A mais recente tentativa golpe de Estado desferida na República Centro Africana e que, para já, obrigou o presidente François Bozizé a procurar refúgio na vizinha República Democrática do Congo, tem uma forte componente estrangeira, tanto no elemento prático do terreno como no âmago que esteve na origem desta acção.
Numa análise simplista daquilo que se está a passar desde o fim-de-semana na República Centro Africana e que teve o seu ponto mais grave domingo de manhã com a fuga para a RDC do presidente Bozizé, poderíamos dizer que um grupo de rebeldes, os Seleka, haviam resolvido recorrer às armas para chegar ao poder.
Mas, a verdade é que as coisas não são assim tão simples. Em primeiro lugar os rebeldes Seleka são, na sua quase totalidade, compostos por elementos provenientes dos vizinhos Sudão e Tchad que resolveram não aceitar as regras do jogo que haviam sido impostas nos recentes acordos de Libreville. Nesses acordos, foi decidida a criação de um governo de unidade nacional que integrasse todos os diferentes grupos rebeldes que, na altura, haviam decidido pegar em armas contra o poder de Bangui e no qual se encontravam os Seleka. Tudo estava a funcionar de acordo com o que havia ficado estabelecido na capital do Gabão, com uma alargada mediação africana, quando os Seleka decidiram dar um ultimato ao governo reivindicando a integração de alguns dos seus elementos no exército único. Esse ultimato, cujo prazo teria expirado há uma semana, foi ignorado pelo governo uma vez que nos referidos acordos de Libreville havia sido estabelecido que o exército único seria constituído, exclusivamente, por elementos nascidos no país.
Depois de algumas reuniões para tentar resolver a situação os Seleka resolveram abandonar o governo, deixando perceber o seu descontentamento perante a situação e reforçando a sua base política sedeada em França, local a partir de onde começou a chover toda uma série de ameaças contra o governo instalado em Bangui.
As Nações Unidas, alertadas para a possibilidade da situação de instabilidade se agravar na República Centro Africana, optou por uma “diplomacia discreta”, tentando “sensibilizar” alguns países, sobretudo a França, para a necessidade de serem respeitados os acordos de Libreville de modo a que o país pudesse concluir as diferentes etapas que terminariam com a realização de eleições gerais. Apesar de todos estes avisos e perante algum silêncio da comunidade africana, a situação nunca ficou bem esclarecida e o medo de um regresso às armas começou a aumentar à medida do agravamento da situação social do país, um dos mais pobres do continente.
Com cerca de cinco milhões de habitantes, a República Centro Africana, que proclamou a sua independência da França, já passou por diferentes situações de mudança de poder por via da insurreição armada. O próprio actual presidente François Bozizé liderou há dez anos um golpe de Estado que depôs o então presidente Félix Patasse. Anteriormente, a gestão política do imperador Bokassa foi geradora de múltiplas polémicas e alvo de diferentes críticas, nacionais e internacionais.
Este governo de unidade nacional estava em funções desde Janeiro mas desde o início das suas funções se percebeu tratar de uma coligação condenada ao fracasso, pois nenhum dos seus diferentes protagonistas estava verdadeiramente interessado em priorizar os interesses do Estado em desfavor dos seus projectos de grupo, muitos deles inspirados e ditados por instruções provenientes de algumas capitais europeias. O próprio papel da União Africana na salvaguarda dos acordos de Libreville nunca foi bem definido, tendo estancado na questão financeira a obrigatoriedade do envio de forças continentais estrangeiras para que pudessem evitar aquilo que agora aconteceu.
A imprensa internacional, por exemplo, só agora referiu a existência de 200 soldados sul-africanos no país e fê-lo, unicamente, para chamar a atenção para o facto de 13 desses militares terem sido agora mortos pelos rebeldes do Seleka.
Como sempre acontece em situações semelhantes, as Nações Unidas vieram já a terreno condenar esta tentativa de golpe de Estado, chamando a atenção para a necessidade de se castigarem todos aqueles que violarem a lei e praticarem actos que atentem contra os direitos humanos.
Como sempre acontece em situações semelhantes, as Nações Unidas vieram já a terreno condenar esta tentativa de golpe de Estado, chamando a atenção para a necessidade de se castigarem todos aqueles que violarem a lei e praticarem actos que atentem contra os direitos humanos.
No entretanto, as ruas de Bangui continuam a ser cenário de toda a espécie de crimes que vão desde actos de pilhagem a violações, passando por assassinatos e perseguições a elementos acusados de pertencerem a um ou a outro lado do conflito.
Na RDC, o presidente Bozizé já anunciou a intenção de tudo fazer para resistir à ofensiva de elementos que ele não hesita em acusar de estarem ao serviço de interesses estrangeiros e a lutarem por ideais que não são os seus.
Quanto aos rebeldes do Seleka, significativamente, todos os discursos políticos estão a ser oriundos de Paris onde, refastelados em confortáveis poltronas e refrescados por modernos aparelhos de ar condicionado, um grupo de privilegiados tenta espezinhar a legalidade de um governo em pleno uso de funções e decidir sobre o futuro de todo um povo num dos mais pobres países do mundo.
Perante mais este crime contra a humanidade que está a ser cometido no continente africano, as diferentes organizações regionais não poderão continuar mudas sob o risco de estarem a sancionar, mesmo que com o silêncio, mais um rude golpe na democracia, um bem que deveria ser para todos, mesmo para aqueles que vivem na República Centro Africana.
Por Roger Godwin
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