Leiam o extracto do texto, a foto e o meu comentário vem logo a seguir
Funcionários do MITESS aprofundam percepção sobre discursos de Filipe Nyusi
Os funcionários do Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social (MITESS), a diferentes níveis, estão a levar a cabo sessões de estudo e discussão dos discursos do Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, proferidos por ocasião da sua tomada de posse, em Janeiro último, bem como aquando da posse dos membros do seu novo Governo e de Governadores provinciais.
Facilitadores: Professor Francisco, Reverendo Anastácio Chembeze e o jurista e jornalista Tomás Vieira Mário.
Fonte: Jornal Esquento, Sexta-feira, dia 27 de Fevereiro de 2015.
Comentário
Começo por dar os meus parabéns aos facilitadores pelo tempo, pelo esforço e pela inteligência na facilitação. Se o que está aqui escrito for verdade, espero que os presentes tenham aproveitado o momento para explorar com a necessária profundidade as “recomendações contidas nos discursos de Nyusi”, o Presidente da República de Moçambique.
Outrossim, quero exortar a Ministra Vitória Diogo para parar com as “sessões de estudo e discussão dos discursos do Presidente da República” e em substituição fortalecer de entre os técnicos do seu ministério, a cultura do Estado de Direito; da noção de uma burocracia ancorada no primado da lei.
O sociólogo Elisio Macamo escreveu em 2006 que “num Estado de direito não são decisões que contam, mas sim leis”. Di-lo quando criticava justamente a formula da então chefe da ANFP, “decisão tomada, decisão cumprida”. Ou seja, num estado de direito, o que conta não são os discursos, as “recomendações” mas sim leis, principalmente quando tais recomendações são para serem implementadas pelos técnicos. Para que estas recomendações sejam implementáveis, elas devem ser legais. E é justamente por isso que Nyusi por exemplo recomendou a Renamo e Dhlakama a submeterem tudo o que acham importante para o país e respectivas propostas de transformação do figurino político administrativo à Assembleia da República. Ao fazê-lo, Nyusi reconhecia que a sua vontade nem a do Dhlakama eram bastantes para operar qualquer transformação profunda ao país senão pelos órgãos apropriados. E continua Macamo, “leis conferem autoridade a quem toma decisões. A autoridade vem da lei”.
Ora, o que os técnicos precisam quanto a mim não são sessões de explicação dos discursos de Nyusi. O que os técnicos precisam é a certeza de que podem trabalhar livremente dentro dos cânones da lei. Os técnicos precisam é do “poder” de decisão sobre os assuntos da sua responsabilidade.
QUAL É AFINAL O MAL DA VITÓRIA DIOGO AO TER PROMOVIDO ESTES CURSOS?
Ao ter promovido estes cursos, a Dra. Vitória Diogo trocou o respeito pela legalidade substituindo-o pela lealdade ao chefe. Ou seja, lançou uma grande nuvem de poeira sobre como os técnicos devem se comportar doravante: se é obedecendo as leis ou às recomendações do chefe. No final das contas, a Dra. Vitória Diogo está tornar vulneráveis os técnicos do seu ministério ao retirar-lhes a certeza que deve ter sobre as leis que regem o funcionalismo público.
Mas atenção, não estou aqui a dizer que as recomendações do Presidente são ilegais. Não. Estou a dizer que o tipo de pessoas que devem prestar maior atenção às recomendações do chefe não são os técnicos. São os políticos como a Dra. Vitória Diogo. É ela que deve avaliar se aquelas recomendações têm algum enquadramento legal ou não. Se não tiverem, então caberá a ela pensar e esboçar alguma proposta de lei para que depois sejam implementadas pelos técnicos. O que os técnicos querem não é uma interpretação uniforme das recomendações que emanam dos discursos do PR. É pelo contrário, um quadro legal coerente que os permite agir com segurança.
Ao ter promovido aqueles cursos a Dra. Vitória Diogo está por outras palavras a dizer aos técnicos para fazerem e cumprirem o que é o entendimento dela (e dos consultores do discurso) sobre as recomendações do chefe, ou seja, aquilo que ela sonhou em implementar em 2007: decisão tomada, decisão cumprida [arbitrariedade]. O parágrafo seguinte tira quaisquer dúvidas sobre isto:
A iniciativa visa explorar, como profundidade, a percepção criada por cada funcionário do MITESS em torno das referidas comunicações, tendo em conta que os funcionários, no se nobre papel de servidores públicos, são parte activa da implementação dos conteúdos, sobretudo na vertente das recomendações nelas contidas. In: Esquento, 27 de Fevereiro 2015
ISTO PODE PRODUZIR OS SEGUINTES EFEITOS NEFASTOS
• Insegurança do técnico em tomar decisões de acordo com a lei
• Obrigação de sempre “consultar o chefe” mesmo estando certo sobre o caminho a seguir.
• Arbitrariedade na tomada de decisões como resultado da “interpretação difusa” e as vezes extensiva das recomendações
• Promoção de práticas nefastas à função pública entre as quais o “puxa-saquismo” ou o lambebotismo na medida em que o clarividente passará a ser aquele que “melhor entende as recomendações” e não aquele que melhor interpreta e faz as cosias de acordo com a legislação. E interpretar “melhor” passaria s ser aquilo que o “chefe disser SIM”.
• Promoção dos Yes-men.
Iria facilmente concluir que a Dra. Vitória Diogo gosta disto: aparecer como quem melhor entende o chefe e seu pensamento ou quem pelo menos se esforça em entender. Para tal, junta especialistas para ajuda-la a melhor entender e interpretar o pensamento de Nyusi, numa magna reunião por si dirigida e na presença de todos os técnicos. Melhor, replica este exercício por todo ministério e agências subsidiárias! Haverá melhor demonstração de puxa-saquismo que esta?
E não é de hoje este hábito. Ela faz isso de forma aparentemente tão profissional que passa despercebido aos olhos de muitos.
Posso sem rodeios recomendar a Dra. Vitória Diogo a deixar de promover ilegalidades nos sectores onde é dirigente. O seu percurso dentro do governo está cheio de episódios que documentam a sua apetência por um poder arbitrário, autoritário e muitas vezes que não se conforma com as leis vigentes.
VAMOS REVISITAR A HISTÓRIA RECENTE DA SUA GOVERNAÇÃO
1. Em 2006 o Presidente da República criou a Autoridade Nacional da Função Pública – ANFP, com competências ministeriais através do decreto presidencial 2/2006, de 7 de Julho. Meses depois o Professor Giles Cistac chamou atenção para a inconstitucionalidade daquela entidade, a não ser que fosse liminarmente extinta e fosse criado um outro ministério.
2. No dia 23 de Maio de 2007, noventa Deputados da Assembleia da República solicitaram ao Conselho Constitucional a declaração da inconstitucionalidade do Decreto Presidencial nº 2/2006, de 7 de Julho, que cria a Autoridade Nacional da Função Pública, abreviadamente designada ANFP.
3. No dia 16 de Outubro de 2007, o Presidente da República, Armando Guebuza extinguiu a ANFP. E em substituição criou o Ministério da Função Publica.
4. No dia 30 de Novembro de 2007, através do Acórdão nº 06/CC/2007 de 30 de Novembro, o Conselho Constitucional decidiu não se pronunciar sobre a inconstitucionalidade do Decreto Presidencial nº 2/2006, de 7 de Julho, em virtude da sua revogação pelo Decreto Presidencial nº 13/2007, de 16 de Outubro, ter determinado a inutilidade superveniente de uma decisão de mérito.
Nascia assim o Ministério da Função Pública em 2006. O Presidente Guebuza cria assim um Ministério para acomodar uma ideia sua bem como as pessoas com as quais se comprometera. Um ministério diga-se, que nasce de um erro, com todas as consequências económicas para o Estado.
5. Mas enquanto chefe máxima da ANFP, a Dra. Vitória Diogo ficou célebre quando quis obrigar todas as entidades do Estado a aplicar a fórmula uniforme para o fecho da correspondência oficial com as palavras: DECISÃO TOMADA, DECISÃO CUMPRIDA. Para tal, através da Resolução nº001/2007 de 2 de Março, a Autoridade Nacional da Função Pública aprovou a tal tristemente famigerada fórmula. Na verdade esta fórmula não passava do mais recente Consenso do Quelimane, onde o Partido Frelimo acabava de fechar o seu IX Congresso, que teve lugar entre 10 e 14 de Novembro de 2006.
6. A 12 de Abril de 2007, o Concelho Constitucional entendeu que a introdução de uma tal fórmula envolveria sempre juízos de conveniência ou de oportunidade eminentemente políticos, pelo que devia ser objecto de acto legislativo da Assembleia da República ou do Governo nos termos do artigo 143 da Constituição. Nestes termos, o Conselho Constitucional deliberou não aplicar a resolução nº1/2007, de 2 de Março, da Autoridade Nacional da Função Pública, por ser ilegal.
7. Hoje, a Dra. Vitória Diogo junta colaboradores do seu ministério para “aprofundar os discursos do Nyusi” em vez de aprofundar os preceitos legais e empoderar o técnico para que tome decisões de acordo com a lei.
Que genoma eihn!
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