nosso
país regressam sistematicamente,
parece transmitir-nos a seguinte
conclusão: o modelo e a linguagem
de diálogo usados, desde os Acordos
de Roma, já estão esgotados!
Temos a forte impressão de que o
conteúdo das palavras “paz”, “ reconciliação
nacional”; ou da expressão
“Unidade Nacional”, etc. - estas
expressões já perderam o seu verdadeiro
significado, neste formato de
diálogo.
Estamos, por isso, convencidos de
que outras forças sociais devem jogar
papel mais preponderante no
processo. Em estreita colaboração
com o Parlamento, pensamos ser de
considerar seriamente intervenções
mais robustas, de forças sociais como
as seguintes:
a) Organizações religiosas,
enquanto congregações e
não apenas a título individual
de uma ou de outra
figura;
b) O Sector privado, como
actor importante da economia
nacional;
c) A Academia, como fonte
de racionalidade e do pensamento
equilibrado.
De contrário, receamos que, perante
um sentimento generalizado de
frustração entre as populações, possa
ser campo fértil para o incitamento
a caminhos de grande instabilidade
e desordem social, o que só poderia
piorar os níveis de pobreza e atrasar
ainda mais o desenvolvimento económico
e social harmonioso do país.
* Excerto editado pelo SAVANA da
intervenção apresentado pelo autor na
Conferência Nacional sobre Reconciliação
e Paz, organizado pela Rede
Religiosa para Reconciliação e Paz,
que decorreu na Beira nos dias 26-27
de Maio.
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