Antes de quaisquer considerações, deixo ficar registado que nutro um subido apreço e assinalável admiração pelo Prof. Doutor Gilles Cistac, que foi meu docente na disciplina de Direito Administrativo, em 2001, na prestigiada Faculdade de Direito da UEM. Sempre o considerei uma referência no panorama jurídico nacional, cujas intervenções sempre mereceram, da minha parte, apreciável atenção, consideração e, sobretudo, delas muita aprendizagem pude (ab)sorver e, por isso, muito o agradeço.
No entanto, considero que não podem passar sem o devido reparo rectificativo, as declarações por si emitidas no Canal televisivo STV, na Sexta-feira transacta, quando analisava e debruçava-se acerca do pronunciamento por mim efectuado, em representação da Ordem dos Advogados, o qual [pronunciamento] gravitava em torno das atitudes perpetradas pelo líder da Renamo (refiro-me concretamente às declarações ameaçadoras e atentórias à estabilidade política e social, provenientes das cordas vocais daquele líder, cuja repetibilidade, recorrência e reincidência do discurso belicista é sua imagem de marca – e afirmo isto com toda a frontalidade e destemidez).
No pronunciamento que acima me referi, quando fui questionado para realizar um ENQUADRAMENTO JURÍDICO sobre declarações do líder da Renamo, sem hesitação, retorqui que elas, além de perturbarem flagrantemente a atmosfera político-social do solo pátrio, têm perfeito enquadramento nas normas punitivas do Código Penal moçambicano. Aproveitei para recordar que, pelo emprego de declarações similares e em situações análogas, alguns membros do partido Renamo viram os seus direitos à liberdade serem restringidos até o máximo permitido por lei, isto é, foram alvo de prisões.
Convidado a comentar as declarações por mim emitidas, o ilustre Professor não se inibiu em aduzir que a OAM não tem legitimidade para opinar sobre o que apelidou de “assuntos políticos” e que aquela organização deveria, apenas, preocupar-se com os “assuntos dos advogados”.
Aqui começa a desenhar-se a interpretação amplamente errónea que o catedrático Professor efectua no que se circunscrevem às atribuições da OAM, bem como dos direitos/deveres do advogado.
As atribuições da OAM estão estabelecidas no seu Estatuto (EOAM) aprovado pela Lei n.º 28/2009 e são translúcidas ao delimitarem o raio de acção dentro do qual a OAM pode “surfar”.
À título de exemplo (para o conhecimento do Prof.), constituem atribuições da OAM: «defender o Estado de Direito Democrático, os direitos e liberdades fundamentais e participar na boa administração da justiça» (alínea a) do artigo 4 do EOAM); «contribuir ara o desenvolvimento da cultura jurídica…» (alínea b) do artigo 4 do EOAM);
Em acréscimo, a alínea d) do artigo 76 do EOAM salienta que «constituem deveres do advogado para com a comunidade, pugnar pela boa aplicação das leis (…) e pelo aperfeiçoamento das instituições jurídicas».
Como facilmente se pode concluir, sem qualquer esforço interpretativo, é inquestionável a legitimidade da OAM em intervir nos termos em que interveio e tem todo o direito (simultaneamente dever) em tecer os pronunciamentos nos termos em que os enunciou.
Poderia, o ilustre Professor, não concordar com o enquadramento jurídico subsumido, mas nunca deveria arrebitar-se categoricamente em determinar que a OAM não se deve imiscuir no assunto em apreço.
É indesmentível que o Professor encontra-se rotundamente equivocado no que concerne às atribuições da OAM.
É, também, indiscutível que o Professor precipitou-se ao pretender “dar lições” à OAM, pois, devia, no seu “Parecer” exibido na STV, ter tido o cuidado e o rigor que se esperam de uma figura com os seus pergaminhos (incontestavelmente elevados, pois o Prof. é uma figura de reconhecido mérito), de não manietar a opinião pública, escamoteando a verdade, truncando os factos, entorpecendo a realidade, desvirtuando a clareza da situação e arqueando a capacidade cognitiva dos interlocutores que o assistiram.
Equivocou-se, fez realces indevidos, camuflou a verdade e, usando a sua “influência académica” como capa de verniz, colocou em erro a opinião pública, numa tentativa de desacreditar a OAM ou o membro que tinha sido destacado para a representar na temática em referência – eu.
E o que dizer da sugestão em “arremessar”, para a opinião pública, a ideia segundo a qual o líder da Renamo tem “cobertura legal” para governar nos “recintos” que alegadamente venceu nas defuntas eleições presidenciais e legislativas (quando todos sabemos que as eleições visavam o pleito presidencial e legislativo sobre um país uno e indivisível, pretendendo-se criar a imagem de que a Constituição permite, através de eleições presidenciais e legislativas, a governação paralela e autónoma de algumas Províncias “autónomas”)?
Como é possível que o Prof. Cistac “instigue” Dhlakama a perseguir esse objectivo? Ainda que tal medida seja permitida pela Constituição, não existe nenhum dispositivo quer constitucional quer infraconstitucional que obrigue o Governo democraticamente eleito a aceitar tal pretensão. E tais províncias autónomas careceriam de ser criadas por Lei, e NUNCA através de uma reivindicação com recurso ao uso da força por parte do candidato derrotado nas eleições presidenciais, como forma do país acalentar as suas “seculares” ambições de presidir o país (ou, agora, “províncias autónomas”). Sinceramente…
Não deixa de ser inquietante a contradição insanável da sugestão que “arremessa”, pois, por um lado, diz que Dhlakama possui cobertura legal para reivindicar a governação em “Províncias autónomas” para, depois, assumir que tal quadro panorâmico carece(ria) de necessária e imprescindível intervenção legislativa que criasse tais “províncias”. Ora, se a criação das Províncias autónomas carece de intervenção legislativa, é logico que não existe “cobertura legal” para as reivindicar. Não se reivindica o que não existe!!! (com a circunstância qualificativa agravante desse Partido primar-se pela ausência nas sessões da Assembleia da República, local onde tal lei seria elaborada…).
Nada tenho contra quem pretende alcandorar-se a defensor oficioso deste ou daquele Partido. Mas não deixo ficar sem reparo a tentativa de coonestar atrocidades jurídicas à custa de declarações [de conteúdo técnico-jurídico] tão repletas de veracidade e legitimidade para o efeito, como foram as que emiti, de pendor objectivo, imparcial, neutral, isento e equidistante, integralmente indiferentes e desinteressadas relativamente aos factos políticos em disputa, acrescido ao facto de tais declarações se encontrarem devidamente sustentadas por Lei – Código Penal – e ao abrigo do que me permite o EOAM.
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