A palavra “reinserção” só teria sentido no RSI se com ele viesse uma verdadeira reinserção social
Tem-se falado muito de pobreza, nos últimos tempos, mas a semana que agora findou foi particularmente fértil em factos e números demonstrativos. Começou pela notícia, algo insólita, de que um grupo de sem-abrigo do Porto se dispõe a processar o Estado por violação dos Direitos Humanos. Não sabem se daí resultará alguma coisa, nem se tal acto vai mesmo para a frente, mas fartaram-se da espera e do silêncio. Querem poder dizer, a alguém que verdadeiramente os ouça, que não é possível viver com as verbas miseráveis, e intermitentes, de que dispõem. Sim, é o chamado RSI, ou Rendimento Social de Inserção, mas o seu alerta é para a verdadeira “desinserção” do rendimento. Quem o dá, o Estado, fá-lo como se fizesse um enorme favor, mas quem o recebe fica nas mãos com uma quantia que não garante a ninguém uma sobrevivência digna. Um solteiro sozinho recebe 178,15 euros e um casal 267,22 euros. Se tiverem uma criança a cargo, essas verbas sobem para, respectivamente, para 247,53 e 320,66 euros. Se não tiverem, ou não puderem ter, outra fonte de rendimento para lá dessa, como viverão? O rosto do movimento “Uma Vida como a Arte” é um bom exemplo: dos 178,15 euros que recebe, paga 150 euros por um quarto com água e luz incluídas. Sobram-lhe 28,15 euros para alimentação, medicamentos e tudo o resto. Menos de um euro por dia. Ou seja: terá de bater a várias outras portas, pedir favores, mendigar, se não quiser cair na mais pura indigência. Ou então voltar viver na rua para “poupar” para o resto. Nenhum caminho é aconselhável, sobretudo para alguém que tem o mesmo dilema de milhares de portugueses: demasiado novo para se reformar, demasiado velho para trabalhar.
O que fazer, então? A estratégia seguida pelo Estado português é a de cortar neste tipo de apoios, como se os seus beneficiários fossem simples párias. Acredita, quem toma tais medidas, estar no caminho certo: quem deixa de ter apoios, acaba por “se virar”, arranjar trabalho, seja como for. Não é verdade. O trabalho que há, e é cada vez mais minguado, não está reservado para os que condenados a uma eterna marginalidade. Caíram na pobreza, lá ficarão. A palavra “reinserção” só teria sentido, acoplada à tal esmola estatal, se com ela viesse medidas de verdadeira reinserção social a prazo: um emprego, por provisório que fosse, uma ocupação que devolvesse dignidade aos que a vida arrastou para situações extremas. Mas é o contrário que se verifica. O presidente da Cáritas Portuguesa dizia, há dias, em entrevista ao PÚBLICO, que “o RSI nunca foi para acabar com a pobreza, foi para aliviar a agressividade da pobreza”. E alertava para o efeito que a pobreza teria nas crianças, a prazo (e são muitas as crianças portuguesas, e isto pode ser dito sem qualquer demagogia, a quem a pobreza turva a infância): “Se as crianças são menos saudáveis”, dizia ele, “vamos ter mais encargos com saúde; se são mais revoltadas, vão ser mais anti-sociais, e isso paga-se.” Iremos pagar, certamente.
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