No país que não se manifesta, a austeridade também dói
30 Abril 2013, 00:01 por Rui Peres Jorge | rpjorge@negocios.pt
A Irlanda será o primeiro país intervencionado da Zona Euro a tentar o regresso aos mercados. O Negócios visitou Dublin para medir o pulso ao ajustamento.
A Irlanda tem poucas greves e a última vez que teve uma grande manifestação de rua foi na invasão do Iraque conta Micheál Collins, economista no NERI, o "think-tank" económico de apoio à principal central sindical do País. A paz social é uma das marcas da economia e sociedade irlandesas que, mesmo na crise, tem resistido à forte pressão da austeridade. O verniz está contudo a estalar à medida que a austeridade, o desemprego e as dificuldades se prolongam.
"No início havia a ideia de que faríamos o ajustamento interno, garantiríamos o financiamento da economia no médio prazo, e o crescimento externo puxaria pela economia. Mas o crescimento externo não chegou como previsto e isso forçou um ajustamento interno maior para tentar atingir o objectivo de défice de 3% do PIB em 2015", diz Collins, para quem "a economia doméstica está a pagar um preço bastante elevado pela falta de dinamismo externo".
A Irlanda está crescer, mas não ultrapassa 1% por ano. O dinamismo do sector externo tem evitado o pior, mas gera pouco emprego e não absorve os trabalhadores menos qualificados. Ao mesmo tempo a austeridade tenta cumprir metas orçamentais que ficam mais difíceis sem crescimento. O resultado para a economia interna é desanimador: durante a crise, o desemprego escalou para 15% e teima em não baixar; a procura interna está a cair há seis anos (recuou quase 25% desde 2009) e o nível de crédito mal parado atinge quase um quarto dos empréstimos bancários. O crédito chega às empresas mais dinâmicas, dizem os patrões, mas continua a cair
Concertação sofre
Foi neste contexto que este mês, pela primeira vez em décadas, os trabalhadores do sector público votaram contra um acordo já negociado entre o Governo e a cúpula sindical que definia novos ajustamentos salariais no Estado – o objectivo seria prolongar um famoso (Croke Park), firmado em 2010 para durar até 2014, e que garantiu a paz social durante a vigência do programa de ajustamento.
"No início havia a ideia de que faríamos o ajustamento interno, garantiríamos o financiamento da economia no médio prazo, e o crescimento externo puxaria pela economia. Mas o crescimento externo não chegou como previsto e isso forçou um ajustamento interno maior para tentar atingir o objectivo de défice de 3% do PIB em 2015", diz Collins, para quem "a economia doméstica está a pagar um preço bastante elevado pela falta de dinamismo externo".
A Irlanda está crescer, mas não ultrapassa 1% por ano. O dinamismo do sector externo tem evitado o pior, mas gera pouco emprego e não absorve os trabalhadores menos qualificados. Ao mesmo tempo a austeridade tenta cumprir metas orçamentais que ficam mais difíceis sem crescimento. O resultado para a economia interna é desanimador: durante a crise, o desemprego escalou para 15% e teima em não baixar; a procura interna está a cair há seis anos (recuou quase 25% desde 2009) e o nível de crédito mal parado atinge quase um quarto dos empréstimos bancários. O crédito chega às empresas mais dinâmicas, dizem os patrões, mas continua a cair
Concertação sofre
Foi neste contexto que este mês, pela primeira vez em décadas, os trabalhadores do sector público votaram contra um acordo já negociado entre o Governo e a cúpula sindical que definia novos ajustamentos salariais no Estado – o objectivo seria prolongar um famoso (Croke Park), firmado em 2010 para durar até 2014, e que garantiu a paz social durante a vigência do programa de ajustamento.
Enda Kenny elogia paciência de portugueses
O êxito de Portugal e da Irlanda na conclusão dos programas de ajustamento a que estão submetidos pode ser um "contributo decisivo" para o futuro do euro e da Europa, defendeu esta terça-feira, em Lisboa o primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, numa conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo irlandês, Enda Kenny.
Kenny, cujo país assegura neste semestre a presidência rotativa do conselho europeu, elogiou a "grande paciência" com que o povo de Portugal, como o da Irlanda, suportaram as consequências de "decisões muito difíceis".
Kenny, cujo país assegura neste semestre a presidência rotativa do conselho europeu, elogiou a "grande paciência" com que o povo de Portugal, como o da Irlanda, suportaram as consequências de "decisões muito difíceis".
Ninguém ainda sabe ao certo o que isto poderá implicar à medida que o Governo tenta uma nova aproximação aos sindicatos. Mas uma coisa é já certa: o clima de diálogo social activo entre Executivo, patrões, sindicatos e sociedade civil, que marcou os 20 anos que antecederam a crise, degrada-se a olhos vistos.
Esta evolução não é alheia à avaliação, partilhada pelo Governo liderada pelo partido de centro direita Fine Gael, de que a concertação social – que abrangia um vasto número de áreas de decisão económica além dos salários – estava a revelar-se ineficiente e burocrática. Desde 2010 que os acordos alargados deixaram de ser uma aposta para o Governo, a negociação centralizada de salários no sector privado acabou por desentendimentos entre patrões e sindicatos e agora, mesmo no Estado, há sinais de dificuldades crescentes de articulação.
Um dos actores do processo de concertação desde os anos 90 não perdoa a Enda Kenny: neste Governo "culpam a concertação social por quase todos os males na Irlanda", atira Seán Healy, presidente da Social Justice Ireland, uma organização que se centra na análise da pobreza e das desigualdades. A surpresa com o chumbo de Croke Park 2 é só um sinal de que o Governo perdeu a ligação ao mundo real, defende em entrevista.
Mas nem todos concordam. Danny McCoy, o CEO da maior confederação patronal do país saúda o fim da negociação centralizada de salários e diz mesmo que as relações entre sindicatos e patrões estão muito bem. O mesmo entre empresas e trabalhadores : "Tivemos imensa flexibilidade dos trabalhadores, eles têm fadiga, mas os empregadores também. Neste momento as coisas estão muito bem", afirma em entrevista.
Healy diz que compreende McCoy: "Para quem representa os patrões, as coisas correm bastante bem: os impostos estão teologicamente seguros e está a ser feito tudo para apoiar as empresas a criarem empregos".
Crescimento precisa-se
Perante o prolongamento da recessão interna e considerando o abrandamento das economias da Zona Euro e do Reino Unido, os principais destinos de exportações da Irlanda, todos concordam que é preciso encontrar formas de estimular a procura interna. As receitas são contudo muito diferentes: Healy e Collins pedem investimento público e impostos sobre os mais ricos e as empresas. Já McCoy defende que não pode haver mais austeridade, não quer sequer ouvir falar em mais impostos e garante que o que falta é confiança: "Temos de acreditar no crescimento (...) a economia irlandesa está num momento forte, a regressar ao crescimento e ao reequilibro da economia".
Esta evolução não é alheia à avaliação, partilhada pelo Governo liderada pelo partido de centro direita Fine Gael, de que a concertação social – que abrangia um vasto número de áreas de decisão económica além dos salários – estava a revelar-se ineficiente e burocrática. Desde 2010 que os acordos alargados deixaram de ser uma aposta para o Governo, a negociação centralizada de salários no sector privado acabou por desentendimentos entre patrões e sindicatos e agora, mesmo no Estado, há sinais de dificuldades crescentes de articulação.
Um dos actores do processo de concertação desde os anos 90 não perdoa a Enda Kenny: neste Governo "culpam a concertação social por quase todos os males na Irlanda", atira Seán Healy, presidente da Social Justice Ireland, uma organização que se centra na análise da pobreza e das desigualdades. A surpresa com o chumbo de Croke Park 2 é só um sinal de que o Governo perdeu a ligação ao mundo real, defende em entrevista.
Mas nem todos concordam. Danny McCoy, o CEO da maior confederação patronal do país saúda o fim da negociação centralizada de salários e diz mesmo que as relações entre sindicatos e patrões estão muito bem. O mesmo entre empresas e trabalhadores : "Tivemos imensa flexibilidade dos trabalhadores, eles têm fadiga, mas os empregadores também. Neste momento as coisas estão muito bem", afirma em entrevista.
Healy diz que compreende McCoy: "Para quem representa os patrões, as coisas correm bastante bem: os impostos estão teologicamente seguros e está a ser feito tudo para apoiar as empresas a criarem empregos".
Crescimento precisa-se
Perante o prolongamento da recessão interna e considerando o abrandamento das economias da Zona Euro e do Reino Unido, os principais destinos de exportações da Irlanda, todos concordam que é preciso encontrar formas de estimular a procura interna. As receitas são contudo muito diferentes: Healy e Collins pedem investimento público e impostos sobre os mais ricos e as empresas. Já McCoy defende que não pode haver mais austeridade, não quer sequer ouvir falar em mais impostos e garante que o que falta é confiança: "Temos de acreditar no crescimento (...) a economia irlandesa está num momento forte, a regressar ao crescimento e ao reequilibro da economia".
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