ELOGIO
FÚNEBRE AO
PROFESSOR
DOUTOR GILLES CISTAC
Por uma Ordem forte, credível e coesa.
Só há uma maneira de ser moçambicano: nascer moçambicano. Mas há várias maneiras de se nascer
moçambicano. Não importam as circunstâncias, mas o momento em que alguém fica moçambicano é
o seu nascimento como moçambicano. Estamos hoje aqui congregados para o Adeus a um
moçambicano a quem lhe foi arrancada a vida muito cedo. Cedo demais.
Esperamos vir a saber se a brutalidade com que de nós foi arrancado foi pela sua inteligência, pelo seu saber, pela coragem e integridade, ou pelo seu orgulho de ser de pensamento livre.
Foi no dia seguinte à abertura do ano judicial onde refletimos sobre a arbitrariedade como alternativa ao Estado de Direito que não aceita que haja quem executa a pena capital ao arrepio da Lei.
Estava longe de pensar que no dia seguinte ao apelo a um maior compromisso com o Estado de Direito teria uma demonstração bárbara do poder dos inimigos do nosso bem-estar e do bom nome desta terra que foi honrada pela decisão voluntária dum grande homem de passar a fazer parte dela.
O Professor Gilles Cistac, um dos melhores juristas que este país conheceu, foi, ao lado da sua sólida
carreira académica, um advogado sempre disponível para a sociedade e para a sua Ordem.
Ninguém dotado de razoável discernimento pode não supor que o móbil do crime esteja ligado aos seus pronunciamentos públicos que terão, quiçá, ofendido os inimigos da liberdade de expressão e de
opinião sendo um mártir da intolerância política que quer matar a cidadania activa. Não sabemos se foi por causa disso, mas temos de procurar as respostas até as encontrarmos, seja essa ou qualquer a causa da sua morte.
E a pergunta que não quer calar é: merecemos Gilles Cistac? Moçambique merece um concidadão
desta estatura, desta verve, desta integridade, deste compromisso com os mais altos valores da
cidadania? Merece? Merecemos? Esta pergunta não se vai calar, aliás, não devia calar-se. Ela tem que
soar aos nossos ouvidos, em cada segundo, em cada minuto, em cada hora e durante todo o dia, dia
após dia, noite após noite. Moçambique merece um cidadão como Gilles Cistac? Merecemos?
Com a sua partida brutal e súbita ficou mais pobre o direito moçambicano em geral e a advocacia em
particular; apagou-se uma extraordinária fonte de conhecimento e de motivação para todos os
advogados. Privou-se-nos dum Colega disponível e que se disponibilizou para o engrandecimento do
Direito em Moçambique.
E a outra pergunta que não querer calar é: um país que valoriza o conhecimento e a competência
merece compatriotas que se excelam no seu campo profissional? Merecemos?
Estou aqui perante vós a ler este elogio fúnebre. Em circunstâncias normais pode ser um alívio estar
presente quando se lê um elogio fúnebre e saber que estamos do lado de quem está a ouvir. Mas as
circunstâncias em que perdemos o nosso colega obrigam a cada um de nós a perguntar-se por quanto
tempo e quando será chegada a sua vez de ser objecto desse elogio?
Com a prematura partida de Gilles Cistac calou-se um vivo servidor e lutador da Justiça e do Direito, um empenhado, dedicado e excelente profissional do Direito.
As suas ideias continuarão a iluminar os tribunais nacionais e internacionais, as salas de aulas e no
conhecimento que os seus discípulos carregam nas suas cabeças.
Se a liberdade de expressão e a vontade de lutar pela justiça está à solta, é mesmo para perguntar:
quantos tiros mais haverá procurando os que defendem essa verdade e essa justiça? Sim. Quantos mais?
Quando? Para quem?
E a pergunta que se recusa a calar é: merecemos ter no nosso seio gente que pode decidir sobre a nossa vida e sobre a nossa morte? Moçambique merece? Esta terra que se constituiu pela luta pela nossa dignidade como humanos merece ter no seu seio aqueles que se arrogam o poder divino de dar e tirar a vida? Humanos como nós?
A vida merece a proteção do Estado.
O Estado não pode tolerar que quem não é capaz de rebater um argumento com que não concorda,
seja permitido usar o argumento da intolerância, do insulto, da depreciação, contrariando a ideia de que a força da lógica deve prevalecer a lógica da força.
A Ordem dos Advogados de Moçambique foi, recentemente, alvo das críticas do Professor Cistac, sendo que para além da contestação pessoal que lhe transmiti, ofereci-o uma cópia do EOA, afinal a critica que fez deu a entender que desconhecia as nossas principais atribuições. Quer ele, quer nós mesmos exercemos o nosso direito constitucional de emitir opinião, quer ele quer nós exercemos esse direito no quadro da prerrogativa que a constituição nos confere como moçambicanos.
O nosso Estado, um Estado de Direito, deve impedir que estas tragédias se repitam, porque mortes são mortes, ninguém pode, nem tem o direito de valorá-las como certas ou justas.
Todas as mortes são condenáveis e repudiáveis em todas as dimensões.
A Ordem dos Advogados de Moçambique, como instituição defensora do Estado de Direito
Democrático, tem feito uma reflexão pública sobre os fortes sinais, de sua degradação e aviltamento,
com o avolumar de indícios de que os criminosos estão cada vez mais de mãos livres e com a dúvida de se as instituições combatentes não estarão condicionadas na sua actuação.
Caro Colega, Professor Gilles Cistac,
Honraremos o sacrifício da tua morte.
Nós, homens e mulheres, comprometidos com uma Justiça Melhor, continuaremos o combate que
travaste pela dignificação do Estado de Direito Democrático em Moçambique.
Nós, homens e mulheres, comprometidos com uma Justiça Melhor, continuaremos a manter a Ordem dos Advogados como uma instituição responsável pela defesa do Estado de Direito Democrático e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e das prerrogativas profissionais dos seus membros.
Nós, homens e mulheres, comprometidos com uma Justiça Melhor, não vamos calar a insegurança, a
injustiça, a falta de liberdade de opinião e de expressão.
Sim. Nós, homens e mulheres, comprometidos com uma Justiça Melhor, não nos calaremos, não porque não podemos, mas que não nos devemos calar.
Eu vou terminar colocando, uma vez mais, uma pergunta que não se quer calar; vou dar o meu último
Adeus a um homem nobre colocando a pergunta que não se deve calar; vou-me retirar para o interior de mim mesmo para fazer o exercício de introspeção que cada um de nós deve fazer colocando a
pergunta que deve pairar no ar em todo o lado onde se encontre um ou mais moçambicanos:
Merecemos? Moçambique merece? Eu mereço o vazio deixado por este ilustre moçambicano?
Por uma Ordem forte, credível e coesa.
Caro Colega, Professor Gilles Cistac,
Não nos podemos despedir de ti, antes de te agradecer por tudo que fizeste antes de partir: ensinar o
direito, ser um servidor da justiça e ser corajoso.
Por isso, a tua família deve orgulhar-se de ti.
Nós nos orgulhamos de ti.
Descanse em PAZ.
Maputo, 10 de Março de 2015
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