A Originalidade Conservada, Difundindo a Informação
segunda-feira, 2 de março de 2015
É um escândalo para um país tão pobre, quando as pessoas andam de pé descalço, as mamanas morrem nos hospitais do Estado por falta de dieta
«Afonso Dhlakama»
Por Matias Guente
A convicção de Afonso Dhlakama
de que a Frelimo irá aceitar a
sua proposta de atribuição de autonomia
às províncias com efeitos
imediatos transmite a ideia de
que há algo a mais que terá sido
acordado com Filipe Nyusi, mas
que não veio a público, nem pela
boca de um nem pela boca do outro.
O certo é que Dhlakama está
num estranho à vontade sobre a
viabilidade da sua proposta, mesmo
sabendo que quase tudo o que
até aqui acordou com a Frelimo
não foi cumprido. Mas já avisou
o suficiente que qualquer exercício
de entretimento vai dar em
confusão. E desta vez, segundo
Dhlakama, a confusão pode até
começar em Maputo, para que os
“promotores da guerra saibam o
que de facto é a guerra”. As palavras
são dele, que acrescenta que
a Renamo vai governar onde ganhou,
a bem ou a mal. Sobre os
dois centros de poder na Frelimo,
que, de resto, representam a maior
ameaça aos consensos, Dhlakama
diz que não tem medo de Guebuza
e que Guebuza sabe disso.
Fez até um resumo: “Quando
Guebuza levou em Sadjundjira,
entrou na linha. Ele conhece-me,
a Frelimo também”. Leia a Grande
Entrevista a seguir, no clássico
perguntas e respostas, e tire as
suas próprias conclusões sobre o
que faz Dhlakama achar que não
está a ser, mais uma vez, vítima
da sua própria ingenuidade, que
o leva a “comer gato por lebre”.
Canal – Senhor presidente,
queremos saber como é que foi
tomada a decisão de mandar
os deputados tomarem posse
quando havia uma posição de
que os deputados não iriam
tomar posse. Queremos saber
o que fez com que o senhor
presidente mudasse de ideias,
o que fez com que a liderança
da Renamo optasse por tomar
posse numa altura em que protestava
contra os resultados,
porque tomar posse pressupõe
aceitar os resultados. O que pesou
para que mudasse de ideia?
Afonso Dhlakama – Não. A
estratégia foi clara e foi ganha.
Qualquer pessoa entendeu. Sabe
que, desde Novembro, logo a seguir
às eleições de Outubro, nós
estávamos a contestar os resultados.
E já propúnhamos uma alternativa.
Já que a Frelimo roubou,
tínhamos que fazer um Governo
de Gestão, e a Frelimo não tomaria
posse, nem o Nyusi tomaria
posse, porque já que roubaram
tudo. Como forma de acabarmos
de uma só vez com a fraude, falávamos
naquela altura de Governo
de Gestão: juntar a Frelimo, a
Renamo e até a sociedade civil,
para que a função desse Governo
de Gestão fosse a de investigar e
ver os obstáculos que minam o
desenvolvimento da democracia
em Moçambique. E, uma vez
terminados os obstáculos, seriam
convocadas novas eleições. Este
Governo poderia até ter o prazo
de um ano, dois anos ou três anos.
Só que, quando a Frelimo, através
do Conselho Constitucional anunciou
e validou, logo correram,
tomaram posse, e pensavam que
era uma estratégia, tudo. Bom,
quando eu vi aquilo, comecei a
falar das províncias autónomas.
Aquelas províncias em que nós,
apesar de ter havido fraude, resistimos
e ganhámos. Começámos a
falar de governos autónomos nas
províncias onde ganhámos, como
partilha de poder, já que a Frelimo
perdeu, mas tomou posse, porque
roubou, e nós, e qualquer, todo o
mundo viu pelo menos as percentagens
que nós conseguimos, apesar
de tudo, e eu, sobretudo nas
presidenciais, fiquei acima de todos
os outros candidatos. Portanto,
aproveitarmos os dispositivos
da própria lei, como se tratasse de
uma categoria de município superior
com relação às autarquias
existentes. Então eu comecei a falar
disso, a fazer uma campanha, e
sinto que ganhei essa campanha.
Não obstante que estávamos a
protestar contra os resultados, não
poderíamos, naquela altura, admitir
a tomada de posse quer das assembleias
provinciais assim como
da Assembleia da República. Porque
o não tomar posse, para nós,
era forma de pressão. De facto,
esse protesto funcionou, porque
o Governo estava mal, o país estava
mal, muitos investidores já
haviam virado as costas, mesmo
parceiros de cooperação internacional
não largavam os fundos e
donativos. E o Governo estava à
rasca. Mas houve aquele encontro eu e o Nyusi, e o ponto foi este de
autonomia nas províncias onde
conseguimos resistir. Ele disse
que estava tudo bem, nunca disse
que não. E eu continuo a dizer que
ele nunca disse: “Dhlakama, não”.
Canal – Pergunto ao senhor
presidente o que é que ele [Filipe
Nyusi] disse concretamente?
Afonso Dhlakama – Estou a
responder á sua primeira pergunta, porque você quer saber porque
é que o líder da Renamo, depois
da estratégia de não tomada de
posse dos deputados, de repente
tomaram posse. Estou a explicar
o que originou a mudança. Também
estou a dizer que não tomar
posse significava protesto, sim,
protestar. Então, uma vez que eu
o Nyusi tivemos um encontro,
embora não tenhamos mesmo
feito um documento idêntico ao
de Roma, eu e Chissano, ou ao
documento de 5 de Setembro do
ano passado, eu e Guebuza, nós
os dois evitámos isso. Mas o que
fizemos é igual, houve uma espécie
de um acordo, e sobre tudo
quanto combinámos ali fizemos
uma declaração à imprensa. Eu
falei, e ele, ao meu lado, falou
também. E ficou assim. Então eu
coloquei a ele: “Meu irmão, você
não ganhou, mas está a governar.
Só que nós não vamos deixar assim,
alguém a ser chamado de
Presidente da República, sabendo
que não ganhou. Nós também
queremos governar. Como nunca
aconteceu, e isto nós temos que
aproveitar a própria Constituição,
não é ferir a própria Constituição,
portanto torna-se a província de
Sofala uma autarquia, Tete uma
autarquia, Manica uma autarquia,
Zambézia, Nampula, Niassa em
autarquias. Niassa, falávamos de
Niassa, mas, verificando que embora
tenhamos ganho em Niassa,
ultimamente eles tentaram pôr
vários votos para Nyusi com a
diferença entre Dhlakama e Nyusi
de 11 mil votos acima. Portanto o
argumento que estamos a usar de
que quem tiver a maioria numa
província, como tivemos nessas
eleições, podemos governar em
termos assim como uma autarquia
superior com relação a essas autarquias
existentes. Portanto, ali,
para que não sejamos complicados
juridicamente, aproveitando
os dispositivos existentes”. E ele
concordou. Ele disse que não via
nenhum problema nisso, talvez o
problema é que fosse preciso um
debate. Eu disse: “Não, não, não.
Não é preciso debates, debates já
foram feitos, a lei está na Constituição,
não estamos a dizer dividir
o país, chegar em Nampula fazer
mapa disto e daquilo, dizer que é
região autónoma, aqui também é
região autónoma, como está nos
Estados Unidos da América ou
Alemanha”. Eu disse: “Não, não
é isto. É aproveitar interpretar
aquele Artigo 273, no número 4
da Constituição da República,
que diz que as autarquias têm a
categoria de vila, que é a sede de
distrito, como, por exemplo, Milange,
Manhiça, aqui é a categoria
baixa, a categoria um bocadinho
acima é das capitais provinciais,
por exemplo, Beira, Chimoio,
Quelimane; são duas categorias.
Mas a mesma lei abre espaço para
poderem ser criadas mais categorias
de autarquias”. Portanto
ali, juridicamente ninguém pode,
nem aquilo de G40 que anda a
dizer “Ah!, Dhlakama, isto ou
aquilo…, não é nada, não tem
cabimento nenhum”. Maputo cidade,
não é autarquia esta? Toda
a cidade, mas Maputo cidade tem
um governador, e juridicamente
é considerada uma província.
Mas toda ela, cidade de Maputo,
é autarquia. Até porque nomeiam
governador. Então, para concluir
essa pergunta, fizemos uma espécie
de um acordo, sim senhor.
Não haveria problema nenhum.
Só que ele duvidava e até tentou:
“Ah, se isto pode entrar em
vigor, podíamos traçar como projecto,
se calhar daqui a um ano
ou 2019”. Eu disse: “Não, não é
assim. Vamos aproveitar os resultados
dessas eleições, estamos
a reclamar contra os resultados
dessas eleições, para podermos…
Ainda bem, porque o mandato
está a começar. Só se tivéssemos
exigido isso depois de dois anos
das eleições, seria complicado.
Agora, nem você ainda não
saiu do gabinete para andar nas
províncias, então vamos arrancar
juntos”. É a questão de a Renamo
fazer o anteprojecto, meter na Assembleia
da República, como se
tratasse de um acordo assinado
cá fora entre o Governo da Frelimo
e a Renamo, à semelhança
da Lei Eleitoral, que juravam
mesmo que nunca iriam mexer,
esta que fizemos com as eleições,
a nova lei eleitoral. Mas, é claro,
foi preciso a Sandjundjira…
Canal – O que se está a perceber
que se pretende do acordo a
que chegaram é que o projecto
da autonomia vá ao parlamento
no mesmo espírito que foi a
Lei Eleitoral, onde as bancadas
tinham um compromisso. Não
acha que Lei Eleitoral passou
porque havia uma pressão armada?
E, desta vez, vai passar
assim como pretende ir?
Afonso Dhlakama – É que
tem que ser assim mesmo. Eu
acho que o Governo aprendeu
muito, porque mesmo o Governo
de Nyusi é vulnerável. Se eu
quiser impedir a governação,
posso fazer, isso pode escrever,
posso fazer. É só movimentar
uma manifestação com milhares
e milhares de pessoas, fechar a
cidade da Beira. Aquela senhorita
que está lá como governadora
não vai aguentar, no mesmo dia
vai subir avião e sair. Posso fazer
isso, também movimentar aqueles
milhares de macuas, ninguém
vai impedir, ele [Nyusi] sabe, está
consciente, não é preciso disparar.
Só fechar aquelas capitais 24
horas e dizer: “Desmontem isto,
antes de partirmos tudo”. Eu não
quero fazer isto, agora que tenho
mais poder do que quando estive
em Sandjundjira a disparar tiros.
Portanto, estrategicamente está
muito bem planificado. Aliás, naquele
dia mesmo, eu disse à imprensa
que, se a Frelimo, ao metermos
o anteprojecto e a bancada
maioritária tentar retardar, pensar
que “Ah, o Dhlakama já mandou
deputados, pronto, já
ganharam eles”, estão
a enganar-se, porque
não vão governar, eu
não escondi
nada. E
disse
mesmo
que
este irmão
não vai governar.
Todo o mundo
viu a entrevista,
e aquilo não era
propaganda, era
porque eu sinto
que tenho o poder
político para parar
com isto. Acredito
que a própria Frelimo
já entendeu
isso. Portanto, eu
acho que a coisa
está a andar, o projecto
dentro em breve
vai terminar, e muito bem
feito, sem ferir a Constituição,
sem que os da Frelimo digam
“Ah, agora aqui, agora aqui…”.
Não. Tudo vai entrar como se
estivéssemos a criar a categoria
superior da autarquia. Porque,
se estivéssemos a dizer a
região centro e norte,
era uma outra coisa nova. Iria exigir novas eleições
naquelas regiões, para eleger os
órgãos. Agora, não. Vamos aproveitar
a vitória da Renamo naquelas
províncias e vamos aproveitar
dar mais poder às assembleias
provinciais, e vão trabalhar. Não
é dividir o país, não há nada. Tem
que haver autonomia económica
e de finanças, não uma província
autónoma depender do Orçamento
Geral do Estado. Porque
o Orçamento Geral do Estado,
controlado pela maioria, bancada
da Frelimo, é só da República,
isto já não é autarquia. É preciso
que tenhamos poderes de cobrar
os impostos, depois haver onde é
que fica o bolo grande e também
o bolo para o Governo central.
Isto, não estamos a falar de coisas
de fora do mundo. Aqui, na
África do Sul, uma cidade mais
desenvolvida, a cidade
do Cabo, está
sendo dirigida por aquele antigo
partido do “apartheid”, não é o
ANC. Mesmo eu já andava na
Europa, tenho o exemplo da Alemanha,
há um Estado chamado
Estado de Munique ou província
de Munique. Na Baviera, havia
um primeiro-ministro lá, que me
recebia como se estivesse a receber
um chefe do Estado, mas o
Governo do chanceler, na altura
era Helmut Khol que dirigia o
Governo central, não queria ver a
Renamo nem mais, mas o Governo
daquela província recebia-me.
Canal – Senhor presidente,
não acha que as negociações teriam
que ser feitas com o presidente
do partido Frelimo, visto
que, pelos estatutos da Frelimo,
o chefe do Estado, neste caso,
responde ao presidente
do partido.
Como é que olha para isto?
Afonso Dhlakama – Não. Mas
eu não vou para questões internas,
respeito muito os problemas dos
outros, eu tenho os meus, nem eu
gostaria que a Frelimo dissesse
que a Renamo devia mudar assim
os seus estatutos.
Canal – Mas isso tem implicações
na forma como serão
respondidas as exigências da
Renamo, por isso lhe faço esta
pergunta. Nyusi pode aceitar
uma coisa que Guebuza não
quer, por exemplo? É uma hipótese…
Afonso Dhlakama – Não! É
que você quer-me dizer que nos
estatutos da Frelimo quem tem
mais força é o presidente do partido.
Eu sei disso, mas eu respeito
mais a Constituição de Moçambique
do que as normas de funcionamento
das instituições partidárias. O próprio Guebuza, quando
assinou comigo o acordo, era presidente
da Frelimo, era chefe
do Estado simultaneamente.
Eu não negociei com ele
por ser presidente do
partido, mas sim como
chefe do Estado. E
este, estou a negociar
com ele como chefe
do Estado, embora
o Guebuza ainda
não entregou os
poderes do partido.
Acredito que
até Março ou Abril,
Guebuza terá que entregar
o poder, porque
o Chissano quando
saiu lhe entregou.
Canal – Quem
disse ao presidente
Dhlakama que
isso vai acontecer?
Como é que o senhor
presidente sabe
disso?
Afonso Dhlakama –
Ninguém me disse. Eu sei
que vai acontecer porque
nunca na história da Frelimo
o chefe
do Estado ficou fora do comando
do partido, e aquele que cessou
como chefe do Estado continuar
a dirigir o partido. Na Frelimo
nunca aconteceu. Agora, se está
a acontecer com o Guebuza, alguma
coisa, algum problema
interno que ele está a acertar, ou
algumas dívidas internas que ele
tenta fechar aqui, fechar ali, usando
a influência de que tenha no
partido. Mas creio que o partido
Frelimo terá capacidade de resolver.
São questões internas do
partido Frelimo que não nos podem
preocupar. Mas preocupam-
-nos um pouco, porque não é fá-
cil. Porque, até agora, há coisas
que eu acho que o Nyusi poderia
fazer, mas, porque tudo tem que
passar por decisão do presidente
do partido, as coisas são assim.
Por isso eu acredito que a Frelimo
terá de facto a capacidade de
ultrapassar essas duas lideranças
duplas dentro do mesmo partido.
Canal – Senhor presidente, o
que que sente a negociar com o
presidente Nyusi, sendo ele, em
algum momento, o comandante
das operações de Sandjundjira,
que visavam aniquilar o senhor?
Afonso Dhlakama – Não. Não
sinto nada. Quer o Guebuza, quer
o Chissano, infelizmente porque
Samora Machel morreu muito
cedo, mesmo antes da morte de
Samora Machel, para o seu conhecimento,
já havia contactos. Se
Samora Machel não tivesse morrido
naquele ano mesmo de 1986,
antes do fim de 86 eu havia de me
encontrar com Samora Machel
cara a cara, numa das capitais da
Europa, que não quero dizer. Quer
dizer, tudo estava trabalhado. Mas
Samora Machel parecia um homem
impossível de falar com ele.
São actividades políticas. Eu sou
um líder. Alguém pode insultar-
-me na rádio como faz o G40,
“Dhlakama não é nada…”, e
tudo, mas eles sabem que mesmo
essa democracia de que gozam é
graças à estratégia de Dhlakama
que, desde 1977, luta pela democracia
multipartidária. Portanto,
eu ao falar com Nyusi, cada líder
tem as suas características. Eu colaborei
muito com Chissano. Ele
nunca foi da Renamo e eu nunca
fui da Frelimo. Este
[Guebuza] tentou ser
muito arrogante,
só depois
de ter levado em Sandjundjira é
que entrou na linha. Portanto este
[Nyusi], como está a dizer-me, eu
sei que era chefe, era ministro da
Defesa. Até, depois de ter atacado
a minha residência em Sandjundjira,
ele veio lá a gingar e tal, a
entrar nas barracas, mas foi uma
derrota para eles. Acredito que
ele conhece quem é o Dhlakama.
Depois, o Nyusi não consegue
explicar onde é que foram jovens,
milhares e milhares de jovens,
mais de cinco mil e quinhentos
mortos num ano e meio, naquelas
zonas mesmo de Sandjundjira,
Mucoza, Vila Paiva, Muxúnguè,
Inhaminga, Marínguè. E ele sabe,
se os familiares pudessem fazer
revolta e dizer que “queremos os
nossos filhos, onde estão?”, ele ficaria
encostado entre a parede e a
espada. Portanto, eu falei com ele
como homem, como moçambicano.
Senti que ele está preocupado
em ver as coisas, aqueles pendentes
que sejam agora tratados com
seriedade. Mas ele [Nyusi], neste
aspecto, de facto prometeu dar
andamento, mesmo aquelas negociações
do Centro de Conferências
“Joaquim Chissano”, marcam
passo sem sucesso nenhum. Eu
senti que ele estava a falar como
moçambicano, que tem preocupa-
ção de muitos problemas em Moçambique. É o que eu senti nele.
Canal – Falou das negocia-
ções do Centro de Conferências
“Joaquim Chissano”. É por aí,
onde eu ia. Não acha que os resultados
não estão a ser palpá-
veis? Porque não se suspendem
as negociações do Centro de
Conferências “Joaquim Chissano”,
e criam-se encontros de
alto nível como o de final de semana,
que deu resultados, pelo
menos formais?
Afonso Dhlakama – Vamos
ver, não é? De facto, nós tivemos
só dois dias. Em dois dias, avan-
çámos aspectos que, se calhar,
comentados cá fora, as pessoas
podiam pensar que é impossível.
Mas, começámos sábado, domingo
descansámos, e segunda-feira
concluímos. E acredito eu que
agora vamos ver, porque não vale
a pena acordar-se as coisas, embora
não tenhamos assinado papel,
porque ele me disse mesmo que
“Olha, presidente Dhlakama, eu
quero fugir à metodologia dos outros
presidentes. Eu não gosto de
assinar papel, mas eu quero que
aquilo que concordarmos aqui
seja implementado”. É por isso
que não assinámos. Já podíamos
ali elaborar síntese, muito bem, concordou-se isto e aquilo, mas
ele disse que “Eu não gosto fazer
acordos no papel”. Eu disse: “Está
bem, é uma novidade. Agora vamos
ver isto que estamos a combinar,
se iremos implementar”.
Canal – Senhor presidente,
vamos colocar a pior hipótese,
e creio que também as pessoas
querem saber lá fora. E se a Frelimo
reprovar em sede da Assembleia
da República a proposta
da atribuição da autonomia às
províncias, o que vai acontecer?
Afonso Dhlakama – Vamos
entrar em confusão. Isto é
democracia. Não é marxismo-
-leninismo. Vamos manifestar, e
não vão governar. Se calhar podem
governar aqui em Maputo
e Gaza, e lá não vão governar.
Não vão governar, não vai ser
preciso guerra, nem governador,
nem administrador, nem quem.
Isto, escreva em letras grandes.
Canal – Eu faço esta pergunta
porque houve Aacordo de
Roma, Acordo de 5 de Setembro,
mas tudo indica que estes
acordos não estão a funcionar.
Não acha que começa a entrar
em jogo a credibilidade? Qual é
a garantia que existe de que isto
será cumprido?
Afonso Dhlakama – Eu estou
a dizer-te… É pena que vocês
não acompanham o sentido dos
meus comícios. Eu falo muito
bem, comunico-me com as massas.
Você já viu um comício de
75 mil homens? Se alguém pudesse
chegar num comício e contar
“um, dois…”, às vezes podia
apanhar 85 mil. Aquela gente,
quando falo com ela durante 45
minutos, entende perfeitamente o
que o Dhlakama quer. O Dhlakama
explica em 30, 40 minutos,
porque estão interessados em
ouvir o sentido do meu discurso,
e consigo manter isso. Agora, o
que estou a dizer? Estou a dizer
eu que 94, 99, 2004, 2009, nós
deixávamos a Frelimo, não queríamos
confusão, não fazíamos
revolta, mas eu declarei, a partir
do dia 4 de Outubro de 2012, na
nossa reunião da Comissão Política
em Quelimane, e naquele
dia 4 de Outubro de 2012 fiz uma
entrevista em directo com Simeão
Ponguana na TVM. Eu cheguei a
dizer ao Ponguana que hoje, dia 4,
às zero hora e um minuto depois
do dia 4 para dia 5, o Dhlakama
já é outro, a Renamo já é outra. É
quando decidi sair de Nampula, ir
ficar em Sadjundjira como protesto,
e tudo mudou. Essa estratégica
fez com que conseguíssemos a
Lei Eleitoral e salvou a Renamo.
Se nós não tivéssemos feito isso,
seríamos empurrados a fazer elei-
ções com aquela lei antiga, nem
apanharíamos nem cinco deputados.
Tome nota disso. Eu acredito
que mesmo o grupo de radicais
que podem aconselhar o Nyusi
para não cumprir, se o Nyusi for
atrasado poderá aceitar que esses
radicais abram a cova para ele.
Porque é abrir a cova para ele.
Canal – Senhor presidente,
em caso de uma revisão constitucional,
aceitaria o cargo de
vice-presidente?
Afonso Dhlakama – Não, não,
porque eu sou da Renamo, não
aceitaria trabalhar com pessoas
da esquerda. Eu seria obrigado a
cumprir o programa deles, seria
suicídio para mim, seria o fim da
Renamo, não é possível.
Canal – Quando é que volta a
falar com as pessoas?
Afonso Dhlakama – Dentro em
breve. Provavelmente esta semana.
Canal – Faço essa pergunta
porque as pessoas querem saber
se o senhor não se sentiu pressionado
para tomar a decisão
que tomou.
Afonso Dhlakama – Não, não.
Não haveria pressão. O deputado
é submetido ao regimento do partido.
O nosso sistema de lista – e
o deputado depende do partido,
depende da comissão política –
é que o coloca à frente ou atrás.
Não é o sistema britânico ou do
Zimbabwe, em que o deputado
pode decidir, porque ele faz campanha
e ganha o seu círculo. Aqui
não, é a vitória do partido, até é
vitória do pé descalço que fez
campanha aí, a entrar na esquadra,
a receber porrada da Polícia,
para que os nomes passassem.
Ninguém podia experimentar.
No passado, em 2010 aconteceu,
arrependeram-se 16 deputados,
que foram enganados pela Frelimo,
mais tarde perdoámos-lhes.
Veja lá que isso não podia acontecer,
ninguém pressionou. É que
já não havia razão, se eu agora,
em Março, se calhar dia 12 ou
15 ou 16 de Março, basta a Assembleia
da República reunir-se,
meto o projecto. Então, tinham de
tomar a posse agora, para se prepararem,
criar-se as comissões, a
bancada, as discussões para que
o projecto, ao entrar… Aliás, não
tomavam posse porque não havia
ainda negociações. Porque a Frelimo
havia de dizer “Está bem,
façam o projecto, para meter”.
Se isto foi aceite, então o protesto
parou. Não sei se percebeu?
Canal – Até que ponto o presidente
Dhlakama está interessado
no estatuto de segundo
mais votado, com as benesses
que daí advêm?
Afonso Dhlakama – Eu não
preciso, meu amigo. Está a ver
esta casa? Eu não preciso disto.
Se quisesse coisa, há vinte anos
que eu ganho as eleições, a ser
impedido pela Frelimo. Em 94,
ganhei e roubaram, em 99 ganhei
e roubaram, 2004 e 2009 e agora
2014. Portanto, eu não estou
preocupado com condições, não
preciso dessas condições enquanto
o meu povo estiver a sofrer.
Canal – Não acha que isso está
a desgastar o próprio eleitorado
da Renamo, já que o presidente,
segundo as suas palavras, ganha
e depois tem que haver um
acordo com o Governo?
Afonso Dhlakama – Eu não
estou a desgastar.
Canal – Essa possibilidade de
a Renamo não estar no poder…
Afonso Dhlakama – É por
isso, agora nós explicámos ao
povo que nós deixamos essas eleições, as antigas de 94, 99, 2004 e
2009, por uma razão já explicada
várias vezes. África não conhecia
democracia, a própria Europa não
entendia que em África alguém
pudesse reivindicar a luta pela
democracia e acreditar. Só agora,
nos últimos anos, é que, de facto,
as pessoas estão a entender
um pouco. E mais, porque a Renamo
sofreu aquela propaganda
durante 16 anos, que tratava-se
de bandidos e eram instrumento
norte-americano, eram brancos,
porque a democracia no continente
africano não podia ser reivindicada.
Nós éramos independentes
todos. Nós evitámos logo que em
94 e 99 fizéssemos confusão, antes
de nos infiltrarmos nos órgãos
internacionais, nas organizações
internacionais, nas universidades,
antes de conquistarmos amigos
também da família da direita, quer
na América, quer na Europa, quer
na Ásia, quer em África. Agora,
já nos preparámos, é momento
agora para empurrões, para exigir
aquilo que nós perdoávamos.
Por isso, com as eleições de 2014,
queiram como não queiram, queiram
como não os dirigentes da
Frelimo, nós vamos governar as
províncias, não à força, por entendimento, é o modelo que vai ser.
Se eles querem governar também,
a minha ajuda e da Renamo, então
vão nos deixar por bem. Se
quiserem “Ah, não sei, porque”,
então… Todo o mundo, em particular
a Renamo, sabe que eles não
ganharam, roubaram. Acharem
que vão aguentar escravizar o nosso
povo, o nosso eleitorado mais
cinco anos, isso não é possível.
Canal – Senhor presidente,
última questão. Se tivesse que
dizer alguma coisa para o povo
que está à espera de uma solução, o que diria?
Afonso Dhlakama – Eu quero,
de facto, aproveitar o “Canal de
Moçambique”, sei que vai sair na
quarta-feira, que o povo continue
a acreditar no Afonso Dhlakama.
Nada daquilo que o G40 fala de
coisas “Ah, esse acordo vai ser daqui
a cinco anos”, não! Porque, se
for daqui a cinco anos, então a Renamo
fica sem governar, a Frelimo
tem que ficar também sem governar,
e nós todos entrarmos juntos
em 2019. Aqui no meio temos que
arranjar pessoas estranhas que podem
governar Moçambique. Portanto,
nem é preciso guerra, eu já
disse que não quero guerra, nem
quero ouvir disparos. Mas, se vierem
atacar-nos porque Dhlakama
disse que não quer a guerra, eu
tenho dito sempre que não iremos
responder em Sandjundjira, nem
em Muxúnguè, nem no rio Save,
porque é longe demais e eles
vão dizer “Ah, são chingondos
esses, podem-se matar”. Então
a resposta vai ser aqui na cidade
de Maputo, para que os próprios dirigentes que promovem a
guerra sintam a guerra, porque a
guerra é lá onde estão os nossos
pais a serem perseguidos. Eu vou
dar-te um exemplo que é muito
sentimental. O Guebuza, este,
mandava os homens das FADM
a ir a minha casa, naquela altura
em que estive em Sandjundjira,
perseguir o meu pai, para o matar,
porque gerou Dhlakama. Que
era para matar o meu pai, para eu
ficar sem moral. Isso aconteceu,
todo o mundo viu, mas eu nunca
persegui familiares do Guebuza
nem de Chissano. Isto é a cobardia,
as coisas têm que terminar.
Os disparos vão explodir aqui nos
prédios, e nós estamos preparados
para isso. Mas nós não queremos
que isso aconteça. Mas, se eles
nos provocarem, a reacção é esta.
Canal – Senhor presidente,
na última vez em que cá estive,
perguntei-lhe sobre o projecto
de continuidade, continuidade
da liderança. Estamos a imaginar
uma Renamo pós-Dhlakama.
Queria saber com é que
está este projecto de sucessão?
Ou o senhor presidente vai-se
candidatar em 2019?
Afonso Dhlakama – Bom,
eu não posso admitir dizer isso.
Nunca pedi para me candidatar. O
partido sempre é que diz “Chefe,
deve continuar, porque ainda a situação…”
Não é porque ainda não
há pessoas. Mas, se calhar, haja
jovens, mas nós, com certeza, não
podemos admitir manter apenas
velhos. Eu, para ser presidente, se
eu te mostrar o vídeo em 1977, eu
era miúdo, mesmo se eu te mostrar
o vídeo da assinatura do Acordo
de 1992, eu era jovem, eu não
tinha cabelos assim. Jovem, muito
bem, bonito, era rapaz, mas agora
estou ficando velho, é preciso que
eu saiba que a Renamo não é uma
empresa da família Dhlakama,
e, pronto, lutei fisicamente, sou
general e demonstrei capacidade
durante a guerra militar, e agora
estou a dirigir politicamente, mas
a qualquer momento entrego a liderança,
entro na reforma ou por
qualquer motivo, e o partido deve
estar preparado, não sou eu que
devo estar preparado de que quem
me vai substituir é tal fulano. Se
fosse a minha empresa, uma coisa
minha, eu estaria a preparar e a dizer
“Olha, depois de mim, o meu
filho é que tem que ficar ali”. Não,
o partido é que se deve preparar.
Estamos a meter jovens licenciados,
com 24 anos e tudo aquilo.
É que vamos ficando velhos, os
outros a substituir, porque o partido
não pode, não podemos fazer
o plano de 20 anos, só porque estava
no mato a lutar, nós ficarmos
velhos e o partido terminar. Temos
que pegar jovens e termos a coragem
de entregar o poder aos jovens.
É claro dizer: “Os caminhos
são estes”. Eu estava aqui a criticar
a Frelimo, que a Frelimo não
é um partido democrático, é um
partido quase da esquerda, vê-se a
sua maneira de actuação, não tem
nada a ver com a transparência.
Canal – Senhor presidente,
tem nas suas deslocações uma
logística considerável. Quem financia
as suas digressões?
Afonso Dhlakama – O próprio
partido. Pagamos as quotizações,
mas numas condições péssimas.
Se você pudesse qualquer dia andar
comigo, veria que nunca ocupei
um hotel de luxo, não. Podia
ocupar, quando eu viesse aqui,
mesmo naquela altura antes de eu
ter esta casa, vivia num hotel do
tipo uma pensão qualquer. Mas se
eu fosse outro, mesmo se tivesse
dinheiro, eu nunca poderia ocupar
durante dez dias um Hotel Polana,
em que é preciso pagar um quarto
se calhar 12 mil meticais, quando
o salário mínimo de um director
ali da escola é de 3 mil e 600 meticais.
Eu vou gastar 12 mil sem
contar a comida, só alojamento
numa noite, isto é um escândalo
para um país tão pobre, quando
as pessoas andam de pé descalço,
as mamanas morrem nos hospitais
do Estado por falta de dieta.
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