31.01.2015
AFONSO CAMÕES
Diria o nosso Torga que "não há Cervantes que resista entre duas colunas de uma gazeta, como não há Beethoven que se aguente entre dois fados" da Mouraria ou do Infante. Há mais de um lustro que o economês domina o discurso em palco, da política aos meios de comunicação. E há razões para isso: da pobreza ao desemprego e ao peso da dívida que grassa por toda a Europa periférica, como os portugueses bem sentem.
O ciclo político e eleitoral que se avizinha não vai falar de outra coisa. Venho, pois, contra a corrente: as áreas da cultura, ou das chamadas indústrias criativas, geram hoje sete milhões de postos de trabalho em toda a União Europeia, um número maior do que a soma de todos os empregos criados nas áreas das telecomunicações, da indústria química e da automação. Eis o terceiro setor com mais emprego direto na Europa, com uma faturação anual calculada em 535 mil milhões de euros.
Num continente de espartilhos, de novo ameaçado pela emergência de velhos nacionalismos, é preciso recordar que, muito antes da união económica, foi sempre a cultura - da arte à literatura, à música e a um largo et cetera de criatividade - que cimentou os laços entre europeus.
Por cá, a taxa de crescimento média anual das exportações culturais e criativas excedeu os 10% na última década, enquanto a economia no seu todo cresceu 9,8%.
Tem razão Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, quando elege a cultura, "fator de coesão e desenvolvimento", como um dos pilares do seu mandato.
Entre as principais recomendações de um estudo pago pelo Ministério da Economia e pela Secretaria de Estado da Cultura, diz-se que é preciso encontrar as sinergias entre cultura, turismo e indústria. E que é necessário mudar o "paradigma competitivo" do país, incluindo cada vez mais a inovação, a diferenciação e a valorização da língua portuguesa, como fatores potenciais de exportação. "Todas as indústrias terão de ser criativas, senão desaparecem na Europa".
Pois bem: a distribuição dos fundos europeus que aí vêm, no horizonte de 2020, não pode ignorar a urgência de investimento em cultura e conhecimento. Porque - cito Paulo Vallada, um outro ilustre antigo presidente da Câmara do Porto - "fidalguia sem comedoria é gaita que não assobia"!
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