segunda-feira, 27 de abril de 2015

Rei Zwelithini: Uma vez um instrumento político... Por Mondli Makhanya*


Há anos, uma proeminente
figura foi detida numa barricada
montada pela polícia em
Durban, acusada de conduzir
sob efeito de álcool.
Na tentativa de mitigar as suas circunstâncias,
o homem disse à polícia que tinha
estado a beber com o Rei Goodwill
Zwelithini. Explicou que o protocolo e
a etiqueta zulus determinavam que ele
não podia recusar a oferta de álcool por
parte do Rei, e que não poderia abandonar
o local antes do Rei se retirar. A
polícia não anuiu ao pedido de clemência,
dizendo que o que o homem estava
ali a dizer não tinha qualquer interesse.
Contudo, o que o pobre homem estava
ali a tentar fazer era demonstrar o quão
fácil se pode evocar o nome do Rei em
vão.
Demonstrou o quanto desprezível é
o homem que hoje ocupa o trono de
Shaka, Cetshwayo e Dingane.
Em zulu, o Rei é conhecido por umlom’
ongathethi manga — a boca de onde não
saem mentiras. Tal é a reverência pelo
monarca e pelas palavras que saem da
sua boca. Pelo menos foi assim antes
do Rei Zwelithini assumir o trono. Nos
últimos 33 anos desde então, a estima
e o respeito pelo trono sofreram grandes
revezes, e o actual rei só é saudado
por uma questão de decoro e não necessariamente
por respeito. As suas palavras
são geralmente ignoradas, sendo
apenas levadas a sério para justificar o
inadmissível.
Nas últimas três semanas, o Rei Zwelithini
voltou a provar mais uma vez
porque é que é tratado com tamanho
desprezo. As suas declarações populistas
sobre estrangeiros como parasitas e
sanguessugas que deveriam arrumar as malas e abandonarem o país não eram
marcas de liderança. Ele estava a fazer
um jogo político, da mesma forma que
o faria um novato nas lides da política.
A sua recusa em usar o seu estatuto
para debelar as chamas da xenofobia, e
a simpatia que demonstrou em relação
a um ministro que lançou um apelo a
favor da responsabilidade na liderança,
são evidências claras da sua falta de visão.
Para entender melhor esta ausência de
liderança, é preciso recordar o papel
de fantoche que ele tem estado a desempenhar
desde que assumiu o trono
em 1971. Na altura, com a idade de 21
anos, o rei encarava-se como pupilo do
seu tio Mangosuthu Buthelezi, que havia
criado para ele próprio a posição de
primeiro-ministro para a monarquia. O
ambicioso Buthelezi via no inexperiente
rei o caminho para a construção do
seu prestígio político.
Nos primeiros anos de Zwelithini,
Buthelezi moldou-o para servir de seu
instrumento. Depois da formação do
Inkatha em 1975, Buthelezi usou o rei
como instrumento para legitimar este
“movimento cultural” como veículo para
a mobilização política dos zulus. O jovem
monarca aceitou fazer parte deste
esquema e, em compensação, Buthelezi
usou os recursos do seu bantustão de
KwaZulu para manter o rei bem alimentado.
A relação tornou-se de certo modo abusiva
nos anos 1980, à medida que Buthelezi
procurava posicionar-se como
um líder nacional, ao mesmo nível que
Oliver Tambo e Nelson Mandela.
Com a conivência do rei, estruturas
tradicionais de liderança tornaram-se
sinónimo do Inkatha. Cerimónias tais
como a comemoração da Batalha de
Isandlwana se tornaram essencialmente
em comícios do Inkatha. No auge das
revoltas contra o apartheid, o rei atacava
o ANC e a Frente Democrática
Unida (UDF) nas suas mensagens de
ano novo através das antenas da Rádio
Zulu. Quando na região do Natal eclodiu
a guerra entre a UDF e o Inkatha,
com o patrocínio do governo do apartheid,
Zwelithini manteve-se sempre
fiel ao tio.
É revelador que tenha sido durante
este período que a estrela de Buthelezi
começou a apagar-se. As suas
mensagens de mobilização caíram em
ouvidos de mercador. A população urbana
virou-se em massa contra o Inkatha
e a maior parte da população rural
passou a seguir esse caminho.
Quanto mais Buthelezi se apercebia de
que o poder lhe estava a fugir das mãos,
mais abusivo se tornava do rei. Houve
rumores de que quando Zwelithini
começou a desenvolver uma personalidade
própria, rebelando-se contra o seu
tio, o fornecimento de água e energia
para os seus palácios foi misteriosamente
interrompido.
Zwelithini continuou a ser usado como
um instrumento político durante as
negociações de Kempton Park. Uma
das principais motivações para que a
delegação do Inkatha defendesse com
tenacidade o sistema de uma África do
Sul federal era para que o território que
se chama hoje de KwaZulu-Natal fosse
um reinado que deveria ser tratado
como uma entidade política própria, e
com amplos poderes para o rei. Estes
poderes seriam, de facto, exercidos pelo
próprio primeiro ministro Buthelezi.
Foi só depois de 1994, com a influência
de Buthelezi seriamente beliscada,
que o ANC viria a usar o seu novo poder
e acesso ao fisco para afastar o rei
de Buthelezi. Com o tradicionalista e
altamente entusiasmado Jacob Zuma
no centro do poder, o ANC conseguiu
mostrar a Zwelithini que havia um futuro
depois de Buthelezi. Zwelithini e
Zuma tornaram-se muito próximos, ao
ponto do rei juntar-se à caravana e passar
a defender ostensivamente o vice-
-presidente do ANC (Zuma) quando
este foi acusado de corrupção.
E quando o ANC finalmente assumiu
o controlo do governo do KwaZulu
Natal, isso tornou a vida do rei muito
mais confortável do que havia sido
durante o governo do bantustão. O rei
passou a ser mais visto na companhia
de líderes do ANC do que com Buthelezi,
dando ao partido maior credibilidade
aos olhos dos líderes tradicionais
e da população rural mais conservadora.
Foi por estas alturas que Zwelithini
reconheceu o seu capital político. Assumiu
uma plataforma e começou a
fazer pronunciamentos reais, alguns ao
nível do seu estatuto, mas outros simplesmente
ridículos. Passou a gastar
mais do que aquilo que o seu orçamento
permitia, sabendo que era intocável.
Teve uma rapariga a ser raptada em seu
nome a partir da Swazilândia, para que
fosse preparada para ser a sua sexta rainha,
sendo capaz de ignorar os protestos
que se seguiram a esse acto porque
tinha alguma cobertura política.
Quando Zwelithini foi alvo de censura
pelas suas declarações xenófobas,
ele sabia que tinha uma boa cobertura
política. O seu amigo — o presidente
tradicionalista — não iria dizer ou fazer
alguma coisa. A liderança provincial
não iria dizer nada contra o umlom’ ongathethi
manga.
Portanto, como nos anos 1980 e 1990,
quando multidões do Inkatha usaram
o seu nome como pretexto para matar
inocentes, os xenófobos podem usar o
seu nome para assassinar estrangeiros.
*City press, Joanesburgo

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