segunda-feira, 2 de março de 2015

É um escândalo para um país tão pobre, quando as pessoas andam de pé descalço, as mamanas morrem nos hospitais do Estado por falta de dieta

«Afonso Dhlakama»

Por Matias Guente 

A convicção de Afonso Dhlakama de que a Frelimo irá aceitar a sua proposta de atribuição de autonomia às províncias com efeitos imediatos transmite a ideia de que há algo a mais que terá sido acordado com Filipe Nyusi, mas que não veio a público, nem pela boca de um nem pela boca do outro. O certo é que Dhlakama está num estranho à vontade sobre a viabilidade da sua proposta, mesmo sabendo que quase tudo o que até aqui acordou com a Frelimo não foi cumprido. Mas já avisou o suficiente que qualquer exercício de entretimento vai dar em confusão. E desta vez, segundo Dhlakama, a confusão pode até começar em Maputo, para que os “promotores da guerra saibam o que de facto é a guerra”. As palavras são dele, que acrescenta que a Renamo vai governar onde ganhou, a bem ou a mal. Sobre os dois centros de poder na Frelimo, que, de resto, representam a maior ameaça aos consensos, Dhlakama diz que não tem medo de Guebuza e que Guebuza sabe disso. Fez até um resumo: “Quando Guebuza levou em Sadjundjira, entrou na linha. Ele conhece-me, a Frelimo também”. Leia a Grande Entrevista a seguir, no clássico perguntas e respostas, e tire as suas próprias conclusões sobre o que faz Dhlakama achar que não está a ser, mais uma vez, vítima da sua própria ingenuidade, que o leva a “comer gato por lebre”. 

Canal – Senhor presidente, queremos saber como é que foi tomada a decisão de mandar os deputados tomarem posse quando havia uma posição de que os deputados não iriam tomar posse. Queremos saber o que fez com que o senhor presidente mudasse de ideias, o que fez com que a liderança da Renamo optasse por tomar posse numa altura em que protestava contra os resultados, porque tomar posse pressupõe aceitar os resultados. O que pesou para que mudasse de ideia? 

Afonso Dhlakama – Não. A estratégia foi clara e foi ganha. Qualquer pessoa entendeu. Sabe que, desde Novembro, logo a seguir às eleições de Outubro, nós estávamos a contestar os resultados. E já propúnhamos uma alternativa. Já que a Frelimo roubou, tínhamos que fazer um Governo de Gestão, e a Frelimo não tomaria posse, nem o Nyusi tomaria posse, porque já que roubaram tudo. Como forma de acabarmos de uma só vez com a fraude, falávamos naquela altura de Governo de Gestão: juntar a Frelimo, a Renamo e até a sociedade civil, para que a função desse Governo de Gestão fosse a de investigar e ver os obstáculos que minam o desenvolvimento da democracia em Moçambique. E, uma vez terminados os obstáculos, seriam convocadas novas eleições. Este Governo poderia até ter o prazo de um ano, dois anos ou três anos. Só que, quando a Frelimo, através do Conselho Constitucional anunciou e validou, logo correram, tomaram posse, e pensavam que era uma estratégia, tudo. Bom, quando eu vi aquilo, comecei a falar das províncias autónomas. Aquelas províncias em que nós, apesar de ter havido fraude, resistimos e ganhámos. Começámos a falar de governos autónomos nas províncias onde ganhámos, como partilha de poder, já que a Frelimo perdeu, mas tomou posse, porque roubou, e nós, e qualquer, todo o mundo viu pelo menos as percentagens que nós conseguimos, apesar de tudo, e eu, sobretudo nas presidenciais, fiquei acima de todos os outros candidatos. Portanto, aproveitarmos os dispositivos da própria lei, como se tratasse de uma categoria de município superior com relação às autarquias existentes. Então eu comecei a falar disso, a fazer uma campanha, e sinto que ganhei essa campanha. Não obstante que estávamos a protestar contra os resultados, não poderíamos, naquela altura, admitir a tomada de posse quer das assembleias provinciais assim como da Assembleia da República. Porque o não tomar posse, para nós, era forma de pressão. De facto, esse protesto funcionou, porque o Governo estava mal, o país estava mal, muitos investidores já haviam virado as costas, mesmo parceiros de cooperação internacional não largavam os fundos e donativos. E o Governo estava à rasca. Mas houve aquele encontro eu e o Nyusi, e o ponto foi este de autonomia nas províncias onde conseguimos resistir. Ele disse que estava tudo bem, nunca disse que não. E eu continuo a dizer que ele nunca disse: “Dhlakama, não”. 

Canal – Pergunto ao senhor presidente o que é que ele [Filipe Nyusi] disse concretamente? 

Afonso Dhlakama – Estou a responder á sua primeira pergunta, porque você quer saber porque é que o líder da Renamo, depois da estratégia de não tomada de posse dos deputados, de repente tomaram posse. Estou a explicar o que originou a mudança. Também estou a dizer que não tomar posse significava protesto, sim, protestar. Então, uma vez que eu o Nyusi tivemos um encontro, embora não tenhamos mesmo feito um documento idêntico ao de Roma, eu e Chissano, ou ao documento de 5 de Setembro do ano passado, eu e Guebuza, nós os dois evitámos isso. Mas o que fizemos é igual, houve uma espécie de um acordo, e sobre tudo quanto combinámos ali fizemos uma declaração à imprensa. Eu falei, e ele, ao meu lado, falou também. E ficou assim. Então eu coloquei a ele: “Meu irmão, você não ganhou, mas está a governar. Só que nós não vamos deixar assim, alguém a ser chamado de Presidente da República, sabendo que não ganhou. Nós também queremos governar. Como nunca aconteceu, e isto nós temos que aproveitar a própria Constituição, não é ferir a própria Constituição, portanto torna-se a província de Sofala uma autarquia, Tete uma autarquia, Manica uma autarquia, Zambézia, Nampula, Niassa em autarquias. Niassa, falávamos de Niassa, mas, verificando que embora tenhamos ganho em Niassa, ultimamente eles tentaram pôr vários votos para Nyusi com a diferença entre Dhlakama e Nyusi de 11 mil votos acima. Portanto o argumento que estamos a usar de que quem tiver a maioria numa província, como tivemos nessas eleições, podemos governar em termos assim como uma autarquia superior com relação a essas autarquias existentes. Portanto, ali, para que não sejamos complicados juridicamente, aproveitando os dispositivos existentes”. E ele concordou. Ele disse que não via nenhum problema nisso, talvez o problema é que fosse preciso um debate. Eu disse: “Não, não, não. Não é preciso debates, debates já foram feitos, a lei está na Constituição, não estamos a dizer dividir o país, chegar em Nampula fazer mapa disto e daquilo, dizer que é região autónoma, aqui também é região autónoma, como está nos Estados Unidos da América ou Alemanha”. Eu disse: “Não, não é isto. É aproveitar interpretar aquele Artigo 273, no número 4 da Constituição da República, que diz que as autarquias têm a categoria de vila, que é a sede de distrito, como, por exemplo, Milange, Manhiça, aqui é a categoria baixa, a categoria um bocadinho acima é das capitais provinciais, por exemplo, Beira, Chimoio, Quelimane; são duas categorias. Mas a mesma lei abre espaço para poderem ser criadas mais categorias de autarquias”. Portanto ali, juridicamente ninguém pode, nem aquilo de G40 que anda a dizer “Ah!, Dhlakama, isto ou aquilo…, não é nada, não tem cabimento nenhum”. Maputo cidade, não é autarquia esta? Toda a cidade, mas Maputo cidade tem um governador, e juridicamente é considerada uma província. Mas toda ela, cidade de Maputo, é autarquia. Até porque nomeiam governador. Então, para concluir essa pergunta, fizemos uma espécie de um acordo, sim senhor. Não haveria problema nenhum. Só que ele duvidava e até tentou: “Ah, se isto pode entrar em vigor, podíamos traçar como projecto, se calhar daqui a um ano ou 2019”. Eu disse: “Não, não é assim. Vamos aproveitar os resultados dessas eleições, estamos a reclamar contra os resultados dessas eleições, para podermos… Ainda bem, porque o mandato está a começar. Só se tivéssemos exigido isso depois de dois anos das eleições, seria complicado. Agora, nem você ainda não saiu do gabinete para andar nas províncias, então vamos arrancar juntos”. É a questão de a Renamo fazer o anteprojecto, meter na Assembleia da República, como se tratasse de um acordo assinado cá fora entre o Governo da Frelimo e a Renamo, à semelhança da Lei Eleitoral, que juravam mesmo que nunca iriam mexer, esta que fizemos com as eleições, a nova lei eleitoral. Mas, é claro, foi preciso a Sandjundjira… 

Canal – O que se está a perceber que se pretende do acordo a que chegaram é que o projecto da autonomia vá ao parlamento no mesmo espírito que foi a Lei Eleitoral, onde as bancadas tinham um compromisso. Não acha que Lei Eleitoral passou porque havia uma pressão armada? E, desta vez, vai passar assim como pretende ir? 

Afonso Dhlakama – É que tem que ser assim mesmo. Eu acho que o Governo aprendeu muito, porque mesmo o Governo de Nyusi é vulnerável. Se eu quiser impedir a governação, posso fazer, isso pode escrever, posso fazer. É só movimentar uma manifestação com milhares e milhares de pessoas, fechar a cidade da Beira. Aquela senhorita que está lá como governadora não vai aguentar, no mesmo dia vai subir avião e sair. Posso fazer isso, também movimentar aqueles milhares de macuas, ninguém vai impedir, ele [Nyusi] sabe, está consciente, não é preciso disparar. Só fechar aquelas capitais 24 horas e dizer: “Desmontem isto, antes de partirmos tudo”. Eu não quero fazer isto, agora que tenho mais poder do que quando estive em Sandjundjira a disparar tiros. Portanto, estrategicamente está muito bem planificado. Aliás, naquele dia mesmo, eu disse à imprensa que, se a Frelimo, ao metermos o anteprojecto e a bancada maioritária tentar retardar, pensar que “Ah, o Dhlakama já mandou deputados, pronto, já ganharam eles”, estão a enganar-se, porque não vão governar, eu não escondi nada. E disse mesmo que este irmão não vai governar. Todo o mundo viu a entrevista, e aquilo não era propaganda, era porque eu sinto que tenho o poder político para parar com isto. Acredito que a própria Frelimo já entendeu isso. Portanto, eu acho que a coisa está a andar, o projecto dentro em breve vai terminar, e muito bem feito, sem ferir a Constituição, sem que os da Frelimo digam “Ah, agora aqui, agora aqui…”. Não. Tudo vai entrar como se estivéssemos a criar a categoria superior da autarquia. Porque, se estivéssemos a dizer a região centro e norte, era uma outra coisa nova. Iria exigir novas eleições naquelas regiões, para eleger os órgãos. Agora, não. Vamos aproveitar a vitória da Renamo naquelas províncias e vamos aproveitar dar mais poder às assembleias provinciais, e vão trabalhar. Não é dividir o país, não há nada. Tem que haver autonomia económica e de finanças, não uma província autónoma depender do Orçamento Geral do Estado. Porque o Orçamento Geral do Estado, controlado pela maioria, bancada da Frelimo, é só da República, isto já não é autarquia. É preciso que tenhamos poderes de cobrar os impostos, depois haver onde é que fica o bolo grande e também o bolo para o Governo central. Isto, não estamos a falar de coisas de fora do mundo. Aqui, na África do Sul, uma cidade mais desenvolvida, a cidade do Cabo, está sendo dirigida por aquele antigo partido do “apartheid”, não é o ANC. Mesmo eu já andava na Europa, tenho o exemplo da Alemanha, há um Estado chamado Estado de Munique ou província de Munique. Na Baviera, havia um primeiro-ministro lá, que me recebia como se estivesse a receber um chefe do Estado, mas o Governo do chanceler, na altura era Helmut Khol que dirigia o Governo central, não queria ver a Renamo nem mais, mas o Governo daquela província recebia-me. 

Canal – Senhor presidente, não acha que as negociações teriam que ser feitas com o presidente do partido Frelimo, visto que, pelos estatutos da Frelimo, o chefe do Estado, neste caso, responde ao presidente do partido. Como é que olha para isto? 

Afonso Dhlakama – Não. Mas eu não vou para questões internas, respeito muito os problemas dos outros, eu tenho os meus, nem eu gostaria que a Frelimo dissesse que a Renamo devia mudar assim os seus estatutos. 

Canal – Mas isso tem implicações na forma como serão respondidas as exigências da Renamo, por isso lhe faço esta pergunta. Nyusi pode aceitar uma coisa que Guebuza não quer, por exemplo? É uma hipótese… 

Afonso Dhlakama – Não! É que você quer-me dizer que nos estatutos da Frelimo quem tem mais força é o presidente do partido. Eu sei disso, mas eu respeito mais a Constituição de Moçambique do que as normas de funcionamento das instituições partidárias. O próprio Guebuza, quando assinou comigo o acordo, era presidente da Frelimo, era chefe do Estado simultaneamente. Eu não negociei com ele por ser presidente do partido, mas sim como chefe do Estado. E este, estou a negociar com ele como chefe do Estado, embora o Guebuza ainda não entregou os poderes do partido. Acredito que até Março ou Abril, Guebuza terá que entregar o poder, porque o Chissano quando saiu lhe entregou. 

Canal – Quem disse ao presidente Dhlakama que isso vai acontecer? Como é que o senhor presidente sabe disso? 

Afonso Dhlakama – Ninguém me disse. Eu sei que vai acontecer porque nunca na história da Frelimo o chefe do Estado ficou fora do comando do partido, e aquele que cessou como chefe do Estado continuar a dirigir o partido. Na Frelimo nunca aconteceu. Agora, se está a acontecer com o Guebuza, alguma coisa, algum problema interno que ele está a acertar, ou algumas dívidas internas que ele tenta fechar aqui, fechar ali, usando a influência de que tenha no partido. Mas creio que o partido Frelimo terá capacidade de resolver. São questões internas do partido Frelimo que não nos podem preocupar. Mas preocupam- -nos um pouco, porque não é fá- cil. Porque, até agora, há coisas que eu acho que o Nyusi poderia fazer, mas, porque tudo tem que passar por decisão do presidente do partido, as coisas são assim. Por isso eu acredito que a Frelimo terá de facto a capacidade de ultrapassar essas duas lideranças duplas dentro do mesmo partido. 

Canal – Senhor presidente, o que que sente a negociar com o presidente Nyusi, sendo ele, em algum momento, o comandante das operações de Sandjundjira, que visavam aniquilar o senhor? 

Afonso Dhlakama – Não. Não sinto nada. Quer o Guebuza, quer o Chissano, infelizmente porque Samora Machel morreu muito cedo, mesmo antes da morte de Samora Machel, para o seu conhecimento, já havia contactos. Se Samora Machel não tivesse morrido naquele ano mesmo de 1986, antes do fim de 86 eu havia de me encontrar com Samora Machel cara a cara, numa das capitais da Europa, que não quero dizer. Quer dizer, tudo estava trabalhado. Mas Samora Machel parecia um homem impossível de falar com ele. São actividades políticas. Eu sou um líder. Alguém pode insultar- -me na rádio como faz o G40, “Dhlakama não é nada…”, e tudo, mas eles sabem que mesmo essa democracia de que gozam é graças à estratégia de Dhlakama que, desde 1977, luta pela democracia multipartidária. Portanto, eu ao falar com Nyusi, cada líder tem as suas características. Eu colaborei muito com Chissano. Ele nunca foi da Renamo e eu nunca fui da Frelimo. Este [Guebuza] tentou ser muito arrogante, só depois de ter levado em Sandjundjira é que entrou na linha. Portanto este [Nyusi], como está a dizer-me, eu sei que era chefe, era ministro da Defesa. Até, depois de ter atacado a minha residência em Sandjundjira, ele veio lá a gingar e tal, a entrar nas barracas, mas foi uma derrota para eles. Acredito que ele conhece quem é o Dhlakama. Depois, o Nyusi não consegue explicar onde é que foram jovens, milhares e milhares de jovens, mais de cinco mil e quinhentos mortos num ano e meio, naquelas zonas mesmo de Sandjundjira, Mucoza, Vila Paiva, Muxúnguè, Inhaminga, Marínguè. E ele sabe, se os familiares pudessem fazer revolta e dizer que “queremos os nossos filhos, onde estão?”, ele ficaria encostado entre a parede e a espada. Portanto, eu falei com ele como homem, como moçambicano. Senti que ele está preocupado em ver as coisas, aqueles pendentes que sejam agora tratados com seriedade. Mas ele [Nyusi], neste aspecto, de facto prometeu dar andamento, mesmo aquelas negociações do Centro de Conferências “Joaquim Chissano”, marcam passo sem sucesso nenhum. Eu senti que ele estava a falar como moçambicano, que tem preocupa- ção de muitos problemas em Moçambique. É o que eu senti nele. 

Canal – Falou das negocia- ções do Centro de Conferências “Joaquim Chissano”. É por aí, onde eu ia. Não acha que os resultados não estão a ser palpá- veis? Porque não se suspendem as negociações do Centro de Conferências “Joaquim Chissano”, e criam-se encontros de alto nível como o de final de semana, que deu resultados, pelo menos formais? 

Afonso Dhlakama – Vamos ver, não é? De facto, nós tivemos só dois dias. Em dois dias, avan- çámos aspectos que, se calhar, comentados cá fora, as pessoas podiam pensar que é impossível. Mas, começámos sábado, domingo descansámos, e segunda-feira concluímos. E acredito eu que agora vamos ver, porque não vale a pena acordar-se as coisas, embora não tenhamos assinado papel, porque ele me disse mesmo que “Olha, presidente Dhlakama, eu quero fugir à metodologia dos outros presidentes. Eu não gosto de assinar papel, mas eu quero que aquilo que concordarmos aqui seja implementado”. É por isso que não assinámos. Já podíamos ali elaborar síntese, muito bem, concordou-se isto e aquilo, mas ele disse que “Eu não gosto fazer acordos no papel”. Eu disse: “Está bem, é uma novidade. Agora vamos ver isto que estamos a combinar, se iremos implementar”. 

Canal – Senhor presidente, vamos colocar a pior hipótese, e creio que também as pessoas querem saber lá fora. E se a Frelimo reprovar em sede da Assembleia da República a proposta da atribuição da autonomia às províncias, o que vai acontecer? 

Afonso Dhlakama – Vamos entrar em confusão. Isto é democracia. Não é marxismo- -leninismo. Vamos manifestar, e não vão governar. Se calhar podem governar aqui em Maputo e Gaza, e lá não vão governar. Não vão governar, não vai ser preciso guerra, nem governador, nem administrador, nem quem. Isto, escreva em letras grandes. 

Canal – Eu faço esta pergunta porque houve Aacordo de Roma, Acordo de 5 de Setembro, mas tudo indica que estes acordos não estão a funcionar. Não acha que começa a entrar em jogo a credibilidade? Qual é a garantia que existe de que isto será cumprido? 

Afonso Dhlakama – Eu estou a dizer-te… É pena que vocês não acompanham o sentido dos meus comícios. Eu falo muito bem, comunico-me com as massas. Você já viu um comício de 75 mil homens? Se alguém pudesse chegar num comício e contar “um, dois…”, às vezes podia apanhar 85 mil. Aquela gente, quando falo com ela durante 45 minutos, entende perfeitamente o que o Dhlakama quer. O Dhlakama explica em 30, 40 minutos, porque estão interessados em ouvir o sentido do meu discurso, e consigo manter isso. Agora, o que estou a dizer? Estou a dizer eu que 94, 99, 2004, 2009, nós deixávamos a Frelimo, não queríamos confusão, não fazíamos revolta, mas eu declarei, a partir do dia 4 de Outubro de 2012, na nossa reunião da Comissão Política em Quelimane, e naquele dia 4 de Outubro de 2012 fiz uma entrevista em directo com Simeão Ponguana na TVM. Eu cheguei a dizer ao Ponguana que hoje, dia 4, às zero hora e um minuto depois do dia 4 para dia 5, o Dhlakama já é outro, a Renamo já é outra. É quando decidi sair de Nampula, ir ficar em Sadjundjira como protesto, e tudo mudou. Essa estratégica fez com que conseguíssemos a Lei Eleitoral e salvou a Renamo. Se nós não tivéssemos feito isso, seríamos empurrados a fazer elei- ções com aquela lei antiga, nem apanharíamos nem cinco deputados. Tome nota disso. Eu acredito que mesmo o grupo de radicais que podem aconselhar o Nyusi para não cumprir, se o Nyusi for atrasado poderá aceitar que esses radicais abram a cova para ele. Porque é abrir a cova para ele. 

Canal – Senhor presidente, em caso de uma revisão constitucional, aceitaria o cargo de vice-presidente? 

Afonso Dhlakama – Não, não, porque eu sou da Renamo, não aceitaria trabalhar com pessoas da esquerda. Eu seria obrigado a cumprir o programa deles, seria suicídio para mim, seria o fim da Renamo, não é possível.

Canal – Quando é que volta a falar com as pessoas? Afonso Dhlakama – Dentro em breve. Provavelmente esta semana. Canal – Faço essa pergunta porque as pessoas querem saber se o senhor não se sentiu pressionado para tomar a decisão que tomou. 

Afonso Dhlakama – Não, não. Não haveria pressão. O deputado é submetido ao regimento do partido. O nosso sistema de lista – e o deputado depende do partido, depende da comissão política – é que o coloca à frente ou atrás. Não é o sistema britânico ou do Zimbabwe, em que o deputado pode decidir, porque ele faz campanha e ganha o seu círculo. Aqui não, é a vitória do partido, até é vitória do pé descalço que fez campanha aí, a entrar na esquadra, a receber porrada da Polícia, para que os nomes passassem. Ninguém podia experimentar. No passado, em 2010 aconteceu, arrependeram-se 16 deputados, que foram enganados pela Frelimo, mais tarde perdoámos-lhes. Veja lá que isso não podia acontecer, ninguém pressionou. É que já não havia razão, se eu agora, em Março, se calhar dia 12 ou 15 ou 16 de Março, basta a Assembleia da República reunir-se, meto o projecto. Então, tinham de tomar a posse agora, para se prepararem, criar-se as comissões, a bancada, as discussões para que o projecto, ao entrar… Aliás, não tomavam posse porque não havia ainda negociações. Porque a Frelimo havia de dizer “Está bem, façam o projecto, para meter”. Se isto foi aceite, então o protesto parou. Não sei se percebeu? 

Canal – Até que ponto o presidente Dhlakama está interessado no estatuto de segundo mais votado, com as benesses que daí advêm? 

Afonso Dhlakama – Eu não preciso, meu amigo. Está a ver esta casa? Eu não preciso disto. Se quisesse coisa, há vinte anos que eu ganho as eleições, a ser impedido pela Frelimo. Em 94, ganhei e roubaram, em 99 ganhei e roubaram, 2004 e 2009 e agora 2014. Portanto, eu não estou preocupado com condições, não preciso dessas condições enquanto o meu povo estiver a sofrer. 

Canal – Não acha que isso está a desgastar o próprio eleitorado da Renamo, já que o presidente, segundo as suas palavras, ganha e depois tem que haver um acordo com o Governo? 

Afonso Dhlakama – Eu não estou a desgastar. 

Canal – Essa possibilidade de a Renamo não estar no poder… 

Afonso Dhlakama – É por isso, agora nós explicámos ao povo que nós deixamos essas eleições, as antigas de 94, 99, 2004 e 2009, por uma razão já explicada várias vezes. África não conhecia democracia, a própria Europa não entendia que em África alguém pudesse reivindicar a luta pela democracia e acreditar. Só agora, nos últimos anos, é que, de facto, as pessoas estão a entender um pouco. E mais, porque a Renamo sofreu aquela propaganda durante 16 anos, que tratava-se de bandidos e eram instrumento norte-americano, eram brancos, porque a democracia no continente africano não podia ser reivindicada. Nós éramos independentes todos. Nós evitámos logo que em 94 e 99 fizéssemos confusão, antes de nos infiltrarmos nos órgãos internacionais, nas organizações internacionais, nas universidades, antes de conquistarmos amigos também da família da direita, quer na América, quer na Europa, quer na Ásia, quer em África. Agora, já nos preparámos, é momento agora para empurrões, para exigir aquilo que nós perdoávamos. Por isso, com as eleições de 2014, queiram como não queiram, queiram como não os dirigentes da Frelimo, nós vamos governar as províncias, não à força, por entendimento, é o modelo que vai ser. Se eles querem governar também, a minha ajuda e da Renamo, então vão nos deixar por bem. Se quiserem “Ah, não sei, porque”, então… Todo o mundo, em particular a Renamo, sabe que eles não ganharam, roubaram. Acharem que vão aguentar escravizar o nosso povo, o nosso eleitorado mais cinco anos, isso não é possível. 

Canal – Senhor presidente, última questão. Se tivesse que dizer alguma coisa para o povo que está à espera de uma solução, o que diria? 

Afonso Dhlakama – Eu quero, de facto, aproveitar o “Canal de Moçambique”, sei que vai sair na quarta-feira, que o povo continue a acreditar no Afonso Dhlakama. Nada daquilo que o G40 fala de coisas “Ah, esse acordo vai ser daqui a cinco anos”, não! Porque, se for daqui a cinco anos, então a Renamo fica sem governar, a Frelimo tem que ficar também sem governar, e nós todos entrarmos juntos em 2019. Aqui no meio temos que arranjar pessoas estranhas que podem governar Moçambique. Portanto, nem é preciso guerra, eu já disse que não quero guerra, nem quero ouvir disparos. Mas, se vierem atacar-nos porque Dhlakama disse que não quer a guerra, eu tenho dito sempre que não iremos responder em Sandjundjira, nem em Muxúnguè, nem no rio Save, porque é longe demais e eles vão dizer “Ah, são chingondos esses, podem-se matar”. Então a resposta vai ser aqui na cidade de Maputo, para que os próprios dirigentes que promovem a guerra sintam a guerra, porque a guerra é lá onde estão os nossos pais a serem perseguidos. Eu vou dar-te um exemplo que é muito sentimental. O Guebuza, este, mandava os homens das FADM a ir a minha casa, naquela altura em que estive em Sandjundjira, perseguir o meu pai, para o matar, porque gerou Dhlakama. Que era para matar o meu pai, para eu ficar sem moral. Isso aconteceu, todo o mundo viu, mas eu nunca persegui familiares do Guebuza nem de Chissano. Isto é a cobardia, as coisas têm que terminar. Os disparos vão explodir aqui nos prédios, e nós estamos preparados para isso. Mas nós não queremos que isso aconteça. Mas, se eles nos provocarem, a reacção é esta. 

Canal – Senhor presidente, na última vez em que cá estive, perguntei-lhe sobre o projecto de continuidade, continuidade da liderança. Estamos a imaginar uma Renamo pós-Dhlakama. Queria saber com é que está este projecto de sucessão? Ou o senhor presidente vai-se candidatar em 2019? 

Afonso Dhlakama – Bom, eu não posso admitir dizer isso. Nunca pedi para me candidatar. O partido sempre é que diz “Chefe, deve continuar, porque ainda a situação…” Não é porque ainda não há pessoas. Mas, se calhar, haja jovens, mas nós, com certeza, não podemos admitir manter apenas velhos. Eu, para ser presidente, se eu te mostrar o vídeo em 1977, eu era miúdo, mesmo se eu te mostrar o vídeo da assinatura do Acordo de 1992, eu era jovem, eu não tinha cabelos assim. Jovem, muito bem, bonito, era rapaz, mas agora estou ficando velho, é preciso que eu saiba que a Renamo não é uma empresa da família Dhlakama, e, pronto, lutei fisicamente, sou general e demonstrei capacidade durante a guerra militar, e agora estou a dirigir politicamente, mas a qualquer momento entrego a liderança, entro na reforma ou por qualquer motivo, e o partido deve estar preparado, não sou eu que devo estar preparado de que quem me vai substituir é tal fulano. Se fosse a minha empresa, uma coisa minha, eu estaria a preparar e a dizer “Olha, depois de mim, o meu filho é que tem que ficar ali”. Não, o partido é que se deve preparar. Estamos a meter jovens licenciados, com 24 anos e tudo aquilo. É que vamos ficando velhos, os outros a substituir, porque o partido não pode, não podemos fazer o plano de 20 anos, só porque estava no mato a lutar, nós ficarmos velhos e o partido terminar. Temos que pegar jovens e termos a coragem de entregar o poder aos jovens. É claro dizer: “Os caminhos são estes”. Eu estava aqui a criticar a Frelimo, que a Frelimo não é um partido democrático, é um partido quase da esquerda, vê-se a sua maneira de actuação, não tem nada a ver com a transparência. 

Canal – Senhor presidente, tem nas suas deslocações uma logística considerável. Quem financia as suas digressões? 

Afonso Dhlakama – O próprio partido. Pagamos as quotizações, mas numas condições péssimas. Se você pudesse qualquer dia andar comigo, veria que nunca ocupei um hotel de luxo, não. Podia ocupar, quando eu viesse aqui, mesmo naquela altura antes de eu ter esta casa, vivia num hotel do tipo uma pensão qualquer. Mas se eu fosse outro, mesmo se tivesse dinheiro, eu nunca poderia ocupar durante dez dias um Hotel Polana, em que é preciso pagar um quarto se calhar 12 mil meticais, quando o salário mínimo de um director ali da escola é de 3 mil e 600 meticais. Eu vou gastar 12 mil sem contar a comida, só alojamento numa noite, isto é um escândalo para um país tão pobre, quando as pessoas andam de pé descalço, as mamanas morrem nos hospitais do Estado por falta de dieta.

Sem comentários:

Enviar um comentário

MTQ