quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O Homem novo

XIPALAPALA por: João de Sousa


Um pequeno mas elucidativo texto do meu co­lega e amigo Machado da Graça, a propósito dos “chumbos” ocorridos nos recentes exames da décima e décima segunda classes, chama a atenção para as águas turvas por onde navega a educação em Moçambique.
Transcrevo esse texto, com a devida vénia: “Há poucos meses li um texto de uma aluna da 7.ª classe. Em 4 parágrafos tinha 36 erros ortográ­ficos e o texto não tinha qualquer nexo. Não se percebia coisa nenhuma. Mas estava na sétima classe e alguém(ens) lhe permitiu lá chegar”.
Esta frase diz tudo. Este é um dos muitos exemplos que acontecem por cá. Sem pretender generalizar situações, começo a chegar à triste conclusão que hoje, na instrução primária, fazer uma redacção, uma cópia ou um ditado, saber somar, multiplicar, diminuir ou dividir deve ser um bicho de sete cabeças.
Como há deficiências no ensino primário, os do secundário apanham por tabela. Se perguntarmos a alguns alunos qual a diferença entre aritmética e matemática, posso garantir que muito poucos sabem. A gramática de Francisco Torrinha ou de José Ma­ria Relvas é coisa rara. A maioria dos professores e alunos não sabe o que é isso nem nunca ouviu falar desse importante instrumento para se escrever cor­rectamente. Por via disso, escrever ou ler português é, na grande maioria dos casos, uma verdadeira lástima. E porque as exigências são ínfimas ou nenhumas, estamos sujeitos a ouvir pessoas dizer “torneiro de futebol” em vez de “torneio de futebol”, como aconteceu com um jovem treinador da nossa praça, quando entrevistado há duas semanas pelo Canal Desportivo da Rádio Moçambique a propósito duma prova futebolística de femininos ganha pelo Costa do Sol ou então a escreverem “hinginheiros” em vez de engenheiros, como aconteceu com um graduado da décima segunda classe.
O que vale orgulharmo-nos de tanto desenvolvi­mento, de tanta obra feita que por sinal agora anda a ser inaugurada a torto e a direito, ao bom estilo “corta­-fitas”, de tantos pronunciamentos sobre as nossas grandes conquistas nos últimos dez anos, de tantos agradecimentos, de tantas cerimónias todas elas re­cheadas de pompa e circunstância, quando este pedaço chamado EDUCAÇÃO, está completamente corroído?
De que servem as propaladas taxas de crescimento que são divulgadas publicamente, de que tanto se fala e orgulha a nossa nomenclatura, se afinal o edifício da nossa Educação está a desmoronar-se a olhos vistos?
A recente notícia de que metade dos alunos (200 mil) que fizeram os exames da décima e décima segunda classes reprovaram é exemplo de que muita coisa anda mal no sector. Como me disse o meu amigo e antigo colega Yussuf Adam “é um problema bem profundo”. Há quem chegue a dizer que estes chumbos fizeram a vida negra ao Pai Natal.
Foram duzentas mil prendas que ficaram por en­tregar.
Hoje compra-se para ser alguém na vida. Passar de classe já não constitui resultado do conhecimento, do saber, do estudo e dedicação.
Paga-se o que for necessário, porque dinheiro não é problema. Eu conheço a história dum aluno que se virou para um professor (meu amigo) e lhe disse: “Sotôr, tantas aulas de recuperação para quê”?
Lamentavelmente o verdadeiro sentido de educa­ção anda a arrastar-se pelas sarjetas da amargura.
A quem imputar responsabilidades? Ao aluno, ao pai ou encarregado de educação, ao professor (seja ele “turbo” ou não), à escola, ao Ministério ou ao Governo?
Já que estou com a mão na massa, e refugiando­-me em opiniões de amigos meus e até de alguns profissionais da educação, apetece-me perguntar qual o verdadeiro sentido das graduações que temos vindo a assisti? Será que o tal “canudo” que cada um recebe traduz na realidade o seu nível e grau de conhecimento? Espero bem que sim, mas mesmo as­sim tenho algumas dúvidas. E as minhas dúvidas são fundamentadas e complementadas por responsáveis do sector, que já vieram a público dizer da “fraca qualidade do ensino superior”.
Já agora uma pergunta: graduações em creches? Deus nos acuda!
É este o HOMEM NOVO que pretendemos? Sou obrigado a concordar com a minha amiga Fátima Ribeiro quando diz que “estamos a comprometer o nosso futuro”. E ninguém faz nada para colocar a carruagem nos carris.

CORREIO DA MANHÃ – 24.12.2014

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