sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Moçambique & Líbia: Algumas semelhanças e diferenças

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Raúl M. Braga Pires, em Rabat
Explosivas as situações em ambos os países, as quais não excluem uma intervenção militar externa em 2014 Google Imagens Explosivas as situações em ambos os países, as quais não excluem uma intervenção militar externa em 2014
Caros/as Amigos/as, é com imensa alegria que vos anuncio a publicação do blogue em livro! O lançamento terá lugar no próximo dia 10 de Dezembro , a partir das 18.30h , na Sociedade de Geografia de Lisboa . Por favor acedam à recém criada página do blogue no Facebook AQUI , onde poderão copiar o convite com todos os detalhes e carregar em GOSTO, passando assim a receber diáriamente as actualizações que vou fazendo.
Quem não tiver Facebook, que não se atrapalhe e apareça na mesma!
 
Celebraram-se Eleições Municipais no Moçambique na passada quarta-feira e os acontecimentos das últimas semanas têm-nos transportado para o cenário dum "Estado de não Direito", à semelhança, de certa forma, do que também tem vindo a acontecer na Líbia, desde o fim do Regime Kadhafi.
Do ponto de vista político, parece-me importante ler o texto publicado a 23 de Outubro ( AQUI ), o qual relata a dinâmica entre FRELIMO, RENAMO e o recente MDM. Numa penada, a FRELIMO, ao eliminar a RENAMO (que não participa neste acto eleitoral por opção própria, numa estratégia pessoal de Dhlakama para se manter na liderança do partido), permitindo que o MDM se torne no maior partido da oposição, passa uma imagem para o exterior de alternância democrática, sem nunca perder o Poder, reforçando-o até.
No terreno e do ponto de vista dos operacionais das forças militares e de segurança, suspeita-se que estejam na origem dos raptos das últimas semanas. Dois casos denunciam-no. O do jovem da Beira, no qual a família conseguiu detectar a zona onde estaria sequestrado, sendo que a polícia nada fez ao ser alertada, bem como os sequestradores souberam de imediato que esta tinha sido avisada pela mãe do jovem. O pagamento de um milhão de Meticais já estava acordado, sendo no entanto o sequestrado assassinado na mesma. Outro caso, na Machava, a sequestrada conseguiu escapar e pelo relato apresentado há indícios de que se trataria da polícia, já que estavam equipados com armas AK-47 e cacetetes.
Na Líbia, o Primeiro-Ministro e o Sub-Director dos Serviços Secretos também foram recentemente sequestrados por milícias locais. Nao quero comparar, para já, os militares moçambicanos às milícias líbias, mas quero recordar que a diversidade tribal líbia é replicada no Moçambique pela diversidade étnica e que apesar da partidarização das forças militares e de segurança moçambicanas, sabe-se que há clivagens na Casa Militar da Presidência e que estas obrigatóriamente se reflectem junto das fileiras. Após o ataque de 21 de Outubro à base da RENAMO em Sadjundjira, a qual coloca Afonso Dhlakama em fuga com os seus homens, o próprio confirmou no dia seguinte por telefone que perdeu o controlo destes, seguindo-se um aumento substancial de ataques a estradas, postos administrativos, postos policiais, comandos distritais da PRM (Polícia da República de Moçambique), sem nunca se capturarem ou liquidarem os atacantes, nunca se provando desta forma se se trataram de facto de militares da RENAMO. Estarão o Exército (Forças Armadas de Moçambique-FADM), a Força de Intervenção Rápida (FIR), o Grupo de Operações Especiais (GOE) e as várias polícias a espalhar o pânico em acções de contra-inteligência, para colocar o ónus na RENAMO, seguindo uma linha de comando definida, ou estarão já a disparar e sequestrar cada um em sua direcção, replicando as divergências/tensões que referi anteriormente, comportando-se como as milícias líbias, as quais obedecem a uma lógica de grupo e não nacional?
Bom, mas viremos agora o bico ao prego e consideremos a RENAMO como uma milícia e responsável pelos ataques furtivos referidos. Porque é que passados 21 anos de paz ainda não foi desarmada e integrada nas FADM, ou na sociedade/administração moçambicanas? Precisamente o problema das milícias líbias, com a diferença de que estas têm a desculpa de apenas terem passado 2 anos sobre a queda do regime!
Na passada sexta-feira 15, em Tripoli, uma manifestação popular que exigia a saída das milícias da cidade, foi atacada pela milícia de Misrata, matando mais de 3 dezenas de manifestantes. No dia seguinte, na cidade da Beira, o showmício de final da campanha do MDM, cujo Presidente do partido, Daviz Simango, é também o Presidente do Município, foi interrompido e evacuado a balas reais e a gás lacrimogénio pela FIR, provocando 3 mortos e, já em pleno acto eleitoral na quarta-feira 20, esta Força de Intervenção disparou gás lacrimogénio contra pessoas que se encontravam numa Assembleia de Voto na Vila de Angoche, Nampula (nesta cidade as eleições foram oficialmente anuladas e há um morto confirmado em Quelimane, Município ganho pelo MDM). A única diferença é que nestes casos específicos no Moçambique, com direito a acompanhamento no primeiro por uma equipa de reportagem da Al-jazeera ao lado dos militares, a FIR está ao serviço da FRELIMO, que está por sua vez ao serviço do PR Guebuza, o qual tenta passar a imagem para o exterior de que está de facto a combater o Mal.
Na Líbia foi decretado o Estado de Emergência por 48h após os incidentes de 15.11 e no Moçambique tudo decorre com normalidade, sem direito a "Estados Excepcionais", baseado nos artigos 265º e 266º da Constituição*. No Moçambique, Amade Hassane, antigo Comandante da FIR em Inhambane, condenado a 19 anos de prisão efectiva por tráfico de droga em Dezembro de 2006, foi quem comadou a Unidade FIR que atacou Sadjundjira a 21 de Outubro (Canal de Moçambique nº 223, 23.10.13) e, na Líbia, Abdelhakim Belhadj, conhecido terrorista islâmico, com ficha completa em todos os serviços de inteligência, lidera o partido político Al-Watan (A Nação). No Moçambique há países e instâncias internacionais que começam a cancelar as ajudas e a cooperação, a Líbia ainda não viu devolvido o dinheiro que o Coronel Kadhafi espalhou pelo Mundo, incluindo na Caixa Geral de Depósitos.
E já agora, quem matou Samora Machel? E quem matou Muammar Kadhafi? São apenas ideias e questões que me vão surgindo ao correr da pena e que me parecem importantes considerar no vasto puzzle.
O possível regresso à guerra
Em recentes declarações ao quotidiano espanhol ABC, Mahmoud Jibril, ex-Primeiro-Ministro líbio e líder da Aliança das Forças Nacionais, diz estar certo que americanos, ingleses e franceses, não colocam de parte uma intervenção militar no seu país em 2014, justificada por a insegurança ter feito da Líbia um terreno fértil para a passagem, o refúgio e o recrutamento de jihadistas. Jibril refere também sobre as consequências da proliferação deste caldo de insegurança, que poderão ser desestabilizadores para o Egipto, Argélia e mesmo o sul da Europa, nomeadamente a Espanha, a Itália e a Grécia.
No Moçambique, apesar do Governo já o ter desmentido, há rumores sobre a participação de tropas do Zimbabwe no ataque à base da RENAMO em Sadjundjira. Tenham ou não participado, a verdade é que o Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros do Zimbabwe, Christopher Mutsvangwa, afirmou que o seu país não tolerará o retorno à guerra no Moçambique e que mobilizará a SADC (Southern Africa Development Community) para intervir militarmente ao lado das FADM, caso seja necessário. O Zimbabwe depende quase exclusivamente do Porto da Beira para os seus negócios com o exterior, sendo por exemplo, os combustiveis transportados em camiões cisterna e por pipeline, da Beira até Mutare (Canal de Moçambique nº 244, 30.10.13).
Fragmentação regional
O caminho federal para a Líbia parece ser já um dado adquirido, sobretudo com as tomadas de posição da Cirenaica, província do leste, a qual declarou a sua independência económica e política, ainda dentro das actuais fronteiras. Organizou eleições municipais de forma autónoma, ainda antes das eleições legislativas nacionais e nas quais participou. Recentemente, a Cirenaica anunciou a criação duma petrolífera local e dum Banco Federal para a Cirenaica. A Líbia está dividida em 3 grandes regiões, a Tripolitânia a ocidente, a Cirenaica a oriente e Fezzan a sul.
Moçambique está ainda, parece-me, muito longe deste cenário. No entanto, sendo territorialmente uma criação externa, efectuada pelo colonizador, nós, portanto (o português tem por hábito esquecer, ou nunca se colocar nesta posição incómoda) e com a capital numa das extremidades, vários estudos demonstram que a viabilidade económica do país se encontra na sua partição em 3, sem nunca ser colocada em causa a sua própria integridade territorial. Os rios Save e Zambeze demarcariam estes 3 grandes espaços sul, centro e norte. O acesso e ligação das administrações/governos locais às populações seria muito mais forte e célere, a gestão das prioridades e a autonomia das políticas fiscais provocaria um desenvolvimento e um retorno económico imediato, o que por sua vez reforçaria o poder central e a democracia. Tudo isto em teoria, claro, pois caso as questões identitárias não fossem geridas da melhor forma, aí sim, poderiamos ver o surgimento de sentimentos independentistas, assentes em milícias locais cuja pressão visaria a imposição da agenda e das prioridades do grupo.
Estes reajustamentos administrativo-territoriais dentro de fronteiras, são aliás uma das grandes consequências da "Primavera Árabe". Tenta-se finalmente adaptar o mapa às realidades e idiossincrasias locais/regionais. No fundo, os problemas da Líbia não diferem muito dos do Moçambique e que se podem resumir no seguinte binómio: Gás e petróleo (embora Moçambique tenha outros recursos por via da terra fértil e da vasta rede hídrica, enquanto que a Revolução Verde de Kadhafi apenas se tratou de mais um delírio do Coronel). Aqueles que o dominam actualmente (gás e petróleo) não o querem perder e aqueles que não o têm, auguram, legitimamente aliás, a vir a tê-lo, ou a vê-lo partilhado. Nada de novo até aqui, nem nas formas como uns atacam e outros defendem, geralmente atacando também e na maioria das vezes até primeiro.
* Artº 265º, A Política de Defesa e Segurança visa defender a Independência Nacional, preservar a Soberania e integridade do país e garantir o funcionamento normal das instituições e a segurança dos cidadãos contra qualquer agressão armada.
Artº 266º, As Forças de Defesa e os Serviços de Segurança subordinam-se à Política Nacional de Defesa e Segurança e devem fidelidade à Constituição e à Nação.
 
Este texto poderá ter a pretensão de vir a tornar-se num potencial Working Paper, para o qual peço a vossa colaboração, comentários, sugestões, conhecimentos, bibliografia, etc.
 
Raúl M. Braga Pires escreve de acordo com a ortografia antiga

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