Grande Entrevista
O Presidente da República, Filipe Nyusi, e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, acordaram submeter a proposta de regiões autónomas ao Parlamento. Hoje, membros da Comissão da Frelimo estão em campanha contra essa mesma ideia. Qual é a sua opinião em relação a este aspecto?
Não há dúvidas de que há diferenças entre a iniciativa do Presidente da República e as declarações do nosso partido. O Presidente Nyusi tomou uma iniciativa importantíssima porque abre caminhos para desbloquear uma situação que se ia agravando de forma praticamente insustentável para as pessoas. Ao meu ver, o presidente da Renamo colocou as suas ideias ao Presidente da República e este indicou onde elas deviam ser colocadas. Afonso Dhlakama aceitou esta contraproposta e consideramos isso extremamente positivo, porque a Assembleia da República é o fórum próprio para debater a questão. Entretanto, a vários níveis ouvimos dirigentes do nosso partido pronunciando-se de forma a rejeitar a ideia, mesmo não tendo sido apresentada. Não podemos tomar atitudes ou pronunciamentos como se já tivéssemos discutido o projecto. Neste momento, a Renamo devia estar concentrada na elaboração da proposta. Os deputados das outras bancadas deviam, a meu ver, estudar e discutir de forma séria as ideias que, provavelmente, vão nortear a proposta. Temos que fazer uma preparação para este debate e não antecipar posicionamentos sobre algo que não se conhece.
Considera, então, acertada a decisão do Presidente da República?
Não tenho a menor dúvida, eu apoio completamente a posição do Presidente da República. Ele não se arrogou poderes que não tem, não decidiu sobre nada, indicou o fórum próprio onde o debate e a decisão devem ocorrer. Ele aí respeitou a Constituição da República.
É oportuna a aparição dos membros seniores da Frelimo sabendo que foi o partido que suportou a candidatura de Filipe Nyusi?
Estes pronunciamentos levantam problemas que podem gerar equívocos perigosos. Há pronunciamentos que põem em causa o Presidente da República. O Chefe de Estado é o mais alto magistrado da Nação, o símbolo da unidade nacional, o garante da Constituição, o Comandante em Chefe das Forças de Defesa e Segurança e não pode aparecer, em nenhum momento, alguma instância acima dele. Seja de que partido for o presidente, o partido e o presidente estão vinculados à Constituição. A Constituição diz que os partidos estão subordinados aos princípios e normas constitucionais. Nenhum partido, mesmo ao que pertenço, escapa a isso, portanto, não pode haver nenhuma apreciação como já por vezes ouvi aí equívocos, leituras que dizem que o presidente se subordina a alguma instância partidária.
Que leitura faz do posicionamento da Comissão Política, sobretudo a ideia de que “não queremos as regiões autónomas”?
Não quero fazer nenhuma leitura neste momento, pois é um assunto que naturalmente poderá merecer análise dentro do partido. Quem tiver dúvidas poderá levantar. Eu próprio já tenho levantado ao nível das reuniões que temos.
O nº 2 do artigo 76 dos Estatutos da Frelimo diz que os titulares de cargos no governo, eleitos pelo partido respondem à Comissão Política. Até que ponto este artigo está em conformidade com a Constituição?
As normas quer estatutárias e regulamentares quer legais têm que ser interpretadas e os estatutos do partido Frelimo não escapam a essa regra. Elas têm que ser interpretadas com todo o rigor jurídico e não de maneira que o resultado seja inconstitucional. Os princípios constitucionais dizem que o Chefe do Governo é o Presidente da República. Portanto, o Presidente da República não responde nem perante a Assembleia da República nos termos da Constituição.
Então, considera inconstitucional o artigo dos estatutos da Frelimo?
Se a interpretação for essa é inconstitucional, mas não é a única interpretação possível, por isso chamo atenção para ler e interpretar com muita cautela.
Acha que a proposta do anteprojecto de criação de regiões autónomas vai passar na Assembleia da República?
Não podemos pôr em causa a competência da Assembleia da República, daí que tenho as minhas reservas quando as questões são colocadas em forma de ultimato, quando se trata do destino do Estado. Não podemos pôr em causa a competência do Parlamento. Este debate não pode ser antecipado por caminhos infelizes, encobertos de alguma acção política de mobilização. Devemos levar a sério esse debate e, para tal, temos que ver seriedade nos deputados.
Considero que o trabalho que se deve fazer neste momento é o estudo, análise e discussão interna em preparação do debate da Assembleia da República e isso deve acontecer em todos os partidos que entram na Assembleia da República. Não parece que eles devam vir fazer o debate agora na comunicação social. Não podemos cair numa situação em que uns gritam e outros também gritam. Parece que ficamos numa situação em que vamos ver quem é que grita mais.
É da opinião de que o actual presidente da Frelimo deve entregar a presidência antes do término do mandato?
Aquilo que eu penso é que os órgãos do partido vão tomar as decisões necessárias para resolver um problema que não é um problema a não ser que o inventemos nesse sentido.
O facto é que esta questão não está escrita nos estatutos do partido, resulta de alguma experiência. Considera existir ambiente para tal?
Esses princípios e normas foram colocados em prática numa situação não muito antiga. Foi há dez anos com o presidente Chissano. Nos não podemos agir com um peso e duas medidas. Eu teria muita dificuldade de imaginar quais são os argumentos para não cessar. Esse argumento de que o mandato conferido pelo congresso ia além não se enquadra, pois até ao mandato do presidente Chissano ia além.
Joaquim Chissano renunciou ao cargo por vontade própria. Pode não haver vontade de renúncia por parte do actual presidente da Frelimo?
O presidente Chissano, em relação ao Estado, tinha a possibilidade de se recandidatar e ele veio colocar a sua indisponibilidade. Em relação à presidência do partido, ele era presidente do partido e veio a renunciar porque o desfasamento entre a presidência do partido e a presidência da República não obedecia ao princípio do poder unitário, que é o princípio à luz do qual a Frelimo foi instituída e sempre funcionou. O que está a colocar é que alguém pode não querer agir de acordo com os princípios do partido. Aí está a colocar um problema complexo. Em todo o caso, os órgãos competentes discutem a sério se há algo que põe em causa os princípios e as causas que foram sendo seguidos de determinada maneira.
Sendo um ponto fundamental, qual é a dificuldade do partido em colocá-lo nos estatutos?
Nós temos bons estatutos, mas não são perfeitos. É preciso fazer um esforço de articulação e interpretação jurídica e correcta dos estatutos de modo que eles não resultem inconstitucionais. Significa que se algumas zonas do estatuto não estão claras, precisam de interpretação. De congresso em congresso nos tínhamos que fazer um esforço de melhorar os nossos estatutos na perspectiva de nos conformarmos com a Constituição.
Seria surpreendente se a presidência do partido não fosse passada a Filipe Nyusi antes do fim do mandato de Armando Guebuza?
Não há dúvida que seria surpreendente, pois não corresponderia a uma prática que conheço e que estamos todos habituados. É preciso conformar o entendimento que nós temos dos estatutos e conformá-los com os ditames da Constituição sob pena de chegarmos a conclusões absolutamente incomportáveis com a constituição e que podem colocar em causa o respeito que devemos ter com o mais alto magistrado da Nação.
Que comentário faz em relação ao membro sénior Gabriel Muthisse no Facebook em resposta à publicação de Marcelo Mosse?
Não sei em que contexto se fez esse pronunciamento, mas parece-me, pelo que eu entendo, que o Presidente Nyusi quis afastar-se, legislar-se e julgar-se superior à Frelimo. Já ouviu esse pronunciamento crítico, eu acho que estaríamos a elaborar um equívoco em suspeitar o Presidente. Nyusi é membro do Comité Central tal como fomos nós que o escolhemos como nosso candidato a Presidente da República. O Presidente Nyusi assume e exerce na plenitude os poderes que estão na Constituição, foi por isso que ele foi eleito. Nós, no partido Frelimo, somos os primeiros a respeitar esses princípios.
Haverá condições para que, de facto, Filipe Nyusi tenha tranquilidade na sua governação?
Ele é o garante da Constituição e tem um grande compromisso que ultrapassa tudo e a todos. Foi investido publicamente, portanto devem ser criadas as condições para que o Presidente efectivamente exerça o poder sem obstáculos, inerências daquilo que são as normas da própria Constituição. Se há problemas dentro do partido Frelimo devem ser resolvidos, mas não podem prejudicar o compromisso daquilo que é o mandato do Presidente.
Considera que está a ser prejudicado o desempenho do Presidente da República?
O Presidente da República tomou uma iniciativa em aberto e tinha provocado um desanuviamento salutar. Entretanto, houve desenvolvimentos que parecem reconduzirem-nos a situações anteriores. E se de facto isso nos reconduzir a situações anteriores de tensão em virtude de algo que está desalinhado com a iniciativa do Presidente, é preciso resolver esses problemas lá onde eles surgem, e muito urgentemente, não são problemas para se adiar.
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