terça-feira, 28 de outubro de 2014

Joaquim Chissano: Há gente com tendência para desprezar e deturpar a história


Por José Sixpence

(“André Matsangaissa e Afonso Dhlakama não estavam lá, e nem tinham uma vaga ideia do que se passava", JChissano)
O antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, insurgiu-se recentemente contra aqueles que consideram terem tendência para “desprezar e deturpar a verdadeira História de Moçambique”, os quais, de forma sistemática, tentam pôr em causa determinados factos e etapas do processo histórico do país, sobretudo da fase da luta de libertação e mesmo em torno das verdadeiras causas da guerra de desestabilização.Chissano, que falava no decurso de uma palestra organizada pela Universidade São Tomas, por ocasião do Dia da Paz (04/10) e dos 18 anos depois da assinatura do Acordo Geral de Paz, considerou muito perigoso que tal suceda com a agravante de que tais pronunciamentos são feitos por “gente que ignora completamente quem foram os inimigos de Moçambique e a forma como eles actuavam contra o nosso país e o seu povo”.“Sobre a guerra de desestabilização, por exemplo, alguns vêem as causas deste conflito de uma maneira errada. Pegam determinados factos de forma superficial e juntam uma palavra que ouvem aqui e acolá e fazem deduções. Outros nem sequer sabem exactamente quando é que começou a guerra, pois já ouvia algumas dessas pessoas a dizerem que a guerra de desestabilização começou em 77 e outros apontam o ano de 78 ou 82. Isto quer dizer que estas pessoas não sabem muita coisa sobre esta fase e, mesmo assim, atravem-se a fazer grandes debates em volta disto partindo de bases erradas”, disse Chissano.
Para o antigo estadista moçambicano a ignorância das causas reais e dos contornos das várias etapas da História do país e sobretudo do ultimo conflito armado de que o país foi alvo, acaba criando situações em que aparecem pessoas a tentarem “forjar heróis” por falta de bases para a compreensão da evolução de determinados processos históricos.“As causas reais da guerra de desestabilização que eclodiu em 1976, são as mesmas que faziam com que o colonialismo português resistisse contra a Independência de Moçambique”, afirmou Chissano, fazendo questão de acrescentar em seguida que a guerra de desestabilização em Moçambique resultou do fracasso verificado das tentativas de diálogo entre os Movimentos de Libertação dos países vizinhos com os então regimes minoritários do Ian Smith, na Rodésia do Sul, e do Apartheid, na África do Sul.“Fracassaram igualmente as tentativas de diálogo entre os líderes dos países da Linha da Frente composta pela Tânzania, Zâmbia e Botswana (Moçambique e Angola juntaram-se a este movimento logo depois de alcançarem as suas independências)”, recordou Chissano.Segundo revelou Chissano, já nos primórdios da década de 70, Julius Nyerere (Tanzania), Keneth Kaunda (Zâmbia) e Seretse Khama (Botswana) desdobravam-se em contactos com aqueles dois regimes minoritários e segregacionistas num exercício de busca de uma solução pacífica e baseada no diálogo para a Independência dos países que estavam sob o jugo colonial nesta região austral de África.“Esses esforços fracassaram. E no caso do povo do Zimbabwe também não restava outra alternativa senão enveredar pela luta armada com vista a sua própria libertação do jugo opressor. E Moçambique, nessa altura, não poderia deixar de oferecer o seu apoio, incluindo o seu território para trânsito e preparação das forces que viriam a libertar o Zimbabwe. Moçambique não poderia também deixar de se juntar às vozes que estavam a favor das sanções decretadas pelas Nações Unidas contra o regime da Rodésia. Estas duas razões fizeram com que o regime de Ian Smith procurasse formas de defender o seu domínio”, esclareceu Joaquim Chissano.MATSANGAISSA E DHLAKAMA LUTAVAM POR UMA CAUSA QUE MAL CONHECIAMA dado passo, o antigo estadista moçambicano referiu-se à “chusma” de descontentes que entendia ter motivos bastantes para “ajustar contas” com a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e seu povo que “ousou lutar e vencer”, a qual não se limitava apenas a determinados grupos de pessoas ligadas aos regimes minoritários de Ian Smith e do Apartheid pois, como referiu Chissano, existia também um outro grupo composto por colonos portugueses que não queriam que Moçambique ficasse independente.“Esse grupo (de descontentes portugueses) juntamente com alguns moçambicanos (dos quais Matsangaissa e Dhlakama não faziam parte na altura) foi pedir aos sul-africanos para se oporem à proclamação da independência. O tal grupo de portugueses defendia a continuação da dominação da colónia portuguesa sobre Moçambique e seu povo. É assim que Foster mandou-os conversar com Smith porque já nessa altura ele dizia que era preciso aprender a viver com os maus vizinhos (referindo-se a Moçambique)”, disse Chissano.Aliás, Joaquim Chissano acrescentou que quando tal grupo de portugueses fez estas aproximações, numa primeira fase à África do Sul e posteriormente à Rodésia de Ian Smith (sob sugestão de Foster), “André Matsangaissa e Afonso Dhlakama não estavam lá”, e nem tinham uma vaga ideia do que se passava.Nesses encontros, segundo Chissano, estavam indivíduos ligados ao sistema colonial português e que já faziam tentativas de sabotar a Luta de Libertação Nacional, isto é, “estavam lá antigos generais portugueses, aqueles portugueses salazaristas, esses sim, estavam lá. Mas há quem pense erradamente que Matsangaissa e Dhlakama reuniram-se numa mata e, genialmente, traçaram uma estratégia de luta pela democracia, contra o comunismo e contra a ditadura, como se tem propalado”.“Olha, em Portugal há um partido Comunista há mais de cinquenta anos. Nunca se levantou uma arma contra o partido Comunista em Portugal. Na Itália também existe um partido Comunista, embora já não se chame assim, é designado Força de Esquerda, mas nunca se moveu uma guerra para combatê-lo. Na França, o Partido Comunista até chegou a fazer parte do governo de coligação, mas nunca se levantou uma arma contra ele. Portanto, a guerra de desestabilização não foi movida contra o comunismo mas sim contra a liberdade do povo moçambicano, contra a independência do povo moçambicano”, reafirmou Joaquim Chissano. Entretanto, por estas e outras, o antigo Chefe do Estado moçambicano considera que está mais do que na hora para aqueles que detêm um conhecimento real sobre os vários processos da história do país nas diferentes vertentes, que comecem a libertá-lo para os mais novos, de forma objectiva e sem enviesarem as mensagens a transmitir por razões eminentemente de índole partidária.Para além disso, Segundo ele, é preciso que as pessoas de boa vontade promovam mais debates sobre a paz em todos os pontos do país e que “não vão partidarizar as discussões porque esta tendência (de partidarizar) os debates existe”.“Devíamos criar condições para falarmos da nossa História, da paz e das formas de torná-la duradoira. Este exercício pressupõe isenção. Eu estive aqui a falar e há quem pode pensar que eu tomei partido, mas o que é certo é que nestes debates temos de ser objectivos. Mas é preciso conhecermos os factos para podermos debate-los”, rematou Chissano, para depois acrescentar que “talvez o erro é nosso, que às vezes tomamos como um dado adquirido de que os nossos interlocutores sabem aquilo que nós sabemos”.In Domingo - 10/10/2010)

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