terça-feira, 28 de agosto de 2012

Editoriais

Eles constroem mansões e passam férias paradisíacas… nós pagamos a conta!

Editorial

Quando se fala da corrupção em Moçambique nem todos entendem realmente o que está a acontecer. Há até certos segmentos da sociedade que entendem a corrupção como coisa de políticos e dos jornais. Mas a corrupção é, na verdade, um cancro que mata toda a sociedade e só beneficia um punhado de gente que tomou de assalto o poder no Estado e faz e desfaz perante a passividade do povo. Sim, passividade do Povo porque perante a situação a que chegaram as coisas, só um povo activo pode dizer “basta”!
Aqui nesta edição trazemos duas notícias que reportam casos de aparente corrupção na Administração do Estado. Escrevemos “aparente corrupção” por uma questão meramente técnico-jurídica, uma vez que até que a sentença seja transitada em julgado, o sistema jurídico moçambicano privilegia a presunção de inocência dos acusados. Mas as evidências de que dispomos e acompanham os nossos artigos não deixam muita margem para dúvidas e deixam crer que realmente os casos em alusão são parte da tal corrupção que corrói este Moçambique e os menos avisados pensam que não afecta o seu dia-a-dia e os extractos sociais a que pertencem.
No primeiro caso: os importadores denunciam que alguns agentes das Alfândegas transformaram os seus postos de trabalho em verdadeiros “take-aways”, vulgo autênticas “mamadeiras”, donde tiram tudo o que precisam e o que não precisam para levarem uma vida de luxo. O truque é fazer cobranças paralelas, aos importadores de mercadorias que são comercializadas em Moçambique, para benefícios pessoais. Os esquemas são vários e podem ser vistos numa das nossas peças de destaques nesta edição.
O que interessa aqui é que as cobranças são feitas directamente aos importadores, beneficiam directamente os agentes corruptos, mas quem paga a factura é o consumidor, e o consumidor somos todos nós, os cidadãos que não estão pendurados no Estado e até mesmo esses porque também acabam por ser cidadãos.
Um importador que paga para subornar os agentes das Alfândegas, significa que aumentou a estrutura de custo dos seus produtos e como vende para lucrar, a opção única é aumentar o preço final. “Tempo é dinheiro” e ao fazer demorar não só outras coisas deixam de ser feitas por quem espera, como alguém terá depois de pagar o que foi despendido em taxas para corromper ou fazer andar os processos nas Alfândegas.
É por isso que um quilo de açúcar, uma dúzia de ovos, um litro de leite fresco, um quilo de carne, uma galinha – só para falar de algumas coisas – custa duas vezes menos na vizinha Swazilândia ou em Nelspruit, na África do Sul, do que em Maputo e noutra parte de Moçambique. É por isso que um telemóvel custa o dobro em Moçambique do que noutro país. Na verdade, estamos a pagar a factura da corrupção. Estamos a pagar tributo para eles – os corruptos pendurados no nosso Estado – irem de férias à Europa, ao Dubai, e construírem mansões como as que se vê no Belo Horizonte, na Sommerschield II, no Triunfo e um pouco por todas as cidades do país, algumas delas até escondidas nos cantos mais recônditos do País, onde ninguém possa despertar e ir tentar perceber de onde vem tanto dinheiro quando os salários que o Estado paga não justificam tanto. E até construir mansões no estrangeiro, designadamente na África do Sul.
Na verdade, aquelas mansões são deles, mas construídas com o nosso dinheiro e dos nossos filhos, extorquido pelas vias mais astuciosas.
Aquilo que devíamos poupar para pagarmos pela formação dos nossos filhos, por um pouco de vida melhor das nossas famílias, pagamos para os corruptos que nos governam e servem as instituições públicas, “curtirem” e ainda se rirem dos cidadãos.
É por isso que eles têm fortunas, criam universidades privadas e compram viaturas do último grito. É porque quem paga a factura somos todos nós, os cidadãos, ainda que possamos não estar conscientes disso.
O outro caso que tecnicamente aparenta corrupção e acaba também por ser uma forma de pôr o Estado – NÓS – a pagar a propaganda do Partido Frelimo, através da prestação de serviços tipográficos ao Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) a preços exorbitantes, é o que envolve Almerino Manhenje. É um exemplo.
O INSS que gere fundos dos trabalhadores para lhes garantir a aposentação com alguma dignidade, adjudicou a uma empresa de Manhenje, uma empreitada de produção tipográfica de materiais – diga-se, banais – que custou 25 milhões de meticais ao Estado quando o mesmo poderia ter sido feito por muito menos. Uma inspecção num Estado isento e não abocanhado por cidadãos que passam o tempo a falar de patriotismo com uma presunção escandalosa como o provam os factos, levaria a que todos os implicados fossem impedidos no mínimo de levar esta avante, mas aqui temos todos de fingir que não vemos para que a roubalheira prossiga.
Se o INSS é uma instituição improdutiva, que existe para gerir descontos aos trabalhadores (3%) e às empresas (4%), de onde saem os milhões para pagar canetas, blocos de notas, bandeiras, panfletos, chaveiros e outras quinquilharias do género? O que os reformados têm a ver com estes brinquedos que custam 25 milhões de meticais? Não seria mais sério usar esse dinheiro em acções reprodutivas de dinheiro, mais económicas e que no fim de contas acabassem por proporcionar melhores condições de vida a quem passou uma vida a trabalhar e a pagar para a reforma?
Quando se sabe que esses 25 milhões muito acima de outras cotações se destinam a empresa de um ex-ministro que até já foi condenado em Tribunal por desvio de fundos do Estado e está agora instalado nas instalações do que foi uma gráfica do Partido Frelimo, a sobrefacturação deve-se a meras questões técnicas?
Com este caso pode-se dizer que eles assaltam até as reformas de quem passou uma vida inteira a descontar para depois receber misérias.
Não basta o que roubam a quem trabalha ou empresários no activo, mesmo com o pouco que poupamos para a fase mais delicada da vida – a velhice ou invalidez – há já quem se entretenha a dar “palmadas”... Dá para percebermos até onde já se atrevem a abusar dos cidadãos.
Assim, se pagam até férias de sonho de muitos que se penduram no Estado, quando a muitas famílias falta o mínimo para viver e em muitos casos até o mínimo para sobreviver.
Enquanto eles comem, quem trabalha e paga ao INSS pode continuar a calar-se perante estas evidências nojentas?
Perante factos como o do negócio do INSS que aqui hoje revelamos será possível acreditar que não virá aí mais breve do que se pensa um novo 05 de Fevereiro de 2008 ou algo mais grave do que o 1 e 2 de Setembro de 2010?
A corrupção está à vista de todos que não querem esconder o sol com a peneira.
Nas alfândegas só não se dá ao trabalho de investigar quem também tem o “rabo preso”. No INSS só não vê quem também depois acabará por ir cobrar o fingir que não viu.
A questão que agora fica por responder é se alguma vez, por via de eleições organizadas por quem monta estas cabalas, os cidadãos moçambicanos alguma vez conseguirão ver-se livres da reprodução da miséria a que continuam a estar sujeitos.
Quem somos nós para dizer que por este caminho não vamos longe? Em melhor posição estarão os nossos confrades da CPLP que já se aperceberam – como disso damos também conta nesta edição – que Salazar e Marcelo Caetano – os tais “símbolos do colonialismo que negavam a autodeterminação e independência das colónias aos movimentos de libertação” – também organizavam eleições… Como o feitiço se virou contra o feiticeiro!... Gente séria é outra coisa!..
Canal de Moçambique – 30.05.2012

EDITORIAL @Verdade: Eles comem tudo

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O Canal de Moçambique, na sua última edição, expôs a podridão que permeou a partilha das casas da Vila Olímpica. Os senhores de terra deste rochedo à beira-mar, obviamente proprietários de grandes fortunas, apressaram-se a ficar com uma parte das casas para os seus rebentos.
Entre os beneficiários está Alberto Chipande, Carmelita Nhamashulua, Deolinda Guezimane, João Pelembe, Raimundo Maico Pachinuapa, entre outros.
Porém, o director de planificação e investimentos, do Fundo de Fomento de Habitação, Borges da Silva, apressou-se, também ele, qual cachorro fiel, a afirmar descaradamente que as casas não são para estes antigos combatentes, mas sim para os seus filhos.
O que o director não compreende é que o filho de um sapateiro não goza das mesmas possibilidades que o descendente de um Governador, um Presidente do Conselho de Administração do Corredor do Desenvolvimento do Norte, uma Ministra da Administração Estatal ou da Defesa.
A suspeita, por mais que o bom do homem se desdobre em acrobacias intelectuais engenhosas, não se desprende. Aliás, cresce e ganha contornos de uma trapaça consentida. Porém, desmascarada pelo juízo de qualquer cidadão com dois dedos de testa.
Este tipo de desculpa esfarrapada fere com gravidade o bom nome de qualquer instituição, principalmente quando é veiculada de forma a manipular e a trucidar a inteligência dos moçambicanos.
Estes beneficiários são pessoas com posses e com várias mansões nos bairros mais “nobres” deste país. Ainda assim (a Constituição dá-lhes esse direito) não pretendemos, por isso, negar-lhes o direito à acumulação de propriedades. Contudo, não vemos qualquer vantagem para os cidadãos deste território nesse benefício desmedido de uns poucos.
Não cremos que os filhos destes, porque pegaram em armas, sejam mais moçambicanos do que os outros 22 milhões. Esse favorecimento denigre, emporcalha e envergonha não somente os que dele se beneficiam, mas o país. O pior é que, aos poucos, essa alarvice militante contamina tudo, numa viagem imparável por pântanos onde a decência, a honestidade e o patriotismo se afundam no lodo da ganância de um punhado de pessoas que pegaram em armas.
As coisas começam a ficar desfocadas. É que pensávamos que tudo o que foi conquistado foi arrancado a ferro e fogo, com lágrimas de todos, sacrifícios sobre-humanos das gentes do Rovuma ao Maputo, do Zumbo ao Índico. Foi assim que aprendemos. Aliás, como reza a sentença moral: “primeiro nos sacrifícios e último nos benefícios”. Aprendemos que a liberdade não foi uma dádiva de Deus.
Aprendemos que o país era de todos os moçambicanos. Não só dos que participaram na luta de libertação nacional, mas também dos que foram miseravelmente explorados nos campos, nas fábricas, nos armazéns, na construção. Os que apodreceram nas prisões.
Aprendemos que viveríamos num país sem medo e sem exploração. Aprendemos que este seria o país sem espaço para nenhum Xiconhoca. Aprendemos que este seria um país justo. Aprendemos que, nesta terra, ninguém seria rico à custa do suor dos outros.
Afinal, como os exemplos tratam de mostrar, aprendemos mal e o que reina, como bem disse o saudoso Zeca Afonso, na sua música “Vampiros” – ironicamente retratando o sistema colonial-fascista – “eles comem tudo e não deixam nada”...
@VERDADE – 226.07.2012

EDITORIAL: Esquemas do país da prosperidade

O Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) lançou um concurso “público” com vista a apurar uma empresa para prestar serviços gráficos diversos. Até aqui tudo bem. Afinal a instituição que, pela sua natureza, apelidamos de banco do povo precisa de material do género para pôr a sua enorme máquina em funcionamento.
Sucede, porém, que foram gastos 25.314.974 meticais, uma quantia exorbitante para o número exíguo de material produzido.
Ou seja, para a produção de 1000 cartões – de - visita, 1000 brochuras, 1000 panfletos, 1000 folhetos, 1000 chaveiros, 1000 blocos de nota e 1000, pasme-se, esferográficas. Um autêntico escândalo quando é de domínio público que qualquer gráfi ca cobraria menos de 20 mil meticais para produzir 1000 cartões – de - visita.
Porém, o mais grave e pornográfico é a informação veiculada pelo Canal de Moçambique, segundo a qual a empresa vencedora do referido concurso é a Mtuzi Investimentos, registada em nome de Almerino da Cruz Marcos Manhendje, esposa e filhos.
Pelo passado de ex-ministro do Interior é, no mínimo, suspeito que o seu património engorde por via do dinheiro do INSS. Mas tal suspeita teria lugar se estivéssemos diante de uma decisão cristalina o que, por mais que nos esforcemos, não é o caso.
A empresa do ex-ministro apresentou a proposta mais onerosa para os cofres do INSS. Ou seja, três vezes mais do que a segunda com o valor mais elevado, cinco em relação à terceira e oito vezes maior do que aquele que deixaria o INSS com mais dinheiro nos seus cofres.
Porém, o banco do povo optou por uma proposta que roça o absurdo. Quando assim é não podemos deixar de falar de compadrio e de favorecimento político.
O caso de Manhendje só mostra o quão somos um país de idiotas. Um lugar onde tudo é permitido aos que verdadeiramente mandam no destino dos moçambicanos e das suas parcas economias. Como é possível que uma despesa danosa desse género seja permitida. Qual é, afinal, a lógica de um concurso público?
Sabíamos e, talvez, com algum grau de resignação que o que está debaixo dos solos deste país é propriedade exclusiva de um punhado de gente, mas ignorávamos, por completo, que o fruto da nossa poupança serve para engordar ainda mais as contas de quem sempre pautou por delapidar o que devia pertencer aos 22 milhões de moçambicanos.
Temos dificuldades em descortinar na vida de Manhendje um valioso e excepcional contributo prestado à causa do povo moçambicano. E certamente não ganhou o concurso por ter contribuído para tornar a vida dos humildes contribuintes do INSS mais digna.
Este país está a caminhar perigosamente para um nepotismo pornográfico. Na conversão do sistema analógico ganha a filha deste. Na comunicação ganha o primo daqueloutro. Afinal ninguém enriquece sem passar pelos sótãos da corrupção?
A actividade empresarial de Manhendje é “notória”, mas não descobrimos na sua proposta mérito que justifique a escolha da sua empresa. Por isso, cada vez mais invejamos a coragem dos protagonistas deste striptease com o dinheiro da nossa reforma. Respeitem o nosso dinheiro ou pelo menos façam de conta.
@VERDADE – 31.05.2012

EDITORIAL: O país da Renamo

Um Estado que se quer de Direito Democrático não se deve permitir ao luxo de ter um exército paralelo ao oficial. Aquilo (o exército de Afonso Dhlakama) é uma aberração, independentemente do que diz ou não o Acordo Geral de Paz.
O Estado devia, há muito, desarmar os homens daquela formação política. Mantendo-os armados, mantém-se também um potencial para a guerra. Até porque a Renamo, já se sabe, usa a sua rica história militar para procurar protagonismo político.
Não obstante ter-se alcançado a estabilidade política, económica e social depois de uma violenta guerra civil e uma falhada experiência económica socialista, Moçambique ainda é um país extremamente empobrecido e, com as histórias que nos chegam da capital do norte, onde mais 400 ex-guerrilheiros daquela força política se encontram, corre-se o risco de mergulharmos numa situação deplorável sem precedentes à semelhança de outras nações africanas.
No fundo, a Renamo não está interessada numa instabilidade política e muito menos em tomar as rédeas do poder. Pelo contrário, o que se passa em Nampula não é mais do que o reflexo de um partido politicamente fragilizado com uma horda de seguidores desocupados.
Porém, o que espanta nessa história, que se assemelha a um roteiro de uma telenovela mexicana, é a indiferença, o descaso e a inércia do Estado e do Governo. Até porque se fosse o caso de um grupo de moçambicanos empobrecidos por qualquer megaprojecto desta pátria de heróis a reivindicarem os seus legítimos direitos, o Estado moveria céus e terras para silenciar e reprimir cidadãos tão indefesos.
Aliás, muniria até aos dentes a polícia e toda a sua divisão para amedrontarem a população de modo a permanecer no mais parvo mutismo. Ou seja, desde que a população não expresse livremente os seus direitos pode aparecer um acéfalo qualquer armado até aos dentes.
Assim, qualquer criminoso que tenha duas armas percebe que o Estado está capturado pela vontade de qualquer senil. Não vale, portanto, a desculpa de que se trata de uma manifestação de charme de Afonso Dlhakama. O país, diga-se, é muito mais importante do que ele. Ou seja, 22 milhões de moçambicanos não podem, de forma nenhuma, ser privados de viver por causa dos problemas de personalidade de uma pessoa que quer trazer o mato para o meio urbano.
É absurdo que quando é a população desarmada e desprotegida que vai à rua reclamar o preço do pão, o Governo responda com balas verdadeiras e quando um homem que caiu em descrédito procura protagonismo militarizando uma cidade, o Governo fala de negociações e pede às organizações da sociedade civil para mediarem a libertação de um homem feito refém.
O homem que está sob custódiados homens armados da Renamo merece a protecção do Estado, independentemente do que ele tenha feito. Afinal, não é este Governo que desaconselha o povo de recorrer à justiça pelas próprias mãos?
Que estatuto têm aqueles homens que povoaram a Rua dos Sem Medo para se permitirem o direito de manter sob cárcere privado um cidadão? Este é um problema cuja resolução o Governo sempre protelou e hoje pode resvalar para uma situação muito complexa. O direito que Dhlakama tem de se manifestar não deve pôr em causa o direito que os outros moçambicanos têm de circular livremente.
O direito que Dhlakama tem termina onde começam os direitos das outras pessoas. O desentendimento entre um partido e outro que governa não deve implicar o sacrifício de vidas humanas. Desarmar a Renamo é um imperativo nacional.
@VERDADE – 08.03.2012

EDITORIAL: O princípio da liberdade

África mudou. Parece-nos que este já não é o tempo de pessoas ou partidos lutarem contra a vontade popular. Os exemplos da Tunísia, do Egipto, da Líbia e mais recentemente do Senegal – de forma pacífica – mostram que as pessoas querem tomar as rédeas do seu destino.
Acima de tudo, o que estas não querem é perpetuar no poder a arrogância dos dirigentes políticos que julgam que um país é propriedade de um grupo de sacrificados combatentes pela liberdade de uma nação.
O nosso tempo já não se compadece com essa cegueira partidária. O compromisso das pessoas, mais do que com a gratidão que se deve ao libertador, é com o futuro. Ou seja, as pessoas que decidem quem ganha eleições nos dias de hoje há muito que perderam a euforia diante das novelas do primeiro tiro e derivados.
Actualmente, as pessoas querem mais do que histórias viradas para o passado. O conto da epopeia libertária já não arregala os olhos de ninguém em qualquer canto de África.
A mancha da corrupção que abraça, de forma eloquente, muitos dirigentes políticos, em muitos países africanos, colocou grande parte dos honrosos filhos da mãe África no lugar de cancros por extirpar. Aliás, só assim é que é possível falar de liberdade.
O que é estranho. Falar de liberdade hoje quando a terra está livre há mais de 40 anos. Faz todo o sentido falar de liberdade porque ela nunca existiu. Ou seja, nunca tivemos a liberdade de dizer que não queremos ser governados por Mugabe. É dessa liberdade que o povo precisa.
Os senegaleses, egípcios, tunisinos e líbios alcançaram esta liberdade. A liberdade de escolher quem Governa. A liberdade de cometer erros nessa escolha e até de eleger um tirano. Ou seja, o equívoco é uma manifestação de liberdade.
Não se trata, portanto, de abandonar a pobreza ou de desfrutar do eterno banquete dos libertadores, mas de garantir a possibilidade de trocar um libertador por um sapateiro se as decisões do primeiro ferirem grosseiramente os anseios populares.
Essas mudanças no poder, em alguns países, marcam o fim de uma era na política africana, mas, ao mesmo tempo, deixam o caminho aberto a uma geração que deve agora assumir-se, não como “herdeira” de Mugabe, Khadafi e Eduardo dos Santos, mas como caminhantes na mesma estrada que a libertação da terra conferiu aos africanos.
Portanto, é responsabilidade dos jovens extirpar os Zedús e não deixar que os ventos da mudança terminem, abruptamente, num beco sem saída.
@VERDADE - 29.03.2012

EDITORIAL: Não é ficção

Um filme lançado recentemente, num espaço cinematográfico de referência mundial, retrata o dia-a-dia de uma família humilde num país distante do nosso. O enredo gira em volta da morte e da impotência das pessoas diante dela.
Não se trata, contudo, do percurso natural que leva o ser humano até ao último suspiro. É, diga-se, uma ficção em torno de mortes que poderiam ser perfeitamente evitadas. Ou seja, os cidadãos desse país morrem de malária, cólera e de outras doenças perfeitamente curáveis.
Num dia qualquer, um casal jovem acordou sobressaltado: os dois filhos menores estavam febris. O hospital local distava pouco mais de 20 quilómetros e, por ironia, o transporte público não circulava depois das 19h. Triste sina de quem morava num bairro periférico sem nenhum tipo de infra-estrutura.
Resignado, impotente e defraudado, embora inconscientemente, com a natureza do local que lhe coube para erguer um tecto – num país sem nenhuma política clara de urbanização e habitação – o casal carregou os dois filhos no colo até chegar a uma paragem.
Pelo caminho ficaram sem os telemóveis e o dinheiro para a consulta. Foram vítimas de marginais que, acobertados pela escuridão daquele país sem postes de iluminação, lucravam principescamente com o sacrifício do próximo.
Na estrada principal ficaram duas horas à espera de um transporte que nunca mais veio. Porém, como o azar também se dá ao luxo de gozar os seus intervalos lá veio uma alma caridosa que, indo na mesma direcção, não se fez de rogado socorrendo o casal.
Foi essa mesma alma caridosa que deixou o dinheiro para pagar a consulta de quem já não tinha nada, de quem seguia em direcção ao hospital não porque pudesse pagar os serviços de saúde, mas porque ele (o hospital) se afigurava como o reduto da cura e também porque nenhum pai vive para enterrar os filhos. Portanto, aquele mal-estar tinha de ser passageiro.
No hospital o casal teve de suportar uma fila enorme e uma longa espera até saber dos resultados. O filho mais velho tinha contraído malária, uma doença típica do país. O mais novo, embora com os mesmos sintomas, não acusou nada e os médicos disseram que estava bem. Depois disso o casal regressou aos seus afazeres com a convicção de que, mais dia, menos dia, tudo voltaria ao normal.
No dia seguinte, o filho mais novo começou a espumar pela boca e a mãe estava só, com a criança nos braços. Fez o mesmo percurso. Andou seis quilómetros a pé. Depois apanhou três chapas devido ao encurtamento de rotas.
Levou duas horas até chegar ao hospital por causa do engarrafamento que, naquele país, desconhece hora de ponta. Porém, aquela mãe chegou ao hospital para entregar uma criança já cadáver ao médico que, um dia antes, lhe dissera que o seu filho não tinha nada.
O que passa pela cabeça de uma mãe nessa hora? Certamente, que o desejo da mesma é esganar o profissional de saúde. Mas será que o problema é apenas dele? O que devem pensar as pessoas que vivem tão distante do centro da cidade daquele país?
Os encurtamentos de rotas naquela urbe são responsáveis por quantas mortes? A natureza dos bairros periféricos contribui de que maneira? O facto de os centros de saúde não funcionarem de noite mata quantos cidadãos daquele país? Obviamente que estes não são os maiores criminosos.
O maior criminoso é a situação que torna fértil a emergência de tais cenários. E isto só seria um filme se a ficção imitasse a vida, mas para tal teria de imitar fielmente Moçambique, um país onde todos os dias acontecem coisas do género no hospital de maior referência do país.
Na terça-feira, desta semana, uma criança morreu pela conjugação desses factores. Não é difícil fingirmos que não é connosco, mas somos todos cúmplices. É a nossa apatia que permite que nos governem como gado, é o nosso egoísmo e a nossa crise de valores que matam pessoas sem necessidade.
Somos nós quem passa a frente na fila, somos nós quem não cede o lugar a deficientes e mendigos, somos nós quem se preocupa com a saúde da nossa dispensa. Em suma: somos 22 milhões de assassinos.
@VERDADE – 09.02.2012

EDITORIAL: Informação. Não. Obrigado

Quelimane é uma cidade que vive muito do que a televisão informa. A imprensa escrita, para além de ser residual, chega quando já não tem muito interesse.
Essa cobertura frágil, por parte dos meios impressos, deixa os quelimanenses com duas opções: televisão ou rádio. Contudo, os níveis de pobreza que testemunhamos nos bairros e a preocupação por resolver problemas imediatos acabam relegando os dois meios com maior penetração para um lugar normalmente relegado aos artigos de luxo.
Efectivamente, informação não resolve as necessidades mais prementes do estômago. Portanto, não vem mal nenhum ao mundo – leia-se quelimanense – quando ela inexiste. Nos residenciais, hotéis e lodges os jornais que aparecem são da semana trespassada. Nada actual. Tudo velho.
Há coisas, diga-se, mais sérias e dignas de preocupação, como comer e beber. O que é informação para uma população privada de água, saneamento e saúde? Há buracos pela cidade e uma total ausência de emprego. Há dias de chuva que tudo transformam e colocam à nu problemas bem maiores do que um maço de papel que não vive, quando muito, uma semana.
Há bairros em que as pessoas até têm aparelhos de televisão e rádios, mas não têm corrente eléctrica. Ou seja, quando a aquisição de um bem é um dado adquirido o seu uso é hipotecado por um serviço que deveria ser prestado por quem de direito. Sem energia não há televisão. Resta-lhes então o rádio, mas este vive de pilhas e estas custam um balúrdio para o bolso de quem faz as contas na ponta da capulana.
Portanto, essa ausência de jornais tem alguma explicação: não há poder de compra. Os jornais só perdem dinheiro para penetrarem pelo país adentro. Ou seja, quando o que seria expectável era que, em abono das leis do mercado, os órgãos de informação impressos fossem os principais interessados em chegar ao país real nem eles se atrevem e nem as pessoas estão preocupadas com informação.
Este não caso exclusivo da cidade de Quelimane. Outros pontos do país sofrem da mesma doença. As pessoas não se informam e não cobram responsabilidades a quem de direito. Há tantas dores de cabeça, tantas tarefas, tantas obrigações e deveres que a última coisa que as pessoas querem é informação. Ela que circule na capital do país. Aqui, no país real e onde há falta de tudo e mais alguma coisa, a informação é tudo, menos prioridade.
@VERDADE – 01.12.2011

Editorial

Caros Leitores, Durante o mês de Janeiro não foi possível editar este boletim, devido a diversos contratempos, por este facto pedimos as nossas mais sinceras desculpas, mas retomaremos agora a partir do mês de Fevereiro de 2012.
Mais um ano se passou e a Justiça Ambiental (JA) continua firme e forte na sua luta por um País mais justo ambientalmente e socialmente, este será sempre o objectivo e a missão desta organização e estes serão também os temas dos artigos focados neste boletim.
Leia tudo em
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Editorial

Minas de carvão de Moatize e Linha de Sena

Da justificada esperança às justificadas dúvidas

Maputo (Canalmoz) – Acaba de ser inaugurada a primeira mina de carvão a céu aberto em Moatize. Outras virão, não só da Vale como de outras companhias que se têm vindo a perfilar para o efeito, na província de Tete, e como se estima que possa a vir a suceder mais tarde ou mais cedo, também na província do Niassa. Fazemos votos!

Outras minas virão. Não só de carvão.

Indústrias diversas, siderurgias, novas centrais eléctricas, refinarias, acrescentarão, com o passar do tempo, valor às riquezas naturais. Beneficiarão disso as gerações futuras.

Só a arte e o engenho de homens como Roger Agnelli é capaz de proporcionar à Humanidade o que acaba de nascer em Tete, fruto da sua liderança e de uma equipa de brasileiros no terreno que ombro a ombro com moçambicanos e tantos outros especialistas de várias nacionalidades souberam seguir a visão do presidente da Vale que vai cessar funções.

Este é um momento particularmente simpático e emocionante para quem ansiava pelo dia em que a Região Centro do País pudesse dar finalmente um ar da sua graça e vincar a sua importância para o futuro do País.

É um momento particularmente agradável ver-se como também a Região Norte está em vias de se poder juntar ao esforço pelo fim das assimetrias que têm caracterizado Moçambique, sem ter de se ajoelhar pela sua própria sobrevivência.

Para quem assistiu aos vários acidentes nas antigas minas subterrâneas de Moatize – em que não foram poupadas imensas vidas de quem nelas trabalhava, ver em cor de carvão renascer do luto a esperança, é um prazer imenso.

Quando havia do poder político um cínico e mórbido sadismo que via nesses acidentes um pretexto para nacionalizar (entenda-se estatizar), a emoção é exponencialmente maior. Estava-se então no auge da indiferença à morte; no auge do nacionalismo kalashnikoviano, permitam-nos a expressão.

Por decisões que viriam a levar o País para o abismo que foi a Guerra Civil por que Moçambique teve de passar, as minas de Moatize e a Linha de Sena vieram a ser alvos preferenciais a abater, como forma de retirar ao regime capacidade financeira para se opor a quem combatia inicialmente contra a opressão, humilhações e o totalitarismo, e mais tarde transformou essa mesma luta em luta pela Democracia.

Como que por ironia da História um dos homens que levou o País para a Guerra Civil esteve com muitos outros seus camaradas da “direcção máxima” da Frelimo Marxista-Leninista ao lado de Roger Agnelli em Moatize a celebrar no último domingo, 08 de Maio de2011, a nova oportunidade para uma parte de Moçambique que se não fosse o seu potencial continuaria esquecida por governantes que não foram nem são capazes de ver para além do seu umbigo.

O tempo e o génio de homens de elevada estirpe tem estado paulatinamente a fazer com que para a História fiquem os abusos e tudo o que julgavam impossível outros descortinarem…

De registar, no entanto, como notória e lamentável a ausência, ao mais alto nível, da oposição parlamentar do País nas cerimónias da inauguração simbólica da mina, no último domingo. A Vale por entre a sua ousadia salientada por Agnelli no seu discurso, por se ter ‘esquecido’ que Moçambique é mais do que a Frelimo e seus representantes, deixa claro que ainda tem algumas lacunas na sua gestão. As suas ambições e a dimensão do sonho comum que ela agora terá de compartilhar com as elites e povos locais exige da Vale maior isenção no tratamento das diversas sensibilidades. Só terá a ganhar se apreender algo deste nosso reparo.

A gaff ficará registada como um dos grandes lapsos da Vale em Moçambique, apesar da admiração que Roger Agnelli suscita aos cidadãos da região que vêem agora nele o símbolo de uma renovada esperança e do início de um sonho que se tornou possível.

Fica também registado o facto de Roger Agnelli ter reconhecido perante a Imprensa que a Linha de Sena é uma dor de cabeça pelo facto de não estar em condições quando começa a ser mais necessária.

Nós vemo-nos forçados a perguntar se os moçambicanos sabem que a fiscalização da obra pelo consórcio indiano CCFB teve como fiscal dos fiscais uma empresa que pertence à filha de Armando Guebuza, Valentina Guebuza, e ao próprio pai através da FOCUS 21, e ainda ao engenheiro Rui Melo – a INGEROP franco-moçambicana?

Por isso perguntamos: se a Linha de Sena está mal construída, a quem se deve? Quem esteve distraído a ponto da Linha estar mal construída como se anda por aí a propagar?

E saberão os moçambicanos, a Vale e Agnelli que as empresas entre as empresas de camionagem a quem pretendem recorrer para transportar carvão de Moatize para o Porto da Beira a fim de ser exportado, têm como accionistas membros da Administração do Estado e até dos próprios Caminhos de Ferro de Moçambique mesmo que alguns encapuçados por familiares e servidores?

Poder-se-á admitir que quem está directamente interessado em que a Linha de Sena não funcione possa de algum modo continuar ligado à representante do Estado na exploração da Linha?

E é admissível que alguma vez se entregue a exploração da linha ou a sua gestão a quem tenha interesse directo ou encapuçado em negócios que passem por ela em concorrência com outros?

(Canal de Moçambique/CanalMoz)



Carta Africana dos Direitos Humanos


Editorial

Num município telegovernado

Quererão os eleitores de Inhambane pôr fim ao poder dos “abutres” de Maputo?

Maputo (Canalmoz) – A essência da municipalização de um Estado reside na descentralização dos poderes do Governo Central para os residentes das autarquias, o que significa dar poderes aos munícipes de cada autarquia para pensarem nas soluções dos seus próprios problemas, para pensarem no desenvolvimento do seu território sem os telecomandos habituais do executivo central estacionado em Maputo. Mas tem sido difícil para estes largar o osso. Precisam de manter as aparências de que respeitam a autonomia, mas convém-lhes que possam continuar a usar os seus “teleguiados” para se irem servindo das oportunidades a que querem continuar a guindarem-se.

Autarcizar significa conferir poderes aos residentes das autarquias para se organizarem e encontrarem soluções para as suas dificuldades e desenharem formas de realizarem os seus sonhos. Mas não convém aos senhores do Governo Central e do centro do poder, que esse processo ande rápido.

Ninguém melhor do que os próprios munícipes de uma autarquia sabe o que é bom para si. Sendo assim, porque terão eternamente de vir os outros traçar o seu destino?

O que se tem verificado é que os municípios têm continuado na maior parte dos casos a ser delegações do Governo Central. Continuam, na maior parte dos casos, verdadeiros feudos do poder central. De Maputo decidem quem deve ser o candidato, falcatruam os processos quando os cidadãos das autarquias se deixam adormecer, decidem como o “fantoche” deve governar e até decidem “eles” quando o “teleguiado” deve deixar de governar se não obedecer às regras da “elite” que fez dele uma figura. Por controlo remoto o seu “comparsa” local realiza o que eles querem. O “fantoche” lá está para lhes abrir caminho…

Em 2008, nas 3ªs eleições autárquicas, contra todo o desempenho razoavelmente positivo que tinha mostrado durante o mandato, o Dr. Eneas Comiche foi sacrificado. Nem lhe permitiram que se recandidatasse à sua sucessão em Maputo. Em seu lugar foi lançado David Simango. Saiu a ganhar pelo menos uma “ala” do partido Frelimo, mas saíram a perder os munícipes da capital do País. Basta sair à rua para se ver o que é a cidade hoje e comparar o município de agora com o que era há poucos anos quando Comiche era edil.

Quem ganhou com isso foram precisamente os que pretendiam “assaltar” a cidade, os seus espaços e todo o potencial que repartido e bem gerido poderia trazer mais felicidade a muitos, em vez da desgraça crescente a que todos assistimos.

Os negócios de ocupação de terrenos e ruínas no espaço urbano de Maputo fluíram para certos “camaradas”, com a saída de Comiche, à falta de melhor. O povo cada vez se queixa mais…

Em 2011 a cena repetiu-se. A direcção da Frelimo mandou três edis do Norte cessarem. Motivo: queriam governar as cidades autarquicamente e não serem telecomandados a partir de Maputo pelos seus “camaradas”. Acabaram obrigados a desistir.

Agora é a vez de Inhambane nas “intercalares”. O mandato do anterior edil foi interrompido pela morte de Macul. Abriu-se de imediato e de novo uma oportunidade para o assalto à cidade. Macul nunca conseguiu governar para os da terra. A luta que travava contra a submissão acabou por levá-lo a adoecer e sucumbir. Um homem não é de ferro! Os “abutres” acabaram por vencê-lo. Adoeceu e morreu. Na confraria em que se metera pouco conseguiu fazer. Um aviso a Guimino ou qualquer outro que aceite ser marioneta…

Os terrenos localizados na orla marítima onde o falecido edil de Inhambane não deixava se erguerem ofensas ao ambiente, poucos dias após a sua morte começaram a surgir ameaças de retoma do que Macul sempre impediu que acontecesse. São vários os casos. O caso mais conhecido é o do terreno da orla marítima do Tofinho e o das construções na reserva florestal do Tofo, o primeiro ocupado pela Tradewinds, uma companhia sul-africana cujos sócios são, num outro negócio de imobiliária, sócios do primeiro-ministro Aires Ali que resolveu dar pernas aos seus apetites em Inhambane na lógica de ter no terreno quem dê cobertura aos seus sonhos, ainda que sejam contra os sonhos dos da terra. Ao ponto de Guimino até ter sido forçado a regressar de Quissico – onde já vivia desde Janeiro – a Inhambane, para ser candidato. Que maus que eram os outros candidatos a candidatos!?... E o que faz um “obediente”!...

Aires Ali já foi governador em Inhambane. Não conseguiu deixar lá obra que se visse, mas saiu de lá bem recheado de interesses, como já demonstrado em artigos publicados no Canal de Moçambique. Agora lança a Guimino, a difícil empreitada de tentar tornar-se sucessor de Macul. Imaginando-se que Guimino fosse eleito edil de Inhambane, como poderia mandar a empresa Tradewinds, protegida por Aires Ali, parar de destruir o meio ambiente?

Foi exactamente Aires Ali, membro da comissão política do partido Frelimo, que esteve a semana passada em Inhambane, antecipando a “campanha”. Terá Aires Ali ido a Inhambane defender os interesses dos munícipes e da autarquia, ou os seus próprios? Com descaramento cínico, Aires Ali disse ter ido a Inhambane como membro da Comissão Política da Frelimo, mas foi recebido e fez uso de todo o aparato do Estado, sendo ele Primeiro-Ministro, dando assim, mais uma vez, exemplo do quanto dinheiro e meios existem disponíveis quando se precisa de manter poder. Nunca faltam meios e dinheiro dos contribuintes quando é para lutar pelo poder. Faltam sempre meios quando é preciso fazer obras indispensáveis aos cidadãos.

Aires Ali disse em Inhambane que o seu partido e o seu candidato Guimino deve vencer. “Devemos vencer as eleições para honrar a memória do nosso membro”, em alusão ao malogrado Lourenço Macul.

Macul não patrocinava obras ilegais em terrenos proibidos por lei. Opunha-se veementemente a isso. Seria a essa memória de Macul que Aires Ali se referia? – Seguramente que não! O que Aires Ali quer é que o poder autárquico continue subjugado a Maputo.

Na cidade de Quelimane, os “graúdos” do partido Frelimo foram tentar ofuscar a imagem do jovem Manuel de Araújo e acabaram ofuscando a imagem do seu próprio candidato, Lourenço Abubacar. Imagine-se se na cidade de Inhambane o candidato da Frelimo nestas “intercalares” saísse vitorioso com o apoio de Aires Ali & Companhia: a quem iria Guimino prestar as contas? Aos munícipes de Inhambane ou aos “graúdos” que o indicaram? Falamos da prestação efectiva de contas. Não do mero exercício de aparecer na assembleia municipal a ler um relatório de realizações que tantas vezes estão longe de ser as que o Povo queria. Quando há!...

Realizações, está-se a ver agora mais uma vez em Inhambane. Só ocorrem em período eleitoral. O medo de serem derrotados até está a levar a energia eléctrica a quem a queria e nunca a conseguiu em quase quarenta anos. Quanto medo têm dos eleitores!? Ou será medo de um adversário que faz parte de uma equipa com boas referências autárquicas?

Quem sabe que no voto de cada munícipe farto de promessas pode estar o fim dos abusos que pareciam eternos, com obras de última hora só acaba por provar que o voto só lhe interessa para manter o poder.

Os cidadãos locais já sabem agora que o seu voto é necessário para assegurar o “pasto” dos “graúdos” por mais uns tempos. Cabe-lhes decidir o que querem: se querem continuar teleguiados ou se querem passar a ser realmente donos do seu destino.

Para os que se convenceram que o poder é eternamente seu, o povo só serve para os legitimar em eleições. Com estas eleições em Inhambane, depois de Quelimane, estão criadas todas a condições para que mais um território autárquico deixe de ser um feudo dos “senhores de Maputo”, de onde as figuras da nomenklatura do partido no poder aparecem para extrair tudo o que há de riqueza nas autarquias, como está a suceder em todo o País onde ainda os deixam fazer das suas…

Os munícipes, representados por edis telecomandados, bem podem gritar “basta”. Mesmo que gritem alto: “no nosso território decidimos nós!”, o edil que está às ordens dos seus “patrões” sentados em Maputo a gerir o património que vão adquirindo pelo País afora, esse nada pode fazer. Torna-se ele próprio uma vítima do processo. Seria assim Guimino se fosse eleito.

Se os municípios existem para ser telecomandados pelo executivo, não há necessidade de se municipalizar o País. A municipalização só faz sentido quando é para beneficiar os locais.

A alternativa aos telecomandados é quem não tem vínculos aos que querem o poder em toda a extensão territorial para que o seu pasto seja total, a partir do “trono” em Maputo.

Os munícipes devem convencer-se que a única forma de se abrir espaço às realizações dos seus próprios interesses é não permitirem que os “abutres” continuem a martirizá-los…

Está para se ver, nestas eleições “intercalares” em Inhambane do dia 18 de Abril, se os eleitores querem que, tal como Quelimane, se inicie um processo em que o verdadeiro poder deixe de estar em Maputo. Ver-se-á se querem ou não que o seu município deixe de ser um dos pastos dos “abutres”.

O voto é secreto e a caça ao voto está em curso na terra a que Vasco da Gama chamou de “Terra da Boa Gente”, quando por lá passou na sua qualidade de “nosso primeiro turista” como gostava de salientar o falecido Lourenço Macul. (Canalmoz / Canal de Moçambique)



Carta Africana dos Direitos Humanos




Maputo (Canalmoz) - Em Genebra decorreram sessões de Revisão Periódica Universal do estado dos direitos humanos nos países membros, em fórum dirigido pelo Conselho para os Direitos Humanos das Nações Unidas. Vários países submeteram os seus relatórios de acordo com o parágrafo 15.a) do anexo da Resolução 5/1 do Conselho dos Direitos Humanos que é formado por representantes oficiais dos aparelhos de cada país membro das Nações Unidas. Moçambique esteve lá a prestar contas mas mais uma vez esqueceu-se de que, como Estado praticou crimes que não prescrevem. E mais uma vez omitiu explicações ao mundo sobre o paradeiro de cidadãos que nunca participaram na guerra de “desestabilização” (como os sucessivos governos de Moçambique preferem designar a Guerra Civil) e desapareceram às ordens de uma entidade de direito privado que abocanhou o Estado e o subverteu, confinando-o aos seus critérios. Terão sido mortos algures na Província do Niassa de forma extra judicial. Tais crimes estão por esclarecer. E as autoridades moçambicanas continuam a fingir que não há nada a dizer. Até já houve um tribunal judicial que há poucos anos teve o descaramento de julgar à revelia uma das vítimas, Joana Simeão, alegando que se encontra em “parte incerta”. Até onde chega o descaramento!

Em Genebra, a semana passada, foi a primeira vez que o Governo se submeteu ao exercício de prestar contas sobre Direitos Humanos em Moçambique. Era de esperar que a ministra Benvinda Levi em Genebra não surpreendesse. Era de esperar que mais uma vez o Governo fingisse que não tem por esclarecer assassinatos de cidadãos a seu cargo, apenas porque se tratava de “reaccionários”. Fez um discurso completamente conveniente. E, nas Nações Unidas, como ninguém está muito interessado em Justiça, apesar do espectáculo, a credibilidade de organizações oficiais de direitos humanos, que nunca foi tida como muito séria, continuou como sempre, pelo menos no que respeita a Moçambique.

Consoante as conveniências e os interesses de momento, os violadores dos mais elementares direitos dos cidadãos são poupados em muitos dos fóruns (fora) de Direitos Humanos por quem tem meios e influência para induzir a que se corrija o que está errado.

As Nações Unidas são os países e como tal os governos. Quando os negócios vão mal por causa da política, discutir violações aos direitos humanos, convém. Os Direitos Humanos só interessam quando os negócios precisam de um álibi para tirar da frente alguém que com a sua forma de governar não esteja a deixar fluir o ‘business’.

O caso mais exemplar e recente é o do Egipto. Há quase 3 décadas, o direito do povo egípcio a um governo legitimamente democrático, foi sendo adiado por quem detém o poder no Cairo. Antes apoiado pelo bloco de Leste, hoje aliado do Ocidente, o Egipto nunca figurou na lista negra das poderosas democracias do nosso planeta. Foi preciso o povo egípcio ir para a rua e protestar contra um estado de coisas que se tornaram insustentáveis, para as potências democráticas se lembrarem de falar da necessidade de reformas democráticas no Egipto.

O caso do Egipto, e antes o da Tunísia, mostram bem que o respeito pelos Direitos Humanos é uma agenda adiada sempre que o regime de um determinado país é favorável aos negócios e à estratégia política de quem fecha os olhos às violações que ocorrem.

Quando se trata de amigos é diferente o ânimo de denúncia de crimes que certos governos impunemente praticam contra os seus povos.

Os ventos de mudança que sopram no norte do nosso continente e que se alastram às regiões vizinhas, com tendência para descer até ao Sul, começam a colocar os governos de países, com alegados regimes democráticos sólidos, na embaraçosa situação de terem, de repente, de colocar, nas respectivas agendas, questões tão elementares como o direito a eleições livres e justas, e/ou o fim de regimes totalitários ou autocráticos em países com constituições democráticas mas com práticas insanas.

Se os países que violam os Direitos Humanos são aliados das potências democráticas, estas fecham os olhos.

Esse comportamento leva a questionar a legitimidade e a seriedade da posição assumida por essas potências quando se insurgem contra regimes igualmente autoritários e totalitários, como o existente numa Líbia ou na Coreia do Norte.

Está assim em causa no Mundo a observância rigorosa de princípios.

Os Direitos Humanos não podem continuar sujeitos a dois pesos e duas medidas.

No que toca a nós – povos da região Austral do continente africano – aqueles que têm por dever e obrigação induzir a que se salvaguardem os mais elementares direitos dos cidadãos, com o seu silêncio cúmplice perante os mais infames abusos, estão a permitir a consolidação gradual, mas segura, de novas ditaduras. Basta olharmos para o Zimbabwe!

Pelo facto de se terem tornado o suporte financeiro de alguns dos governos no poder, como é o caso de Moçambique, quem tanto fala de Direitos Humanos – e ainda bem – não só tem o dever, mas também a responsabilidade acrescida de ser coerente.

Esses que se fazem passar por justos têm de se deixar de agir como estão a agir para que povos dos países que se apercebem da sua incoerência os deixem de ver como cúmplices de criminosos.

Para que os Povos os voltem a ver como honestos defensores dos Direitos Humanos, por que querem fazer-se passar, a cumplicidade tem de acabar.

No caso concreto de Moçambique, de eleição em eleição, o ténue tecido da nossa democracia conquistada a ferro e fogo, vai-se esfarrapando mercê de fraudes sistemáticas que têm como objectivo central a eternização no poder de uma verdadeira seita política que se confunde com o Estado.

Os arautos da Democracia e dos Direitos Humanos, com a sua incoerência facilmente constatada na prática, estão a destruir a oposição democrática em África, mediante a sua descredibilização perante os eleitorados.

Com processos eleitorais viciados em muitos países africanos, as “derrotas” das oposições não se registam à boca das urnas, mas nos centros de informática e de bases de dados criados e sustentados financeiramente pela chamada comunidade doadora. Até querem saber, bem antes dos cidadãos irem votar, quem é a alternativa aos poderes instalados, como se a democracia pelo sistema de um homem um voto não fosse precisamente para se apurar qual é a alternativa pela soma dos votos.

A benevolência perante a fraude está a desacreditar a democracia.

A democracia moçambicana, concretamente, está em perigo. Está desacreditada. É um dos muitos casos em África e no Mundo que está em perigo. Mas nos fóruns formais internacionais de Direitos Humanos não se escutam as vozes daqueles que, por princípio, deviam há muito ter-se colocado ao lado dos que são defraudados. Não o fazem hoje, como não o fizeram ontem, ao avalizar a legitimidade de um regime apoiado no desrespeito dos direitos sacrossantos dos cidadãos moçambicanos.

Em Moçambique ainda estão no Poder senhores de um regime que literalmente afogou a oposição em sangue, depois de ter conspurcado o conceito de Direito, organizando pseudo julgamentos em campos militares transformados em tribunais, em que senhores da guerra envergaram as vestes de procuradores e juízes – além de carrascos.

Os desaparecidos de Nachingwea, de M’telela, do Destacamento Namuli ou de outros redutos da morte, em que se incluem o Reverendo Uria Simango, Joana Simeão, Mateus Gwengere, e muitos outros, nunca causou espécie às organizações de Direitos Humanos, designadamente às Nações Unidas, não obstante os faustos orçamentos de que dispõem para periodicamente organizarem encontros, reuniões, conferências e fóruns (fora) e outras coisas mais, mas que traduzido na prática de nada valem para quem no terreno sofre e testemunha os abusos, o desrespeito e a prepotência dos que fizeram e querem continuar a viver com recurso à fraude política e aos crimes de Estado.

A palavra de ordem dos organismos de Direitos Humanos não é a garantia dos Direitos Humanos.

“Não fazer ondas” para não se por em “perigo o equilíbrio delicado” das “experiências de sucesso”, como é apresentado o caso Moçambique nesses fóruns (fora), tem sido o outro lado da moeda para os arautos do discurso da necessidade de se respeitarem os Direitos Humanos. Quando muito, dizem-nos em relatórios que “há ainda caminho a percorrer”, mas a alternativa é a burla, a vigarice e o jogo viciado dos plebiscitos. Acima de tudo não querem que se ponha em cheque a estabilidade e a ordem regionais, para que a trupe continue a poder falar em casos “de sucesso”.

As instituições de Direitos Humanos estão a perder a credibilidade, salvo raras e honrosas excepções. É urgente corrigir isso. A promoção da Paz virou uma indústria que compete com a indústria da guerra. Há hoje autênticas empresas e organizações sob os disfarces mais variados – designadamente sob a designação de fundações e organizações não governamentais. Mas, entretanto, os direitos humanos não estão a ser devidamente protegidos pela conspurcação a que hoje está submetida a Carta Universal dos Direitos Humanos e dos Povos.

O caminho que a discussão sobre os Direitos Humanos está a tomar, é perigoso.

Os povos estão a chegar à triste conclusão que o seu sofrimento não acabará se não protestarem.

Será que só a luta dos povos na rua, como está a empreender o Povo Egípcio, e como antes outros fizeram, designadamente na Tunísia, pode de facto inverter as coisas e por termo a esta enorme mentira em que a miséria e ofensas mais variadas à dignidade humana passaram a alimentar as confrarias mais infames por esse mundo afora?

A solução é o caos? (Canalmoz / Canal de Moçambique)

Carta Africana dos Direitos Humanos


Editorial

Bancos “assaltam” cidadãos por ordem “ilegal” do Banco de Moçambique

Maputo (Canalmoz) - O levantamento de depósitos em contas de residentes, sejam nacionais ou estrangeiros, em moeda estrangeira, está a ser negado pela banca comercial por ordens do Banco de Moçambique. Só aceitam pagar em Meticais cheques timbrados sobre contas em Moeda Externa. Ou obrigam a depositar, o que as pessoas já começam a negar-se a fazer. Ou dizem que só pagam na Moeda (externa) da conta do cheque – que pode ser em USD, em Rand ou Euro, etc. – se o beneficiário do cheque for viajar. Mas logo a seguir pedem o visto de viagem, ou dizem simplesmente que não têm Moeda Externa para pagar quando o cidadão alega que vai à África do Sul ou a um qualquer País da SADC onde não se carece de visto.

Isso está a tornar a banca o inimigo principal do cidadão que foi apanhado totalmente em contra-pé pelo que alguém já considerou, numa apreciação jurídica, de “ilegal” e que os cidadãos já classificam, sem papas na língua, como um “assalto” que se está a fazer ao que a outros pertence, ao que pertence aos simples cidadãos, às pessoas singulares.

Por ordem expressa de um Governo que não respeita a propriedade alheia, por iniciativa de um governo sem o mínimo de respeito pelo que é privado, está-se a assaltar pura e simplesmente as contas de singulares, de privados que acreditaram no contrato que formaram com os bancos e lá puseram o seu dinheiro em Moeda Externa, fazendo fé na legislação vigente.

Pessoas que guardaram aqui as suas economias em Moeda Externa, quiçá a pensar nem sequer virem a usar esse dinheiro em Moçambique, são agora obrigadas a receber Meticais mesmo que não queiram. Para depois terem de voltar a comprar dólares para viajar. Um role de manobras para se apoderarem do alheio o mais que podem.

Cheques sobre contas numa determinada Moeda Externa não estão a ser pagos pela banca comercial por ordem expressa do Banco de Moçambique e do Governo. As pessoas estão a ser obrigadas a receber Meticais, contra cheques em dólares ou numa outra Moeda Externa de conta de residente.

As pessoas singulares estão a ser obrigadas a depositar os cheques em Moeda Externa sobre contas de residentes.

Os bancos estão a dizer às pessoas que é por força da Lei Cambial. Mas será que a Lei Cambial se aplica a quem tem contas em moeda estrangeira, com saldos estabelecidos antes da entrada da lei em vigor?

E como se pode aplicar uma Lei Cambial a quem não quer cambiar e por isso tem contas na própria Moeda Externa que possui?

Será que o Governo quer que o dinheiro todo fique no estrangeiro guardado? Vamos todos ter de voltar aos tempos do “socialismo científico” de triste memória?

O que estão a fazer não é próprio de gangsters?

É possível começar-se um jogo com regras de futebol e na segunda parte aparecer um grupo de senhores e dizer, bom isto agora na segunda parte vai passar-se a jogar com as mãos, isto agora é basquetebol?

Quem tem dinheiro em Moeda Externa, nas suas contas, só pode levantar em Meticais. Pode depositar na Moeda Externa, mas depois não pode levantar o que guardou no banco?

E como é que isto pode aplicar-se a quem meteu dinheiro nas suas contas antes da Lei Cambial entrar em vigor?

Faz-se artificialmente, como se parece, um câmbio que nada aconteceu que o explique, e toca de assaltar o cidadão que andou a fazer as suas economias em dólares quando o Metical entrou em derrapagem? “A partir de hoje queres os teus dólares euros ou randes, estás muito enganado. Toma lá Meticais!”

Isto cabe na cabeça de gente com princípios?

Quando as pessoas viram o Metical derrapar e converteram as suas poupanças em Moeda Externa agora vem quem não soube precaver o País desse descalabro dizer, depois de criar um câmbio artificial, dizer que só dão Meticais a quem tiver depósitos em Moeda Externa?

Quem depositou Moeda Externa no banco por confiança no sistema bancário, agora vendo isto vai continuar a guardar dinheiro nos bancos?

Se o que se está a fazer não é um roubo, o que é?

Os próprios bancos venderam dólares às pessoas por 39 e agora só pagam por eles 27 e isto é pacífico? Obrigam as pessoas a trocar, se querem o que é seu?

Isto é comportamento de gente séria?

Pessoas que acreditaram no sistema bancário moçambicano agora são de um momento para o outro forçadas a trocar dólares, euros, randes, etc. por Meticais? São obrigadas a cambiar forçosamente e a receberem em Meticais.

Se isto não é um assalto, o que é?

Isto não é próprio de gente ordinária?

“Isto é um roubo”.

“Estão a sacar-nos os dólares para dar a alguém”.

É disso que se ouve dizer nas agências bancárias.

Enfim, é de facto um escândalo o que se está a passar nos bancos quando se pretende levar dinheiro de contas próprias, ou trocar um cheque em Moeda Externa. Está-se inclusivamente a prever que as pessoas vão deixar de aceitar cheques. Com dinheiro vivo na mão outro galo canta!

Por outro lado, a Constituição expressa claramente que as leis não podem ter efeitos retroactivos. Ainda se pode admitir que um Estado soberano tome as medidas que ache convenientes, mas não se pode admitir que essas medidas atinjam valores depositados antes da lei entrar em vigor. Como é?

Da forma como se está a proceder, está-se a rebentar com a confiança no sistema bancário em Moçambique.

E pior ainda, quando se sabe que um administrador do Banco Central aldrabou a Imprensa para esta levar a falsa promessa aos cidadãos de que os seus valores seriam respeitados, estamos perante gente com tão baixo nível que não encontramos termos para as classificar.

O que se pode pensar de quem assalta cidadãos do próprio País desta maneira? Não estaremos a caminhar para um cenário muito parecido com o do Zimbabwe?

É a isto que chamam de boa governação?

É bom o governo que assalta desta maneira os cidadãos?

Mas vejamos para terminar um ponto de vista jurídico para que não se pense que quando se chama gatunos a quem permite o que está a acontecer, se está a esquecer que estamos num estado de direito. Vejamos o que escreveu o causídico, José Manuel Caldeira, no n.º 42 do Boletim da “Sal & Caldeira Advogados, Lda.”, em Junho do corrente ano:

“O número 4 do artigo 102 do RLC [Regulamento da Lei Cambial] determina que o limite de US$ 5.000,00 por transacção para levantamento de fundos em contas em ME [Moeda Externa] de residentes só pode ser para fins de viagem ao estrangeiro. Esta restrição afigura-se-nos como ilegal, porque, por um lado, o levantamento dos fundos em si não é operação cambial, tendo em conta a definição constante da alínea ii) do artigo 3 do RLC. Por outro lado, tal não faz parte do objecto da Lei Cambial, como resulta do artigo 1 da Lei Cambial, porque não se realiza entre residentes e não residentes e porque não é qualificada como tal por lei. Se o levantamento for feito para uso de fundos no exterior de Moçambique, aí sim, estar-se-ia face a uma operação cambial. Contudo e mesmo neste caso, como resulta do n.º 3 do artigo 8 da Lei Cambial, o Regulamento da Lei Cambial pode fixar o limite do valor da saída de Moeda Externa, tendo-o feito em US$ 5.000,00, mas não o fim, neste caso, para efeitos de viagem ao estrangeiro. Foi violado assim o princípio do congelamento do grau hierárquico, pois um Decreto do Conselho de Ministros não pode extravasar o que dispõe uma Lei da Assembleia da República”.

E sendo assim, para terminar perguntamos: Se não se está perante uma violação descarada desse tal Estado de Direito que se apregoa, o que se pode dizer mais por ora, até que apareça alguém que volte a permitir que o Estado se dê ao respeito? (Redacção)



Carta Africana dos Direitos Humanos


Editorial

Onde estamos nós metidos?

A PGR apareceu-nos na última sexta-feira a “absolver” quem a administração americana, com o aval do próprio presidente Barack Obama apelidou de “Barão de Drogas”. Mas o mesmo comunicado da PGR admite que Mahomed Bachir Sulemane e as suas empresas sonegavam dinheiro ao Estado. Di-lo com imensa naturalidade e acrescenta, quase em tom de que acaba de conquistar um troféu que o MBS já está a devolver. Di-lo com um descaramento assustador, é o que podemos pensar partindo a ousadia de quem parte.

A PGR, entretanto, não comenta o que a tal brigada da PIC “supervisionada” por uma magistrada do Ministério Público terá apurado relativamente aos tais cinco passaportes que a administração americana diz que o magnata Bachir possuía. Fomos perguntar à PGR o que terá acontecido a essa parte da investigação e apenas nos disseram – resguardados no anonimato – que está a decorrer um outro inquérito, em paralelo, em que já há funcionários a serem investigados. Logo assim admitia a PGR que terão sido encontrados indícios fortes de algo estranho. De outro modo não haveria ninguém sob investigação. E, havendo, perguntamos: porquê um inquérito paralelo se fazia tudo parte do mesmo pacote de acusações americanas? E porque não esperar que toda a investigação termine para depois então a PGR emitir um comunicado completo?

Que mensagem esta PGR quer transmitir ao País com estes malabarismos?

E por que razão se apressou a publicar o comunicado: será porque o Presidente da República Armando Guebuza está para visitar este mês as Nações Unidas em território americano e pode ficar à mercê de perguntas inconvenientes de jornalistas estrangeiros?

Diz a PGR que os investigadores da PIC e do Ministério Público não encontraram evidências contra o cidadão Mahomed Bachir Sulemane nem contra o grupo MBS, mas se apanharam o MBS em descaminhos aduaneiros será que não poderá ter havido em situações anteriores outros descaminhos?

“Foram apurados factos suficientes sobre violações aduaneiras, violação da legislação cambial e prática de infracções fiscais”, escreve a PGR no comunicado de sexta-feira, 02 de Setembro de 2011 em que afirma peremptoriamente que durante as “diligências realizadas” (…) “não apurou indícios suficientes que consubstanciem o tráfico de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”.

Até o próprio cidadão Bachir deve estar ofendido por o terem colocado em posição tão ridícula na praça. Mais ainda pelo facto da própria embaixada americana ter vindo logo reiterar que mantém todas as acusações contra o magnata do MBS. E ontem mesmo ter voltado a afirmar que “Bachir é um traficante de drogas significativo”.

‘Quase que mais valia estarem calados’, comenta a opinião pública à boca cheia a propósito do comunicado da PGR. Certos sectores da opinião pública chegam mesmo a admitir, com ironia nos lábios, que este precipitado comunicado da PGR vem na esteira de necessidades financeiras do partido no poder nesta fase em que se encontram os preparativos de mais um congresso da Frelimo. Tudo serve agora para ridicularizar a PGR.

“Reiteramos a nossa total confiança no processo rigoroso, conduzido por agências múltiplas do governo dos EUA no ano passado, que encontrou evidências suficientes para a designação do senhor Bachir como Barão de Droga” – reafirmou em resposta imediata ao comunicado da PGR, o adido para a Imprensa e Cultura da Embaixada dos EUA em Moçambique, em comunicado de 05 de Setembro de 2011.

A Procuradoria-Geral da República, com apoio de agentes da PIC, concluíra que “foram apurados indícios suficientes de factos” que indiciam “violação dos procedimentos relativos ao desembaraço aduaneiro”. Então a violação desses mesmos procedimentos não terá estado na origem de casos que levaram às acusações americanas?

“Consideramos como bom sinal a investigação das violações aduaneiras e de impostos, actividades que em muitos casos servem como base para investigações de tráfico de estupefacientes e outros actos ilegais”, diz ainda o adido americano em Maputo, só lhe faltando lembrar que Al Capone nunca foi preso por tráfico mas por sonegar dinheiro ao Estado.

Se o que a PGR fez foi para ajudar Guebuza em vésperas de ir às Nações Unidas, prestou-lhe um péssimo serviço. Com amigos destes bastam os inimigos…reza um velho ditado universal.

E quando nesta mesma altura nos chegam mais telegramas do ex-representante americano em Moçambique durante o primeiro mandato de Armando Guebuza, com comentários não menos assustadores de um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e de um ex-deputado da Assembleia da República que não se lembra de ter dito o que Chapman afirma mas admite que não há vontade política para se enfrentar o narcotráfico, como nos podemos sentir no meio de tudo isto?

Que credibilidade querem as nossas instituições fazer-nos crer e fazer crer ao mundo que merecem?

Moçambique está mesmo doente! É uma enorme tristeza! E não acontece nada como é normal com estes escândalos, em verdadeiras democracias, acontecer. Pelo menos há vergonha. Aqui nem isso. (Canalmoz / Canal de Moçambique)



Carta Africana dos Direitos Humanos

“Os jovens devem revoltar-se perante a falta de oportunidades e pobreza”

“O colono apenas mudou de raça! Os colonos brancos também diziam que queriam combater a pobreza absoluta.” – Erick Charas

“É sentimento geral de que há necessidade de nos libertarmos dos nossos libertadores. Estão há muito tempo no poder e não representam a ninguém”— Erick Charas

“A Frelimo, com aqueles que a estão a liderar hoje já caducou” – Erick Charas


Maputo (Canalmoz) – Num País onde os que pensam diferente e dizem o que lhes vai na alma recebem, regra geral, adjectivos pouco simpáticos – embora alguns delirem com isso – não sabemos qual será o adjectivo que será atribuído ao entrevistado do Canalmoz – Diário Digital e Canal de Moçambique – Semanário Impresso, depois da presente entrevista. A nós cabe dizer que se chama Erick Charas, é patrão do grupo Charas, proprietário do único jornal impresso e de distribuição gratuita em Moçambique. A certa altura da entrevista diz ser membro do partido Frelimo. Diz ter ambiciosos projectos sociais destacando-se o “Casa Jovem”, na cidade de Maputo, de 120 milhões de dólares (construção de 26 prédios) que visa criar habitação para a juventude a preços bonificados.

Usámos seus projectos como pretexto para o entrevistar e acabámos por falar de assuntos polémicos como aquilo a que chamou de “necessidade de os jovens se revoltarem perante a falta de oportunidades e pobreza”.

Charas dá respostas longas e pelo meio faz perguntas ao entrevistador. Ou seja, quer ser ele o jornalista no meio da entrevista. Em certos casos tivemos que o interromper para lhe colocarmos as nossas questões. Disse durante a entrevista que “o País está a ser Governado por pessoas com ideias velhas” e, na sua opinião, “é por isso que continuamos pobres”. Disse-nos que ficou muito feliz com o que aconteceu em certos países quando viu movimentos de libertação que se achavam donos das pessoas a serem derrubados por jovens. Aliás disse que as manifestações de 01 e 02 de Setembro, em Maputo e algumas cidades do País, foram um grande aviso de que os jovens podem tomar o poder a qualquer altura e mudar a história.

“É sentimento geral de que há necessidade de nos libertarmos dos nossos libertadores. Estão há muito tempo no poder e não representam a ninguém”, disse Charas a certa altura.

Para deixar as conclusões ao critério do leitor optámos por publicar a entrevista no clássico pergunta-resposta.

Siga a entrevista que não perderá o seu tempo:

Canalmoz/ Canal de Moçambique (Canal): Quando foi criado o Jornal “A Verdade”, houve muito cepticismo em relação ao projecto, principalmente em relação ao título gratuito. Porquê um jornal gratuito? Qual é o móbil do jornal?

Erick Charas (Erick): O jornal A verdade é gratuito fundamentalmente, porque surgiu depois de ter sido feito um estudo, um plano de negócios e traçados os respectivos objectivos. Surgiu como melhor alternativa e opção para levar a informação ao povo. Depois dos estudos e pesquisas que fizemos tinha-se chegado à conclusão de que se a intenção é massificar o acesso à informação, há que tomar em consideração aquilo que o povo tem. Não estamos a falar de um grupo de privilegiados que tem capacidade. Estamos a falar da maioria que pode parecer que tem dinheiro para gastar, mas tem milhares de opções para gastar o seu dinheiro. Portanto a ideia fundamental foi observar esse respeito de direito que o povo tem de estar informado. Pensamos que a informação é um direito para nós nos constituirmos como cidadãos.

Canal: Há jornais que devido à sua génese em termos de proveniência de fundos tinham que ter a tarefa do jornal A verdade: advogar a informação junto do povo.

Erick: Olha, o jornal Notícias é considerado jornal do Estado, mas é um jornal privado. Mas os accionistas deixam muito a desejar porque tem o Banco de Moçambique. E tu vais dizer que o Banco de Moçambique é o meu banco institucional. Como é que o accionista de um jornal que é meu concorrente é o banco central? Nalgum momento a coisa não fica bem. Mas o pior de tudo é que mesmo depois disso, de sabermos que é um jornal privilegiado com fundos indirectos do Estado, e é para lá onde o Estado sem concurso manda os seus anúncios, com isso tudo, esse jornal é que tinha a obrigação de pensar todos os dias como vai chegar mais ao povo. Mas o jornal que tem a maior ligação com o Estado não pensa nisso e faz uma ninharia de cópias. Faz um esforço mínimo para replicar a sua ligação com o Estado em termos de informação e alcance.

Canal: Por falar em jornal Notícias que no nosso caso é considerado jornal do Estado embora seja de uma SARL… Primeiro pelos próprios administradores da máquina Estado e depois na esfera pública em geral, há uma percepção deturpada em relação ao anúncio e principalmente ao anúncio do Estado, publicidade do Estado. Como olha para esta questão?

Erick: (Risos) … Olha, eu vou usar uma palavra para classificar isso e eu não sei como depois vais usar. Eu acho que é um processo pornográfico. Três anos depois de estar na imprensa e é preciso ver, eu não sou jornalista, não fiz formação em jornalismo, Nunca escrevi e nunca escrevi matéria jornalística – pergunte aqui no jornal, nunca escrevi nenhum texto para o jornal – a estou agora a lutar há semanas para ver se escrevo o meu primeiro texto para o jornal (risos)… especificamente para o leitor. Então eu não sabia nada o que era isso de imprensa. A única conclusão a que eu tinha chegado é que se achava que a informação era deficitária. Repara que não estou a falar da qualidade de informação, estou a falar do alcance, onde esta informação chega. Depois de analisar chego à conclusão de que estamos num mercado que não segue nenhuma regra: implícita ou explícita. Se calhar as coisas vão mudar e começarão a mudar daqui para a frente. Mas, neste momento, o anúncio é usado como, nem diria moeda de troca, mas como uma pistola, como uma arma violenta. Tu tens um anunciante que é uma empresa de telecomunicações que usa o poder de compra do anúncio para determinar e forçar aquele meio para dizer e fazer o que eles querem. E no primeiro dia em que não fazes, ou não te pagam ou deixam de fazer o anúncio. Quer dizer, é tudo pornográfico, e não há nada que regule isso. Tu passas para as agências, que unilateralmente decidem para aonde é que vai o anúncio. Não tem nada a ver com o que lê, para quem é dirigido o anúncio, o público-alvo, ou seja conceitos básicos e fundamentais de marketing. Estou ainda a falar do sector privado. Ainda não cheguei no sector público… As pessoas que determinam isso estão a pensar em anunciar onde vão ganhar mais comissão e não necessariamente onde vai dar resultados. O anúncio é usado como uma forma de repressão. É usado para fazer exactamente aquilo que a lei de imprensa não permite fazer numa sociedade democrática. E no contexto do Estado não é diferente. O Estado usa o poder de compra que tem que é no anúncio das suas informações e concursos públicos, e se fores analisar, porque as contas não são públicas o Estado deve gastar por aí 10 milhões de dólares em anúncios, mas determinam unilateralmente onde vão gastar num único jornal. Não manda para nenhum jornal privado, e não venham dizer que não sabem. Nós neste momento falamos formalmente e informalmente com o Estado. Já se falou com o Banco de Moçambique. Há questões muito implícitas que acabas de ter as empresas privadas até forçadas a anunciar num jornal como o Notícias enquanto as empresas não querem. Mas como o accionista do Notícias é o Banco Central, qualquer banco que tem que publicar o seu relatório de contas tem, é obrigado a pôr no Notícias. Mas como estamos no país em que estamos, optam por passar por cima dos outros. Quando eu levantei estas questões, de várias formas, é sempre respondido “porque o nosso governo é fantástico e tal”, a tentarem descredibilizar o assunto. Dizem que as pessoas é que querem ganhar muito dinheiro. Que é preciso notar que a lei de procurement determina que o anúncio público deve ser feito no jornal de maior tiragem e circulação. Isso pressupõe que tem que haver uma contagem independente. Mas aí tu te perguntas tens um GABINFO, Conselho Superior de Comunicação Social para quê? Tens estes todos órgãos que são tutelados pelo Estado e que não estão nem preocupados se a informação que a gente publica na nota editorial é idónea ou não. Se estas instituições funcionassem iam permitir que as coisas também funcionassem como deve ser. Portanto, logo à partida está tudo definhado. Tu tens o dinheiro que vai para o orçamento de Estado para o procurement. Porque o dinheiro é doado e nós subscrevemos como país, as regras de transparência que apresentamos a eles são as nossas leis de como vamos gastar o dinheiro. A primeira diz que todas as compras serão por concurso público, sendo o concurso público através de anúncio no jornal de maior tiragem e circulação.

Canal: Onde o Governo busca informação sobre circulação dos jornais?

Erick: Ora, o Governo é o primeiro a falhar nisso e ninguém quer saber. O governo decide unilateralmente que o Notícias é o mais lido. Não estou a falar nem que a publicidade tinha de vir para o A Verdade ou qualquer outro jornal. O que eu pretendo é questionar aonde foram buscar esta informação, de que o Notícias é o jornal mais lido? Tu acabas por ter um jornal que pelo benefício desta desorganização e falta de cumprimento da Lei acaba por encontrar a sua sustentabilidade por garantir visibilidade àquele que o deixa comer. Então é óbvio que toda gente considera que o Notícias é o jornal do Estado, um jornal que é obrigatório existir em todas as instituições do Estado. Então vamos perguntar: o Estado subscreve o Notícias? Paga? Porque não subscreve o Canal de Moçambique, o Savana exactamente em todos os jornais. Aí vão te dizer que ah não, nós subscrevemos em alguns sítios. Mas eu te posso garantir que há sítios que subscrevem o Notícias mas são obrigados a não subscrever o Canal de Moçambique. Veja que estamos a falar simplesmente de subscrever. Já que o Estado não está a par das tiragens tinha é que subscrever todos os jornais. Se não tinham que instituir um sistema formal de contagem e auditoria em que no resto do mundo chama-se Bureaux de Auditoria de Circulação. Aí a pessoa que faz o jornal, fica valorizada, o Estado e suas instituições credibilizados.

Canal: O Jornal a Verdade não se interessava com os assuntos que constituía digamos a agenda setting do debate moçambicano, mas ultimamente virou quase que radicalmente de abordagem. Qual é a ideia?

Erick: Eu acho que é uma viragem na percepção e esta é a melhor parte. Em três anos, bem ou mal muita gente lê o jornal A Verdade mais e mais. Da mesma forma que começámos isto a pensar que havia muito cepticismo por aí fora, quando lançámos o projecto, o cepticismo era encaminhado directo a mim. Houve gente que disse que o A verdade não podia durar três meses. Esquecem-se que uma pessoa faz um plano de negócios. Se não durasse é porque o plano de negócio iria falhar, não é? É porque a gente faz coisas sérias neste país. O que acontece é que de repente tinhas muitas pessoas, particularmente aqui na cidade de Maputo que não tinha acesso a informação. Acordou, com muita sorte não choveu e sei lá quantos, ou foi trabalhar ou foi para o dumba-nengue ou foi à procura de emprego, e tinha a informação em conversa com os amigos ou passou pela zona privilegiada onde tinha um aparelho de TV. O ponto é que as pessoas não tinham acesso constante a informação. E nós temos visto regularmente, todas as semanas, as pessoas a correrem atrás do jornal. Em função disso, as pessoas que não liam estão a tornar-se elucidadas. Estão a saber mais, estão a dizer mais. E há os que viram este jornal como social e para pobres. O facto é que nós desconsideramos o pobre neste país. Há quem pense que o pobre não pensa, o pobre não tem acção, o pobre não faz. Mas se esquecem que foi o povo que nos deu a voz. Quando eu digo pobre, me refiro àquele que foi desconsiderado no contexto da informação.

A grande verdade é que o jornal é lido por aquelas pessoas que quero que leiam. Chegamos ao contexto nas redes sociais e foram esses leitores que nos seguiram e nos ligam. Em função disso fez com que as pessoas começassem a ver mais o jornal. E aí começou a vir uma questão de percepção. Se calhar no contexto na abordagem, falo especificamente dos editoriais que definem o posicionamento do jornal, mas é preciso perceber que as coisas são evolutivas. Para eu manter o jornal, é preciso escrever aquilo que o leitor quer ver e saber no jornal. O que nós fizemos por exemplo nas eleições intercalares foi mais visto, porque estamos a ser muito lidos. Mas em termos de cobertura não foi muito diferente do que fizemos nas eleições de 2009 nem nas outras eleições. Se a gente for buscar o histórico, nós fizemos o suplemento de eleições tal como havíamos feito no passado. Desta vez introduzimos coisas novas como a cobertura pelas redes sociais. Mas eu não ia dizer necessariamente que viramos para um contexto mais político. Muito pelo contrário. A admiração continua a ser pelo povo. Se o povo disser que nos quer mais agressivos nós nos tornaremos mais agressivos, porque a nossa força está no povo. Pensamos que já há jornais muito bons na praça que tratam bem os assuntos políticos.

“Os que estão no poder pensam que estão lá como direito vitalício”


Canal - O debate nacional gira agora em torno de uma alegada marginalização da juventude: pobreza versus oportunidades. Como é que olha para esta questão? A juventude moçambicana tem esperança?

Erick: (Risos) Esperança…qual é? Eu acho que é uma pergunta para a própria juventude, porque se calhar já não sou tão jovem assim. Mas no fundo eu acho… (pausa)… Não queria ser muito drástico. Mas temos que em primeiro lugar acreditar no País. Acontece que nem tudo que está a ser feito no país hoje a gente vai ter o efeito e consequência hoje. E acho que a juventude tem que estar e tem que se preocupar muito com o que vem no futuro. Isso porque não é fundamentalmente no contexto de oportunidades por aquilo que está a surgir por aí fora. Isso surge mais à frente, mas é pelas bases da construção disto hoje que virá o futuro. Estamos a falar de questões que não são tangíveis: moral, valores, ética. O pior está a ser feito hoje em função de acordos mal feitos, em função do que o Governo tem fundamentalmente no seu interesse próprio em primeiro lugar. Estou a falar das pessoas que estão no poder que levam os grandes temas como a juventude para o último ponto da agenda. A juventude está a ser sistematicamente usada como elemento de eleição.

A juventude é usada, ponto de exclamação.

Canal: Como assim?

Erick: A juventude não é parte de um plano. Eu arrisco-me a dizer que a juventude, onde está tem que ter muita esperança em si própria, porque o que está a ser feito não lhe considera muito. Não há, a nível do Governo, nenhum programa credível para a juventude. Não há um programa que seja concebido pensando que isto é para servir a nossa juventude. A juventude está cada vez mais mal formada. No tempo em que a gente andou na escola, não só a qualidade de ensino, que aliás era muito voluntária, era melhor. Eu tive professores que foram forçados a serem professores. Eram pessoas que saíam da nona classe para dar a sétima e davam com vontade e afinco como não acontece hoje. Não estou de jeito algum a desqualificar os professores. Estou a falar que na conjuntura do país que temos hoje: que vontade, que paixão, que motivação tem o professor para ensinar e construir um País, quando ele vê o que a gente vê todos os dias, aquilo que são os nossos governantes? Então é uma pergunta difícil de responder. Mas há factores que tentam levar a dizer que a juventude não pode ter esperança. A juventude tem que sempre acreditar em si: somos o futuro deste país. Mas a juventude deve deixar de pensar que há alguém que está no Governo a tomar conta dos nossos interesses. A juventude que está na escola tem que pensar que daqui a cinco ou sete anos, estas todas oportunidades que estão a aparecer nenhuma delas o vai contratar, porque a qualidade de ensino está muito má. E a culpa não é da juventude. É de quem administra o sistema de ensino. É daquele que determina aquilo de deve ser ensinado. A juventude tem que pensar assim: dizer olha: se eu não vou, o sistema não está a criar emprego para a massa juvenil. O governo sempre vai dizer que vocês são impacientes, mas yah, somos impacientes. É para esperar mais 50 anos? Em cinquenta anos uma pessoa morre. As coisas estão mais difíceis. Quando a gente senta e ouve aqueles relatórios do Banco de Moçambique, não fazemos ideia do que aquilo quer dizer. Subiu 15 porcento, baixou 15 porcento, a realidade continua a ser a mesma, tu continuas a não conseguir comprar tomate. E o preço de tomate não baixa porque vem do Botswana. Tu encontras as alfândegas que estão mais preocupadas em tirar o pouco que compraste na África do Sul de peúgas: até disso querem te tirar os direitos. E a coisa não pára por aí: no tomate, cebola, alho, querem tirar ganhos. Ao invés de ir contra os verdadeiros contrabandistas que temos tantos neste País que trazem televisores com outras coisas lá dentro…

Estas coisas que estão por detrás, a juventude não deixa passar despercebidas. Porque tu tens uma pessoa que senta e olha o mais velho a fazer, é muito provável que seja aquilo que possa vir a fazer quando um dia estiver no Governo. Em termos de esperança de pacote que está a ser montado para a juventude não é grande coisa. Agora a juventude tem que acreditar em si mesma.

A juventude tem que aprender a batalhar pelos seus direitos. É um direito seu que está em causa. A gente não pode ficar de braços cruzados porque o meu voto não vale nada e aquela gente ganha sempre. Yah concordo, mas um dia vai deixar de ganhar sempre e tu podes fazê-los perder sempre. E uma coisa é ganhar com cem porcento e outra coisa é ganhar com 99 porcento, porque aqui, pelo um falou. E a gente está a aprender isso todos os dias do poder da juventude no mundo.

No 1 e 2 de Setembro de 2010

Acima de tudo ficou escrito que nós podemos

Canal: Acontecimentos de 01 e 02 de Setembro de 2010…

Erick: Em Moçambique, por exemplo, há um grupo de gente que desqualifica, a começar pelo Presidente e os outros, o que aconteceu em 1 e 2 de Setembro de 2010 em Maputo. É completamente desqualificado. Mas aquilo aconteceu dois ou três meses antes de o fogo pegar no norte de África. Usamos aqui toda a tecnologia que o mundo usou. Pior: aqueles passos que foram usados pela máquina de repressão cá, foram os mesmos que foram usados nos países do norte de África. Então nós fomos os primeiros a explodir. Infelizmente explodimos sem vitórias. Mas eu digo que ganhou-se e muito: fomos à estrada e ficou recordado. Ficou lá escrito que as pessoas não gostam e não estão a favor da forma como o País está a ser Governado. E acima de tudo ficou escrito que nós podemos. Há quem discuta a forma etc. e tal, mas veja a Tunísia, veja o Egipto, veja tudo o que se está a passar a volta. Veja uma prestigiada revista como a Times declarar que a figura do ano foi o protestante. Tudo isso é obra da juventude. Portanto a esperança para a juventude está na nossa força. Temos que aprender a dizer não, a reclamar pelos nossos direitos e ninguém vai determinar o nosso futuro melhor do que nós.

A pessoas andam insatisfeitas com o nível de Governação que temos hoje


Canal: Há uma actualização que fez na sua página do Facebook em que dizia que era urgente que os moçambicanos se libertassem dos seus libertadores. A que libertadores se refere? E porquê? Qual seria a via, na sua opinião, para a tal libertação?

Erick: Yah. Isto é uma daquelas coisas que para já não é, e não pode ser atribuída a uma única pessoa. É uma conversa comum e é o sentimento que anda dentro de cada um que desde a independência continua a viver a mesma miséria. A maior parte das pessoas andam insatisfeitas com o nível de Governação que temos hoje. Diz isso. Diz que eu estou a ser gerido hoje pelos que já estão no Governo há trinta anos. Estávamos a falar da juventude há pouco tempo. Tu tens pessoas hoje, que são mais jovens e votam e determinam o futuro do País, que são mais novos em relação ao período em que as mesmas pessoas estão no poder e nada muda. E já falamos aqui 50 vezes que Graça Machel entrou para o Governo com 28 anos. Então nós continuamos a ser governados com ideias velhas. Não é possível quem nos Governa hoje, criar políticas e programas para aquilo que a gente tem hoje como necessidade. As regras que mandam viver de acordo com elas são antigas. Só contextualizar: tu olhas para outros lados e vês que os movimentos de libertação estão a cair. As pessoas não estão a lutar contra Governos que existem há dois ou três anos. As pessoas estão a lutar contra governos velhos com ideias velhas.

Canal: E no nosso caso qual será o móbil do protestante?

Erick: O protestante no mundo está a lutar hoje, contra duas coisas: a primeira é o sistema bancário que nos empobrece e a outra é aqueles que acham que é direito deles estar no poder. As pessoas hoje não sabem que aquele que está no poder, aquele que passa com carros de luxo e gasta como quer o Orçamento do Estado, é um representante meu. A pergunta mais interessante em termos de conversa que estava a ter muito recentemente com um jovem na flor da idade é essa. Ele virou-se e disse-me assim: mas olha lá, porque é que eu tenho de me levantar quando entra o presidente, ministro ou coisa parecida? No fundo no fundo ele é que deve vir até a mim dizer olá como estás? Porque ele trabalha para mim. Fui eu que o elegi.

Não estamos num País de reis. O nosso sistema foi constituído para dizer que aqueles que estão no poder, estão lá como direito deles. Mas não é! Aqueles que estão no poder, estão lá para fazer o melhor que podem para ternos uma vida condigna e não para eles se beneficiarem a eles próprios. E se não o fizerem é nosso direito escolher outro. Agora as falcatruas por trás não é comigo. A frase “temos que nos libertar dos nosso libertadores” quer dizer isso. A opressão colonial já foi com o colono. Acabou! Lutaram e também acabou, não podemos viver do passado. É o que vemos em Moçambique, Zimbabwe, era na Líbia, é na África do Sul. Soa todos brothers. Aqueles que lutaram contra o sistema representam exactamente o sistema contra o qual lutaram. O colono apenas mudou de raça, cor e etnia. A desconsideração pelo povo continua a mesma. O sistema colonial não trabalhava para o povo e tinha o povo como força de trabalho. Vais me dizer que o Governo hoje trabalha para o povo?

Esse partido que nos libertou…

Quem são essas pessoas hoje? É direito deles ficar no poder até morrerem?

Canal: Erick. O que os dirigentes da Frelimo representam para si como membro da Frelimo?

Erick: Até que ponto o sistema em Moçambique quer melhorar a vida povo? Veja o discurso de combate à pobreza. Qualquer sistema colonial podia dizer que também queria combater a pobreza. Portanto temos que analisar o que é hoje esse partido que nos libertou. Quem são essas pessoas hoje? É direito deles ficar no poder até morrerem? Se é que façam por escrito em forma de Lei e todos nós aceitamos. Porque olha, há países no mundo que dizem assim: este país tem Rei e quem sucede o Rei é o filho e depois vem o sobrinho e por aí em diante e ninguém discute. Então vamos dizer também que Moçambique tem donos e quem sucede os donos são os filhos dos donos e por aí fora. Mas que esteja escrito em forma de Lei (risos). Eles têm capacidade para fazer isso!? O parlamento é controlado por eles. Eles podem fazer isso. Ficamos uma espécie de Correia do Norte e a partir daí ninguém vai incomodar nenhum Governante e ficamos todos conformados sem protestos nem manifestantes. O que não podemos fazer é fingir que este País tem alicerces em conceitos democráticos. Porque não é verdade. Olha para uma coisa: tu vês o gás, o carvão a ser extraído. Existe alguma política por detrás disso para o bem comum? Não! Primeiro que tudo está o interesse pessoal desta gente.

Canal: Certa vez, um jornal o chamou ainda que de forma muito camuflada e recorrendo a recursos estilísticos de desencantado com a Frelimo? Erick Charas está desencantado com a Frelimo?

Erick: (Risos)…Para já não conheço esse jornal. Mas olha, isso depende do que é estar desencantado ou até mesmo encantado com a Frelimo. Praticamente se calhar estou a chegar a um ponto de dizer assim: a Frelimo, com aqueles que estão a liderar a ela hoje, já caducou. Precisa de novos líderes. Precisa de novo pensamento. Precisa de ser a representação do povo. É preciso ver que quando a Frelimo foi criada foi como uma representação da vontade de todo um povo de Rovuma ao Maputo, pobres e indigentes. O povo queria libertar-se de um sistema. Hoje a Frelimo representa o quê? Hoje os líderes da Frelimo representam a vontade de o povo sair da pobreza? Quando houve a guerra de libertação, os líderes da Frelimo estavam no mato. Rastejavam com o povo. O povo recebia-lhes na palhota e agradeciam. Hoje os líderes da Frelimo vão à palhota do povo com água mineral. Recusam-se a beber a água do povo. Então, desencantado não é um caso pessoal. Não é desencanto contra a Frelimo. Não. Que fique claro: eu sou membro da Frelimo e quando uma pessoa acredita em algo é em função dos seus ideais. Não estamos aqui a falar de sorvete. É em função daquilo que está escrito na constituição do partido. Agora eu pergunto: aquilo que está escrito na constituição do partido é aquilo que seus actuais líderes advogam? Não sei. Agora um jornal que vem chamar de desencantado, eu na verdade estou desencantado com muita coisa e em primeiro lugar com esse jornal que é um jornal engraxador. Eu até nem li isso. Porque no fundo um jornal não é para andar a engraxar. É para informar as pessoas.

“A nossa polícia está para lutar contra o seu povo”

Canal: Moçambique foi recentemente catalogado com uma classificação pouco simpática: quarto País mais pobre do mundo. Sente-se a viver num País pior que a Guiné Bissau?

Erick: (Risos)…Sabe duma cena? Em termos de catalogação, é um pouco como os Governantes deste País pensam. Pensam assim: ser quarto é melhor que ser último (gargalhadas). Temos feriados até dizer chega. Bebemos e engrossamo-nos até dizer chega. E no fundo no fundo enquanto nos mantemos alegres e espantamos com as nossas tristezas, pensamos que estamos muitíssimo bem. E na mesma condição viemos dizer que os cálculos foram mal feitos. Vieram dizer que não somos o quarto pior país do mundo mas o vigésimo. Mas tudo é mau. E aprendemos que mau é mau. É zero. Não há como minimizar o mau. Eu e infelizmente a maior parte do grupo que nos rodeia somos uns privilegiados, porque nos damos até o luxo de discutir qual é o nosso tipo de mau. Aposto contigo que 90 porcento da população moçambicana no nível de pobreza que vive não se dá se quer ao luxo de pensar que há pessoas que vivem pior do que eles. É a esses que tínhamos de perguntar em que nível é que estamos em termos de pobreza. Esses se calhar não terão dúvidas em te dizer que estamos no nível menos 50.

Canal: Nível menos 50, Charas?

Erick: Isso mesmo. Nível menos 50 de pobreza. Não vamos falar de quarto que até é uma classificação que os poupa.

Canal: Mas o Presidente da República esteve recentemente no parlamento e concluiu que o País está a progredir e que cada moçambicano tem contribuído para tal progresso?

Erick: Não estamos a progredir coisa nenhuma! Sabes, nós os privilegiados não temos o direito de olhar as coisas em sentido comum. Se os nossos governantes gerirem este País sem senso comum e não analisarem concretamente na base de indicadores credíveis; não olharem para a verdadeira realidade do País e chegarem à conclusão que aquele indicador não representa claramente aquela realidade, estamos a fazer zero serviço para este país. Se saíres para aí fora olhar para cada buraco, para cada pessoa sem problemas mentais e que come na lixeira, olhar para cada chapa cheio, para carrinhas transportando pessoas como animais, é nossa obrigação sermos no mínimo verdadeiros. E é preciso termos coragem e humildade suficiente para olharmos para o sofrimento das pessoas e dizer que efectivamente o País não está a crescer. Nós temos potencial para crescer. Estão a ser descobertos jazigos disto e aquilo, mas infelizmente não estamos se quer a traçar políticas claras e transparentes de como aproveitar esses recursos para acabar com a pobreza da maioria dos moçambicanos. Estamos a traçar muito bem políticas de benefício pessoal, principalmente se temos acesso às malhas do poder. E em compensação estamos a ensinar o povo a não contestar porque quando contesta mandamos a Força de Intervenção Rápida (FIR) para dar porrada ao povo. Uma polícia que luta contra o seu povo. Que crescimento é esse? Estamos a falar a verdade ou estamos a mentir? É vergonhoso estarmos num País onde as pessoas continuam a morrer por falta de medicamentos. Mas isso é um processo que passa primeiro pela declaração dos bens dos Governantes. Talvez a resposta esteja aí. Porque os seus filhos estudam fora do País? E quando ficam doentes onde são tratados? Chefe, eu estudei no ensino público deste País e na altura os filhos dos Governantes estavam aí a estudar comigo, porque os governantes daquela altura acreditavam no sistema de ensino do seu próprio país. Agora é o contrário. É vergonhoso que os filhos dos nossos governantes quando não estudam fora, estão em escolas privadas com sistema estrangeiro: estão na escola portuguesa, americana, francesa e por aí fora. Diz-me se o povo está diferente do que estava aquando da guerra?

Casa Jovem: um projecto social que ao invés de ajuda só recebe barreiras do Governo

Canal: O grupo Charas em parceria com seus aliados lançou um projecto ambicioso denominado casa “Casa Jovem” que para além de ser um negócio visa contribuir para aliviar a problemática de habitação na camada jovem. A quantas anda?

Erick: O projecto está em curso e a nos motivar cada vez mais. Aliás, a melhor notícia que tive hoje (quarta-feira antepassada), é que depois da chuva que deixou toda a capital do País alagada, a zona do Casa Jovem está brilhantemente aterrada. As nossas valas estão a drenar as águas como deve ser. Neste momento avançamos com a fundação de 15 prédios dos 26 que vamos fazer inicialmente. Está tudo em curso. Este ano prevemos começar com a entrega das casas àqueles que estão em frente. Infelizmente podia andar melhor, não sob ponto de vista de compradores ou construção. Falo necessariamente da questão do apoio. Estamos a falar de um projecto que fundamentalmente é para jovens. E que fique bem claro que aquele projecto podia ser vendido e podia ser implementado mais tarde. Eu sou o implementador do projecto no contexto do Casa Jovem em que teoricamente é para alguém. Fizemos uma parceria, no sentido de sermos contratados para desenvolver um projecto, a resposta que dei e que me faz ser convidado para várias parte do mundo e de Moçambique, é que as minhas intervenções devem ser de caris social. Eu disse que o projecto que se encaixa naquela terra, é o jovem. Há uma estrutura que detém a propriedade daquilo. Mas o que era importante dizer é para isso desenvolver e pela sua natureza o Governo tinha que estar envolvido como parte da sua responsabilidade em providenciar habitação. Numa primeira fase vamos entregar por aí 150 casas. É o que está escrito no contrato. Em prazos globais temos três anos. Mas nem tudo é em prazos globais. Tu tens pessoas que compram neste ano, têm um prazo, e as que compram no próximo ano, têm outro prazo. Mas posso te garantir uma coisa, as pessoas que entrarem para o projecto hoje, só terão as casas daqui a dois anos. Não há como. Neste momento temos acima de 400 pessoas que já compraram e estão à espera de receber as casas. E as pessoas que pagam são parte fundamental do financiamento. Na fase em que está o projecto já investimos perto de 30 milhões de dólares.

O Governo está a vender ao dobro, casas subsidiadas

Canal: Mas então qual é o investimento global?

Erick: Estamos a falar de um investimento de perto de 120 milhões de dólares. Esse investimento tem zero de privilégios do Governo. Eu já fui falar com o Primeiro-ministro, já entreguei os documentos a assessores de todos os governantes e até hoje, o projecto que é para beneficiar os jovens tem zero input do Governo. Não tem uma isenção se quer. Mas neste País isentam televisores e geleiras, centros comerciais e casas para jovens não tem sequer uma isenção. Achas que estamos num País normal mesmo? Mas nós vamos e estamos a fazer. Porque acreditamos em nós próprios.

Quais são os critérios para candidatar-se às casas? São dois. Primeiro tem que ter menos de 40 anos. A razão disso é porque eu determinei. E a ideia é ter menos de 40 anos no contexto da propriedade da casa. Em outras partes do mundo é feito assim. Eu quero que a propriedade seja de um jovem que tem menos de 40 anos. Segundo é teres capacidade de pagar. São critérios simples. E aqui está subdividido. Uma é em função do rendimento e agregado familiar a sua capacidade de endividamento nos bancos. Outra é tu sentares, como a maior parte dos nossos clientes fez e dizer: bem, quanto é que tenho de pagar em cada fase e ir trabalhar para conseguir o valor. Porque, por exemplo, o Governo está a vender ao dobro, as casas subsidiadas e porque é que eu serei o Robin Woods? E quando eu tiver casas aí vou vender a preço de mercado e neste ano tens casas Casa Jovem aí.

Canal: Consta-nos que o Casa Jovem foi exigido um estudo de impacto ambiental de primeira linha, enquanto naquela zona tem outros projectos de grande envergadura a quem não foi exigido o mesmo. O que está a acontecer?

Erick: Eu não. Vai perguntar isso ao Ministério da Acção Ambiental ou à própria ministra, o que eu posso te dizer é que não só fomos obrigados a fazer um estudo ambiental de classe A, que é o mesmo tipo de qualidade de estudo que fazem mega-projectos como a Mozal, a Vale, assim como os prazos previstos para aprovação e o seguimento do próprio estudo de impacto ambiental, nunca foram seguidos pela parte do Governo.

Canal: O que está a querer dizer?

Erick: Nós contratámos uma empresa. Contratámos a Impacto. Sem isso não teríamos licença de construção. Nos foi dito claramente. Os termos de referência do estudo de impacto ambiental que fundamentalmente a lei diz que o Estado, no caso o MICOA, tem três semanas para aprovar, levou cinco meses sem ser aprovado.

Canal: É complicado, quando o próprio Estado pontapeia a Lei…

Erick: Complicadíssimo meu caro. A pergunta que eu te faço é: o que é que um cidadão faz quando o Governo não cumpre a Lei? Vou aonde neste nosso País? Faço o quê? A ministra levou 5 meses para aprovar os termos de referência. Não estou a falar do estudo, dos custos que isto tudo implica. Veja que parte do que a gente fez em termos de drenagem resolveu o problema da zona toda, o que era tarefa do Governo. Eu estou a drenar coisas que vem das Mahotas, o que devia ser da responsabilidade do Estado. Para o bem do projecto fizemos uma vala de drenagem de 30 metros de largura (risos). Mais grave ainda veio o Conselho Municipal decretar que a estrada principal tem que ter 30 metros de largura e 5 metros de passeio, num projecto privado.

(Matias Guente / Canalmoz / Canal de Moçambique)



Grande entrevista com o Professor Dr. João Mosca

Estabilidade económica de Moçambique é falsa

“A nossa economia vive acima das suas capacidades”

“Doadores querem fazer propaganda com o falso sucesso de Moçambique”

“Os corruptos não investem esse dinheiro no sector produtivo.”

“O Estado não pode ser da Frelimo. A Frelimo não é o povo, o povo não é a Frelimo.”

“A produção em Moçambique era melhor nos anos da guerra.”

“11 ministros da agricultura em 32 anos revela instabilidade.”

“Só se lembram do povo quando há eleições”

“Não há nada que nos possa garantir que não haverá mais revoltas populares.”

“A elite não está interessada em sair da dependência, porque beneficia com isso”

“Recursos naturais beneficiam a minorias”

Governantes viajam na classe executiva, doadores viajam na classe económica.




Entrevista conduzida por Borges Nhamirre, com Fotos de Sérgio Ribé

Maputo (Canalmoz) - É dos mais activos académicos moçambicanos, em termos de produção científica. Economista de grande gabarito nacional, docente universitário, Professor Doutor em Ciências Agrárias, João Mosca. Foi com este reputado académico moçambicano que o Canal de Moçambique dialogou sobre diversos assuntos da vida do país, mas com principal enfoque na economia.

Mosca responde a todas as questões que lhes são colocadas. Aliás, não escassas vezes, tivemos que interrompê-lo durante a explanação para colocarmos outras questões.

De mais de duas horas de conversa, transcrevemos aqui o essencial da entrevista.

“Estabilidade económica de Moçambique é fictícia”

Canalmoz/Canal de Moçambique (Canal): Li numa entrevista sua à Lusa, onde diz que “a situação económica em Moçambique é crítica. O Governo está assente sobre uma suposta estabilidade económica”. Pode explicar melhor?

Professor Dr. João Mosca (Mosca) - Eu digo que a situação em que o país vive é uma estabilidade fictícia, não diria nos últimos três anos, mas há bastantes anos, talvez há 10 anos. A fundamentação disto não é muito difícil, na medida em que temos vários indicadores de economia.

O nosso Orçamento do Estado é subsidiado em 50% por recursos externos doados ou da ajuda externa. E se formos a entrar no orçamento, veremos que em alguns casos dentro do orçamento público e sobretudo na área do investimento público, há onde mais de 80% do investimento é de recursos externos. Isso significa que grande parte da intervenção pública do Estado, no investimento, e também no suporte de funcionamento do Estado, vem de recursos que não são criados dentro do país, em Moçambique. Isso significa que o Estado está direccionado à capacidade de gerir os recursos e não de gerar estes recursos.

Outro aspecto importante é que a nossa economia tem um nível de riqueza muito baixo, e, portanto, tem a capacidade de poupança também muito baixa. Isto significa que a capacidade de investimento interno é muito limitada. Quer dizer que grande parte do investimento na economia, possivelmente cerca de 80%, em alguns sectores mais, é Investimento Directo Estrangeiro. E dos 20% que se consideram investimento moçambicano, eventualmente algum dele não está realizado. As pessoas só estão lá como sócios, não realizando capitais correspondentes aos 20% que o país dispõe como investimento nacional.

Isso significa que o país, os agentes económicos, o sector privado, em Moçambique, é extremamente débil e sem capacidade de recursos para fazer investimentos avultados na economia.

Por outro lado, sabemos que uma parte importante do défice na nossa balança de pagamentos é financiada por recursos externos, inclusivamente muito recentemente o mercado interno de capital de divisas foi financiado por recursos externos.

“A nossa economia vive acima das suas capacidades”

Então, o que isso quer dizer? Quer dizer que a nossa economia vive acima das suas capacidades. O nível de consumo que tem a nossa economia, apesar de baixo, o nível das actividades do nosso Estado, apesar de baixo, está muito além da riqueza criada em Moçambique. Logo, tudo aquilo que pensamos que existe, os tais equilíbrios da balança de pagamentos, o equilíbrio do Orçamento do Estado, alguns investimentos existentes, algum controlo de inflação, tudo isso é possível, não pela riqueza, nem pelo funcionamento e equilíbrios internos, do mercado interno, não são resultantes da produção nacional, são resultados de recursos externos.

Então pode-se admitir que os tais equilíbrios que se referem estatisticamente são equilíbrios fictícios, na medida em que não reflectem a verdade económica e social de Moçambique, mas sim reflectem recursos externos que estão a ser injectados.

Por isso, eu disse isso e reafirmo. E não sou só eu que digo, vários economistas o dizem. A nossa economia é uma economia cujos chamados equilíbrios macroeconómicos são financiados por recursos externos. Mas também o nosso crescimento económico é muito financiado por estes recursos estrangeiros dos grandes projectos.

Mais: a produtividade da economia não tem aumentando, o que significa que os aumentos da produção, o aumento da riqueza, o crescimento do PIB não são fundamentalmente uma consequência do aumento da produtividade ou de eficiência económica, mas, sim, é resultado de aumento de novas capacidade produtivas, portanto faz sentido essa afirmação.

Canal: Toda essa conjuntura de fraca produtividade, baixo investimento nacional e consequentemente todo este complexo de dependência externa, tem encontrado explicação na guerra que destruiu todo o tecido económico e social do país… portanto, não faz sentido que Moçambique esteja nessa situação em que se encontra actualmente?

Mosca: A guerra é, com certeza, um grande factor. A guerra desestabilizou, desestruturou a economia, destruiu as infra-estruturas, teve efeitos humanos muito sérios, criou efeitos psicológicos de longo prazo, tudo isso é verdade. No entanto, há também problemas de política económica nacional, concretamente, desajustados.

A nossa política económica é assente no pressuposto de que vai haver ajuda externa. A nossa política económica não é feita com base no aproveitamento das nossas capacidades, no sentido de que vai haver um desenvolvimento económico mais endógeno, contando com recursos disponíveis, e, portanto, mais sustentável a longo prazo, menos dependente do exterior.

Naturalmente que isso teria provocado um crescimento económico mais lento, mas isso não era negativo. Assegurar menor desenvolvimento económico, desde que isso implica uma melhor distribuição de recursos; desde que o desenvolvimento seja mais endógeno, desde que as questões sócias sejam mais atendidas, desde que os desequilíbrios de desenvolvimento do território não sejam tão violentos como são neste momento.

Era preferível que o desenvolvimento mais endógeno significasse menos crescimento económico, mas mais equidade, mais sustentabilidade, mais endogeneização da economia, pois penso que há um custo que deve valer a pena ter.

Mas, por outro lado, as próprias instituições internacionais que mais financiam Moçambique, como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e alguns países, têm interesses em demonstrar ao mundo que existem casos de sucesso no âmbito das políticas económicas que eles sugerem, na verdade que eles impõem.


“Doadores querem fazer propaganda com o falso sucesso de Moçambique”

Canal: Está a dizer implicitamente que os doadores querem tomar Moçambique como exemplo de sucesso das suas políticas?

Mosca: Pois. Eles querem tomar como exemplo. Eles têm a necessidade de demonstrar como um caso de sucesso, da legitimação das suas políticas externas. Necessitam de um caso que eles possam fazer a propaganda política, o marketing político das suas políticas como exemplo de sucesso. E para quem não conhece Moçambique real, vive o país de fora, revisando alguns indicadores macroeconómicos, pode ser considerado como um caso de sucesso. É isso que as instituições internacionais fazem. Eles financiam Moçambique com o objectivo de legitimar as suas políticas, para demonstrar que as suas políticas são correctas, e até existe caso de sucesso como Moçambique.


“Os corruptos não investem esse dinheiro no sector produtivo”

Um outro factor ainda é que depois da guerra houve muitos aspectos que pioraram. Eu considero que a corrupção é uma forte dificuldade de desenvolvimento ao país, sobretudo aquela corrupção que implica promiscuidade entre política e negócios.

Aquela corrupção que envolve milhões de dólares de recursos, que não são canalizados para Moçambique, não são aproveitados no sector produtivo da economia moçambicana.

Alguém dizia-me que poderíamos tolerar a corrupção, desde que os corruptos investissem esse dinheiro. O problema é que os corruptos não investem esse dinheiro no sector produtivo. Não investem na agricultura, não investem na indústria, quando muito, algumas das pessoas que se dizem que têm dinheiro em Moçambique, investem nos transportes, nas telecomunicações, no sector financeiro, mas não investem nos sectores produtivos.

E são essas mesmas pessoas que fazem discursos no sentido de que vamos aumentar a produtividade na agricultura, vamos produzir alimentos, mas não fazem esses investimentos. Fazem investimentos em sectores de serviços, onde sabem que devido à maior integração na SADC, sabem que têm maiores vantagens ao nível da região.

Portanto, não existe investimento no sector produtivo e daí a situação em que se encontra a nossa economia. Sem resolver o problema de corrupção, vamos ter sérios problemas para o desenvolvimento da nossa economia.

“O Estado não pode ser da Frelimo. A Frelimo não é o povo, o povo não é a Frelimo”

“A quantidade de ministérios é bastante inacreditável”

Canal: Com uma economia fraca, temos três dezenas de ministros. Como explicar isto?

Mosca: Nosso aparelho do Estado é grande, é muito pesado, é ineficiente, é pouco eficaz e tem poucas relações com a população, está pouco próximo do cidadão, logo significa que é necessário fazer reformas profundas na nossa administração pública. Este é outro dos aspectos que faz com que, apesar de a guerra ter terminado já há 16 anos, os resultados da nossa economia, excepto em alguns aspectos, sejam muito fracos e a situação da economia do país seja muito, muito crítica.

Canal: Quais as reformas que sugeria, Dr., para o nosso aparelho do Estado, se já está a decorrer a Reforma Geral do Sector Público?!

Mosca: Na administração pública, o objectivo é sempre aumentar a eficiência, aumentar a eficácia, pôr o Estado mais junto do cidadão, e fazer com que o Estado crie melhores ambientes de negócios, que o Estado deixe funcionar melhor os mercados e desenvolva algumas actividades fundamentais que o sector privado não tem capacidade de realizar.

É preciso rever-se a actual estrutura do aparelho do Estado, com 28 ministérios! Eu venho de dois, três países da Europa onde há 16 ministérios, e são economias que produzem 100 vezes mais que a economia moçambicana; eu venho de países que tem 16 ministérios e tem duas a três vezes mais população que Moçambique!

Portanto, o volume, a quantidade de ministérios é bastante inacreditável.

Segundo ponto, é pôr o Estado mais junto do Distrito, mais junto dos locais. Neste momento, cerca de 80% do Orçamento do Estado é consumido em Maputo. Ora, isso tem que inverter. Tem que ser afectados mais recursos financeiros, mais recurso humanos, mais capacidade executiva e de definição de aplicação criativa das políticas centrais a nível de cada distrito, na medida em que o país é muito diferente de um lado para o outro.

Por outro lado, é necessário qualificar o aparelho do Estado. O Estado está muito fraco de recursos humanos. Por exemplo, na Agricultura, um caso que conheço bastante bem, os melhores quadros com mais experiência e com mais qualificação profissional e com mais formação académica, neste momento estão fora do Ministério da Agricultura. Ora, essa capacidade intelectual não está a ser aproveitada para os fins que são necessários.

Finalmente, eu penso que é fundamental, despartidarizar o aparelho do Estado. O Estado é um aparelho que é de todo o povo. O estado não pode ser da Frelimo. A Frelimo não é o povo, o povo não é a Frelimo. O Estado é o órgão que presta um conjunto de serviços de interesse de uma nação, independentemente das exaltações políticas de cada cidadão. Portanto, a despartidarização é uma forma clara de legitimar o próprio Estado perante o Povo, é uma forma clara de recuperar a moral política.

Finalmente, eu penso que seria necessário dar a credibilidade e moralidade ao Estado, no sentido de que os seus dirigentes devem viver tão modestamente quanto possível, os seus dirigentes devem ser fiéis cumpridores da causa pública, os seus dirigentes devem viver com austeridade, desempenhar as suas funções com austeridade e reduzir os custos públicos das suas instituições.

Como vê, estas são as reformas que neste momento não estão a ser implementadas.

“A produção em Moçambique era melhor nos anos da guerra”

Canal: Dr., dizia numa entrevista que a produção em Moçambique estava melhor há 40 anos que agora. Pode apresentar dados concretos?

Mosca: Eu tenho dados concretos em relação à Agricultura. Na agro-indústria, produzia-se melhor nos anos 80. Por exemplo, chá, copra, algodão, sisal, arroz, carnes, leite, todos esses produtos hoje produz-se menos do que nos anos 80, em tempos da guerra. Então, isso significa que alguma coisa está mal!

Mas também há algumas culturas que temos hoje melhor produção: o milho, a mandioca, gergelim, tabaco, açúcar, tiveram respostas positivas, embora nem todos atingiram os níveis dos meados dos anos 70.

Canal: A que se deve esta realidade, na sua interpretação?

Mosca: A que se deve? Principalmente a políticas agrárias inconsistentes. E aquela frase de que a “agricultura é a base de desenvolvimento”, é uma não verdade que se vai verificando há 30 anos! Como é que eu digo isso? Digo porque, neste momento, a agricultura, cuja dita é a base desenvolvimento, tem apenas um investimento de apenas 4% do Orçamento do Estado.

Do investimento total da economia, apenas cerca de 10% é que é para a Agricultura. E se nós retirarmos dessa percentagem, o algodão, o açúcar, o tabaco, a madeira, o resto que fica nas chamadas culturas alimentares é quase imperceptível.

Outro aspecto importante é a questão dos preços. Os preços são permanentemente desfavoráveis aos produtores agrícolas. Os salários no meio rural são, em média, 30% inferior ao salário praticado nos outros sectores da economia.

Portanto, há um conjunto grande de gestão dos instrumentos macroeconómicos que revela que a agricultura parou. Para as diferentes governações que houve aqui, nunca foi a base do nosso desenvolvimento económico, por isso a agricultura vem decaindo ao longo do tempo.

Por exemplo, existe cerca de 140 mil hectares de regadio, mas, neste momento, só cerca de 40 mil hectares estão em funcionamento, e estes não significa que estão em pleno funcionamento. Temos cerca de 70% da nossa capacidade em infra-estrutura de regadio não aproveitada. Paralelamente, ao invés de estarmos a conservar os regadios existentes, estamos a construir outros pequenos regadios por aí, pelo país, sem qualquer estratégia de implantação de regadios.

Outro aspecto é que, por exemplo, as implantações: neste momento, há menos plantações de citrinos, menos plantações de caju, menos plantações de copra, menos plantas de chá, do que havia há 40 anos atrás! Porquê? Porque houve incêndios, porque as pessoas simplesmente arrancaram citrinos e puseram outras culturas.

Portanto, a nossa capacidade produtiva, em termos de capital produtivo reduziu drasticamente.

Para não falar agora das nossas florestas que estão a ser dizimadas, para não falar dos serviços de mecanização, de comercialização, que reduziram bastante.

“11 ministros da agricultura em 32 anos revela instabilidade”

Por outro lado, devo recordar que desde 1975 até agora houve 11 ministros da Agricultura. Isso significa que, em média, cada um está três anos no poder. O que é que isso revela? Revela uma grande instabilidade institucional.

Não só os ministros, os directores nacionais, a estrutura do próprio ministério. Temos, como por exemplo, a hidráulica que já foi secretaria do Estado directamente dependente do presidente; já foi secretaria do Estado dependente do próprio ministério, depois passou para direcção nacional e assim sucessivamente. E depois acontece que quando vem uma nova pessoa pensa que tudo o que tinha antes estava errado.

As políticas agrárias são inconsistentes, são descontínuas e também são desajustadas, por isso tudo isso faz com que a agricultura esteja na situação em que está.

“Só se lembram do povo quando há eleições”

Canal: Com esta situação, a médio e longo prazo para onde é que caminhamos como Estado, que é um ente permanente? Diz-se que passam os regimes, mas o Estado permanece.

Mosca: Uma vez em conversava com um amigo, dizia-me: “Mosca é preciso ter uma paciência histórica”. Eu lhe disse que “teria paciência histórica se soubesse que estamos no bom caminho”.

Portanto, eu penso que é preciso reflectir profundamente na política económica do país, é preciso reflectir profundamente nas políticas sectoriais do país. Já está absolutamente claro que, ao fim de 20, 30 anos, as coisas não funcionaram.

É preciso ter coragem para aceitar ruptura de pensamento, de estratégia, é preciso ter coragem para dizer que vamos pensar profundamente e aquilo que for necessário alterar, vamos alterar.

Enquanto não houver esta percepção à esta consciência e à vontade de alterar profundamente as coisas, nós vamos caminhar num “caminho” que é impossível ter a paciência histórica.

Canal: Olhando para as pessoas que estão a dirigir o país, pensa que é possível essa ruptura?

Mosca: Não sei se é possível essa ruptura, porque quem deve fazer esta ruptura está metido no negócio, está a ganhar dinheiro. Não são produtores, são ganhadores. E para eles, este tipo de situações, individualmente para a sua estratégia pessoal e do grupo, são favoráveis.

E o povo? Só se lembram do povo ou quando existe eleições ou quando há manifestações com pneus a arder. Aí já nos recordámos do povo.

Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres

Canal: Uma situação que parece paradoxal é que o país é “pobre”. As diversas avaliações internacionais, como o IDH das Nações Unidas, mostram que Moçambique está entre os dez países mais subdesenvolvidos do mundo, mas estando em Maputo é possível ver carros de elevados custos a circular: limusinas, Hummers, e temos palácios de luxo aqui… a que se deve essa disparidade? Que pressupostos da Economia Política podem explicar esta realidade?

Mosca: Isso deve-se ao facto de termos um padrão de acumulação e de distribuição super concentrado. Isto é, quem se beneficia dos recursos externos, quem se beneficia do pouco crescimento económico que existe, quem se beneficia das poucas iniciativas empresariais, é cada vez mais um grupo restrito de pessoas. Não existe um processo de crescimento económico inclusivo. Isto porquê? Porque os sectores que estão a promover o tal crescimento económico são poucos. E sob estes sectores, o grupo das pessoas que se beneficia é pouco, não só do lado do capitalista, do investidor, mas também da geração do emprego.

Vai ver a Mozal, vai ver a Sasol, vai ver os projectos de exploração de carvão, são sectores pouco geradores de emprego comparativamente com o volume de investimento realizado. Isto indica que este modelo de crescimento económico produz uma grande acumulação de recursos, seja na sua produção, assim como na distribuição, logo uma grande parte da população não é abrangida por este processo de crescimento económico. O quê isso significa? Que há cada vez mais uma grande desigualdade de rendimento entre a população: os mais ricos são cada vez mais ricos e os mais pobres são cada vez mais pobres.

Devo adiantar que já existem evidências claras e documentos mais sérios e conhecidos, em como a pobreza em Moçambique nos últimos anos não diminuiu e até tende a aumentar. Principalmente nas zonas rurais e não só, assim como nas zonas urbanas. Já existem estudos que confirmam absolutamente isso.

Isso significa que a política de combate à pobreza ao fim de 4 a 5 anos não resultou! Mas porquê? Crescimento e riqueza concentrados, não existe distribuição de recursos, não existe processo de crescimento económico de recursos, logo as desigualdades sociais estão a aumentar, está a aumentar a pobreza.

“Não há nada que nos possa garantir que não haverá mais revoltas populares”

Canal: O economista David Lands escreve na sua obra “A Riqueza e a Pobreza das Nações” que, para garantir a segurança dos ricos, é preciso garantir o mínimo de bem-estar aos pobres”. Com esta situação que Dr. descreve aqui, aonde iremos chegar no tocante à estabilidade social do país?

Mosca: Há pessoas que já foram do Governo e que trabalham actualmente muito perto do poder que dizem que se entre o 5 de Fevereiro (de 2008) e 1 de Setembro (de 2010) foram dois anos e alguns meses, agora se calhar a previsibilidade de convulsões pode ir reduzindo. O que quer dizer com isso? Quer dizer que enquanto as desigualdades sociais, a situação da pobreza vão aumentando, as pessoas vão tendo cada vez mais conhecimento, vão tendo cada vez mais acesso à informação, vão tendo a certeza de que a riqueza está concentrada nas mãos de algumas pessoas. Então, juntando todos estes factores as pessoas ficam indignadas e quando há indignidade a revolta é normal. Portanto, não há nada que nos possa garantir que não haverá mais “1 de Setembro” e se calhar, como alguém já disse, num curto período de tempo do que aquilo que nos separou de 5 de Fevereiro.

Mas há uma coisa importante. As pessoas têm cada vez menos capacidade de aguentar a pobreza. As pessoas sabem que são pobres e resignam-se por isso, mas cada vez menos aceitam essa resignação. E muito menos nas cidades, porque as pessoas vêem a riqueza, vêem os recursos, vêem as pessoas a exibir o luxo. Vêem a possibilidade de melhorarem as suas condições de vida, mas não lhes é dada essas oportunidades. Pelo contrário, são reprimidas, não há uma comunicação para lhes informar da situação, não existe uma relação Estado, governantes e governados.

Portanto, as pessoas sentem-se indignadas. Têm a noção de que podem não ser pobres, querem não ser pobres, mas não podem. Então, as pessoas aderem (às revoltas). É diferente do homem aqui de Polana-Caniço que está em contacto permanente com a riqueza, tem uma capacidade de sustentar a sua pobreza muito diferente da pessoa que está em Gorongosa, que não sabe o que se passa em Maputo, não tem a noção do que se passa em Maputo. A sua capacidade de sustentar a riqueza é muito maior, para ele a pobreza é como se fosse uma “maldição de Deus”.

“A elite não está interessada em sair da dependência, porque beneficia com isso”


Canal: As instituições internacionais continuam a drenar recursos em nome do povo, mas estes parece que só beneficiam a alguns… será importante manter a ajuda externa nos moldes em que vem?

Mosca: Primeiro, é importante dizer que nós não podemos, num espaço médio de tempo, e se calhar de bastantes anos, prescindirmos da ajuda externa. Seria uma catástrofe. Portanto, nós devemos aceitar que a ajuda externa é absolutamente necessária ao país.

O que nós criticamos é como são canalizados os recursos externos. É correcto que os recursos externos sejam canalizados via Estado ou é correcto que a comunidade internacional financie directamente os projectos sem passar pelo Estado? Porque, mesmo que exista corrupção nesses projectos será uma corrupção mais distribuída. E a corrupção é mais concentrada se for realizada pelo Estado.

Portanto, o financiamento directo aos beneficiários, comunidades e aos empresários, é uma das melhores formas. Outra forma é haver pressões no sentido de se assegurar que a governação deve ser transparente e tem que haver medidas violentíssimas para acções de corrupção. E deve ser aprofundada a lei sobre o conflito de interesses. Existe esta lei, a que obriga os titulares dos altos órgãos do Estado a declarar o seu património, mas estas leis não são cumpridas, e quem cumpre individualmente, num caso foi criticado.

Portanto, estas são partes muito importantes para que os recursos externos, que são importantes, sejam utilizados para o desenvolvimento da nação.

Por outro lado, é importante que os recursos externos sejam canalizados para sectores que gerem emprego e que produzam riqueza de uma forma socialmente mais ampliada possível.

Eu estou de acordo com que se deve fazer uma diplomacia inteligente, no sentido de assegurar a continuação dos recursos, mas também estaria de acordo que os recursos fossem destinados cada vez mais aos beneficiários, mas também estaria de acordo que houvesse uma lei de conflitos de interesse, lei de obrigação de declaração do património.

De qualquer maneira é muito importante ter uma estratégia de saída da ajuda externa. E esta estratégia permitiria que daqui a 15 anos a nossa dependência seja reduzida ao mínimo sustentável, e não ter um mecanismo, uma forma de governação assente na ajuda externa, que é aquilo que acontece neste momento.

Estamos numa lógica de crescimento com base em recursos que são doados, aumento da dependência externa, porque há pessoas que ganham com isso.

A elite africana, e também moçambicana, não está interessada com a endogeneização da economia interna, não está interessada em sair da dependência, precisamente porque há uma elite política que se beneficia com isso.

“Recursos naturais beneficiam a minorias”

Canal: Temos recursos naturais: carvão, gás. Agora foi anunciada a descoberta de petróleo, ouro, prata. Com este modelo de governação que temos, será que o Povo pode comemorar a descoberta destes recursos? Estes recursos são mais-valia para o desenvolvimento do país?

Mosca: As experiências que nós temos são de que em África, também nos países árabes, embora nestes cada vez menos, países com grandes quantidades de recursos naturais, são países com sérios problemas políticos, sociais e de instabilidade.

Isso porque os recursos são retirados à nação, beneficiam grupos minoritários no país, as populações não se beneficiam disso, e portanto os países têm cada vez menos esses recursos porque são recursos não renováveis e gera-se problemas. Temos problema de Cabinda, temos problema de Biafra, temos problema de Sudão, assim temos situações em muitos outros países.

Os recursos não são maus, mau é a forma como nós vamos utilizá-los. Por exemplo, a nossa energia é mais cara do que a energia da África do Sul, mas a energia é feita em Cahora Bassa. O que isso significa? Significa que as nossas próprias empresas que produzem esses recursos, também são pouco eficientes. A água não vem de fora, é local. Então há problema de eficiência em toda a cadeia de produção de energia para poder fazer a energia chegar barata para todos os consumidores.

Então, é tudo uma questão de gestão macroeconómica. Por exemplo, porquê é que as grandes empresas não pagam imposto em nosso país? E se pagassem imposto? Existem estudos que indicam que se estas grandes empresas pagassem imposto, não precisaríamos da ajuda externa para o Orçamento do Estado. Precisaríamos de ajuda para outros objectivos, mas não para o Orçamento do Estado. Mas elas não pagam imposto.

Canal: A tese do Governo é que “se fosse para pagar impostos, estas empresas não estariam cá”. Estão cá precisamente devido a esse incentivo de isenções fiscais, neste momento, mas depois de algum tempo terão que pagar impostos...

Mosca: Não. A Mozal pode ser uma caso particular porque importa a matéria-prima. Mas o caso de carvão, eles vêm buscar o carvão cá; o caso de gás, eles vêm buscar o gás cá, o caso das areias pesadas, idem, algodão, idem. Portanto, eles vem buscar recursos, porque é necessidade deles. Se eles não vêm cá buscar os recursos, podem ir buscar noutros sítios, mas nalgum momento eles terão que vir buscar porque Moçambique tem algumas reservas interessantes de gás, de carvão e tem um potencial produtivo de energia para a África do Sul que tem um défice violento de energia que nós devemos aproveitar.

Portanto, nós temos recursos. Se eles querem recursos estão cá. O caso da Mozal é um pouco diferente, porque a Mozal importa a matéria-prima, não aproveita recursos locais, portanto o caso da isenção dos impostos pode fazer algum sentido para a empresa permanecer cá. Mas também há estudos que provam o contrário.

Por exemplo, Castel-Branco diz que isso não é verdade. Portanto, é preciso ver até que ponto a taxação provocaria a saída das empresas do país.

Os recursos naturais de um país devem beneficiar a sua população. Por exemplo, a Sasol exporta gás, mas ao longo do viaduto, de Inhambane até a fronteira, quantas comunidades se beneficiam com o gás? Com bocas de saída de gás para iluminar as comunidades de uma forma sustentável, de uma forma não poluente, e se calhar mais barata, quantas populações se beneficiam? Zero!

“É preciso formar técnicos para gerir nossos recursos”

Canal: Ainda sobre a forma como são explorados os nossos recursos naturais, nós importamos a matéria-prima. Exportamos o gás em viadutos, exportamos a madeira em troncos, não seria mais viável importar produtos acabados? Será que temos uma engenharia qualificada para controlar quanto gás sai do país por pipelines?

Mosca: Tudo isso são coisas que é preciso equacionar. Primeiro, é preciso ter pessoal formado e qualificado que trabalhe no sector. E não sei se nós estamos a formar pessoal com alta qualificação para isso. Os angolanos têm alta qualificação nos petróleos, eles não estão a brincar com o petróleo.

Nós não temos domínio tecnológico de petróleo, do gás, do carvão, nós não temos pessoal moçambicano qualificado para isso.

Também estou de acordo que poderíamos aproveitar os nossos recursos de uma forma sustentável, que poderíamos ter níveis de extracção dos nossos recursos a longo prazo para que as futuras gerações também se possam beneficiar.

É o caso das florestas. Têm o seu ciclo de reprodução, mas tiramos lá os produtos indiscriminadamente. As pescas idem.

O que se está a passar com os garimpeiros das pedras preciosas e de ouro em Manica são coisas absolutamente violentas para a natureza, para as pessoas e não sustentáveis. Mas as licenças das minas estão localizadas em certo grupo de pessoas.

O que acontece nas pescas, nas florestas, é que você tem a licença, mas você não é pescador. Então vem um empresário, deve comprar licença a si. Você vende a licença e fica em casa a ver televisão porque você conhece alguém no aparelho do Estado que lhe deu a licença de pesca e portanto, assim vivemos! Desta forma não é possível desenvolver o país!

“Antes exportávamos madeira, agora exportamos troncos”

Nós estamos a exportar agora depois de uma lei que saiu há dois, três anos, madeira com pequena transformação, mas nossas fábricas de serração estão fechadas. Nós tínhamos indústrias de contraplacados que exportavam em Moçambique, a partir da Beira, que hoje estão completamente em ruínas. Se viaja na estrada que sai da Beira para Manica, vê do lado esquerdo a fábrica em perfeita ruína! Nós estamos a exportar a matéria-prima!

Portanto, nós não estamos a beneficiar o país, mas com certeza que há quem está a beneficiar.

O chinês não vem cá e entra na floresta, sozinho! Ele começa na pessoa que vai lhe passar a licença, passa pela empresa que vai fazer corte e até nas pessoas que vão na floresta buscar a madeira, portanto isso é uma cadeia de interesses que beneficia um grupo muito restrito de pessoas.

Governantes viajam na classe executiva, doadores viajam na classe económica

“O povo vive naquela coisa de que o chefe é chefe, o patrão é patrão.”

Canal: As manifestações de Setembro de 2010 obrigaram o Governo a adoptar uma séria de medidas de austeridade, dentre a redução de viagens aéreas de dirigentes em classe executiva. Pensa que era preciso que a população queimasse pneus para o Governo tomar este tipo de medidas?

Mosca: Era absolutamente desnecessário! É aquela coisa de que “dinheiro dado não custa gastar”. Dinheiro que você não produziu, consome e gasta rapidamente. Nos temos o sentido de consumo. As pessoas que têm dinheiro, o que fazem? Compram carro, casa, quinta na Matola. Quando vão de férias na quinta na Matola passam de supermercado e compram tomate. Mas tem lá a quinta com capim e não produzem tomate. Compram tomate para fazer festa na quinta. Galinha, ovo, cebola e etc. Portanto, nós temos espírito de consumo.

A viagem na classe executiva é um espectáculo de poder, é um espectáculo de influência, é um espectáculo de pessoa importante. Nós gostamos muito de demonstrar aquilo que nós não somos, ou o que nós não temos. Acontece muitas vezes que o homem da organização internacional ou da embaixada vai no mesmo avião na classe económica e o nosso director vai na classe executiva, quando é o homem da classe económica que está a dar dinheiro ao director para ir na classe executiva!

Portanto, significa que há um sentido de consumo muito forte, não o sentido da vida austera, da vida discreta. Há um consumismo, e muito mais quando é financiado por recursos não gerados pelas mesmas pessoas, quando é financiado por um dinheiro falso. Portanto, tudo isso deslegitima completamente a política e os políticos. Os políticos estão deslegitimados, não há credibilidade. Ninguém confia neles, por este tipo de atitudes.

O problema é que o povo também, de certa maneira, é muito permissivo com isso. O povo vive naquela coisa de que o chefe é chefe, o patrão é patrão, ele está lá porque conseguiu, deixa o homem “desarascar”, a vida é dele. Então, fica numa situação passiva e não existe a consciência e a capacidade reivindicativa e de exercício da cidadania de uma forma consciente, informada e correcta.

Portanto, enquanto nós não conseguirmos que os nossos cidadãos tenham esta consciência de cidadania, reivindicativa, de manifestação, de uma forma correcta, é mais fácil que tudo isto aconteça.



Editorial

A “farra” chegou à “lixeira”

Quem pega na vassoura para varrer

este lixo?


Maputo (Canalmoz) - Isto de facto está lindo. Muito honestamente, no seio deste regime andam todos “loucos”. Já ninguém conhece limites. Os abusos são intoleráveis. A todos os níveis. O País nas mãos deste tipo de senhores está realmente podre. Se havia dúvidas agora já há só praticamente certezas. A farra chegou à lixeira. Mas se para uns isto pode parecer o fim da esperança, para outros parece antes o fim da bagunça. Porque o Povo já abriu os olhos e só resta saber se saberá usar de inteligência para mudar as coisas manifestando-se sem estragar ou se se sente bem assim no meio desta bagunça e vai levar-nos para pior do que já estamos.

A “mamada” já chegou ao Conselho Constitucional. Até aqui ainda ia conseguindo dar um ar da sua graça. Acabou. O próprio presidente do órgão já fez dos fundos do Estado a sua machamba. Uma pouca vergonha!
Pelos discursos na abertura do ano judicial se alguma credibilidade ainda se podia encontrar nos tribunais e na Justiça agora está tudo visto. Já ninguém sabe em quem confiar. Já não é só o regime em si que está caduco e desajustado. Na dita elite, buscando e rebuscando, pouco ou nada sobra para que se continue a acreditar que é possível mudar.
Não se sente movimento para alterar as coisas. A sociedade não se mexe mas sente-se que está muito preocupada.
Os doadores tentam mexer mas repetem os mesmos erros todos os dias. Parecem um gato constantemente a ver se consegue morder o seu próprio rabo. Quando criam novos projectos não percebem que estão a mudar apenas os nomes, mas não o paradigma.
Toda a gente à espera que aconteça algo para depois deitaremos todos as mãos à cabeça?
Estamos mais uma vez no fundo do poço. É uma tristeza!... A esperança que nos encheu os corações e o peito com o fim da guerra civil, está praticamente esgotada.
Vivemos num país de isenções para uns e obrigações para o Povo. Isto não muda. Ninguém vê que o rastilho já está a arder?
Os mega-projectos têm isenções. Os partidos políticos têm isenções. O que está a dar é criar um partido político para viver de isenções e viver pendurado em empresários habilidosos.
Os deputados têm isenções. Os ministros, os diplomatas, os parentes dos governantes, passeiam-se pelas fronteiras com isenções para tudo e mais alguma coisa, pendurados em passaportes diplomáticos e com apelidos fortes.
Os homens de negócios ligados ao partido no Poder vivem de isenções pendurados nos políticos. Algumas das suas empresas são autênticas incubadoras de corrupção, ensinando como fugir dos impostos, já nem se importando que partido servem… Desde que a “mamada” dê bom leitinho, que venha o leitinho… Só percebe a que partido alguém pertence, quando se quer fazer carreira dentro do Estado. Aí sim, conta muito se fulano é da Frelimo, do PDD, do PIMO. Nos negócios é uma correria. Andam todos aos abraços e beijinhos. São todos “brothers”…
O povo só vai tendo o direito de mastigar em seco.
As ONG´s vivem de isenções do IRPS para os seus quadros expatriados. Grande parte das empresas não paga impostos. As que pagam são perseguidas por funcionários a quem o Estado emprega quase a preço de esmola deixando-os irem safando-se de “mamada” em “mamada” no nosso “maravilhoso povo”.
Os polícias não passam multas para meterem dinheiro ao bolso. É a farra nas ruas… As suas hierarquias não impedem porque assim “estamos juntos” e o país vai parecendo estar numa boa.
Os administradores usam os fundos de investimento distrital para reabilitação das casas do Estado e quase sempre quando se vai ver estão ao mesmo tempo a construir as suas próprias casas em algum lado ou a receber comissões das empresas que reabilitam os seus “palácios distritais”.
Com o Fundo de Investimento Distrital reabilitam até “pódios para comícios” que mais não são do que custos que o partido no poder trespassa para o Estado. O dinheiro do Estado está assim a alimentar quem serve o Poder ao mesmo tempo que o Governo fecha os olhos para que todos, de “mamada” em “mamada” continuem muito felizes e caladinhos.
Como é possível transformar os distritos num pólo de desenvolvimento quando o dinheiro público está a ser usado em luxos em vez de ser usado para desenvolvimento rural, construção de infra-estruturas que induzam o aumento da produtividade agrícola e assegurem o seu escoamento para os centros de consumo?
É possível acreditar na seriedade do discurso do presidente da República Armando Guebuza sobre o combate à pobreza quando se sabe que o dinheiro do Estado está a ser gasto em mordomias com verbas do Fundo de Investimento Distrital?
Os examinadores nas mais diversas escolas, incluindo os que têm a seu cargo aferir os conhecimentos dos cidadãos que se querem habilitar a algo, vendem notas, vendem diplomas, vendem cartas de condução, vendem tudo o que podem.
Os professores quando os resultados dos exames são muito negativos vêm a público dizer à sociedade para não se preocupar porque na segunda chamada tudo vai melhorar.
Em termos estatísticos continuam a enganar-nos. Na prática todos sabemos o “barril de pólvora” em que estamos metidos com este tipo de Educação. Até sabem que por este andar qualquer dia estamos a pedir aos doadores para financiar um programa de vinte anos para alfabetização de licenciados e mestrados. E eles até certamente dirão que sim pois é desses que eles mais gostam: PRAP, PARP, PARPA, PREP, PRIP, PROACRE, PRIPOP, qualquer nome serve…é preciso é que soe a música para que a “marrabenta” de mobilização de recursos financeiros sem conteúdo não perca o seu ritmo...
É uma constante festa de mau gosto…
Ninguém pergunta como é que bancos de um País pobre podem contribuir com vinte, trinta, quarenta porcento dos lucros anuais das holdings internacionais a que pertencem? De onde vem tanto dinheiro num país que não produz? Quem está disposto a rever o negócio dos bancos em Moçambique? O senhor governador do Banco de Moçambique que viu e bem que é oportuno rever as isenções dos mega-projectos o que é que irá fazer para que a banca comercial se transforme definitivamente numa alavanca de desenvolvimento em Moçambique?
Porque razão um país de tanga atrai tantos bancos? Dezoito bancos, dezenas de casas de câmbios?...
A vassalagem tem de deixar de ser mais importante do que a competência. Mas, perguntem ao ex-secretário geral do Conselho Constitucional quanto lhe custou tudo ter tentado para proteger o Estado e não deixar o seu chefe afiambrar-se com benesses? Foi ele e ficou o chefe. O Povo vai ter de continuar a pagar os apetites do ex-comissário político. O honesto Saranga já era. Os bons juízes conselheiros que se opunham e bem aos apetites do senhor juiz-presidente acabaram calando-se antes que os façam seguir as peugadas de Saranga. “Ishe Yowé”, como é bom cair em graça do senhor Guebuza…
Na Tunisia, no Egipto e na Líbia também era assim…
Perguntem ao Bastonário da Ordem dos Advogados porque é que ele está tão preocupado com o silêncio do sistema de justiça no Caso do MBS levantado pelo presidente norte-americano. Perguntem ao próprio senhor Mahomed Bachir se ele próprio está preocupado que a Justiça limpe o seu nome. Perguntem-lhe por que é que “chora todos os dias” por se considerar injustiçado e não vem regularmente a público, como tanto gostava fazer, pedir que se faça justiça? Agora seria de esperar que não se calasse nem um minuto a pedir aos seus camaradas que acelerem os processos de descoberta definitiva da verdade, mas está calado. Porquê? E por que razão os seus camaradas também não saem em sua defesa, publicamente?
Onde estão os advogados do dito “barão da droga” que diziam que iam esclarecer tudo num ápice? Estão a ver se o tempo se encarrega de fazer as pessoas esquecerem-se de que podemos estar perante um inocente ou de um dos mais vis filhos desta pátria?
Pobre País de que tanto gostamos!
Pobre povo e sua eterna paciência!
Pobre sociedade civil que só fala se os doadores lhe pagarem para isso!
Pobres cidadãos dos países doadores que andam a alimentar este gangsterismo todo quando a eles também os seus governos lhes pedem para apertarem o cinto!
Quem pega na vassoura para varrer este lixo? (Canalmoz / Canal de Moçambique)

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Canal de Opinião

por Carlos Nuno Castel-Branco(1), 21 de Fevereiro de 2011

Investigação e desenvolvimento

Será a investigação social neutra

relativamente ao conflito social?

Maputo (Canalmoz) – O professor doutor Carlos Nuno Castel-Branco, do IESE, proferiu esta segunda-feira, ontem, a Oração de Sapiência na abertura do ano académico na “A Politécnica”. É por muitos académicos considerada já uma ODE À CIDADANIA ACTIVA E RESPONSÁVEL. Pelo seu interesse, sobretudo académico, reproduzimos aqui na íntegra o texto da intervenção do economista-investigador moçambicano.

Introdução: definindo o tema

A questão central deste tema é a relação entre a investigação social e o conflito social. Investigação social pode ser entendida de duas formas. A primeira forma, mais simples, diz respeito à investigação, ou estudo, com base em métodos reconhecidos academicamente, de assuntos de natureza social no sentido em que dizem respeito à sociedade como um todo. Tais assuntos podem variar tematicamente: da educação à produção material, da saúde aos processos e sistemas políticos, da produção cultural à distribuição da riqueza, das dinâmicas demográficas às de segurança social e relações de trabalho, da sustentabilidade ambiental às relações económicas internacionais. Podem, também, variar em função do foco ou quadro analítico: classe, género, diferentes modelos de análise institucional ou individualismo metodológico. Independentemente do tema ou quadro analítico, investigação social é assim definida pelo seu objecto – o que estuda.

A segunda forma de definição de investigação social, mais completa e mais complexa que a primeira, requer que a análise seja assente no contexto social historicamente definido dos assuntos a estudar. Com esta definição, o "social" da investigação é construído pela abordagem e não pelo tema. Por outras palavras, não é por estudar agricultura, economia, educação, saúde, habitação, estradas, comércio, população e emprego, ambiente ou género que a investigação é social. A investigação torna-se social quando este estudo é enraizado na compreensão da interacção e relações de poder entre actores e seus interesses em conflito com as pressões económicas, políticas e sociais que os agentes enfrentam, com as quais se confrontam e às quais respondem, em contextos históricos específicos. Portanto, a problematização e análise de opções tecnológicas para a construção de estradas, sistemas de transporte ou agricultura, da distribuição do rendimento nacional, da estrutura e dinâmicas da balança de pagamentos ou de dinâmicas ambientais podem adquirir um carácter social ou a-social, dependendo do método de problematização.

Conflito social é uma característica dinâmica dominante da relação de poder entre diferentes grupos de interesse e entre estes e as pressões económicas, sociais e políticas em que tais grupos e interesses emergem, em condições históricas específicas. Conflito social está relacionado tanto com o processo político através do qual diferentes grupos sociais articulam, competem e disputam o poder de influência sobre a análise e as opções económicas, políticas e sociais, como sobre o conteúdo político dessas análises e opções. Na vida real, política e economia não se separam e os conflitos em torno de opções políticas e económicas não são suficientemente pacíficos nem ligeiros para serem sempre resolvidos por consenso num quadro político aberto. Consenso, na vida real, frequentemente requer que uma opção ou outra lidere a construção do consenso, e isso é feito não por causa do mérito da opção em geral – já que é pouco provável que qualquer opção tenha mérito em geral – mas por causa do poder efectivo construído em torno da opção.

Esta apresentação vai tratar da relação entre a investigação (e teoria) social e a prática (ou conflito) social. Na medida do possível, esta discussão usará como referência o estudo do ensino de economia e a investigação da economia de Moçambique.

Teoria social, ideologia, educação e prática social

A visão convencional do papel da teoria social é que esta se deve libertar de influências ideológicas para melhor poder extrair a verdade. Portanto, é assumido que teoria é conjunto de ideias coerente, sistemático e consistente, e que "a verdade" é objectiva. Em relação com estas convenções, o teórico é aconselhado e encorajado a observar a sociedade de fora, sem nela se envolver, de modo a garantir a neutralidade e objectividade do seu trabalho. A separação das instituições de aprendizagem das outras instituições na sociedade pode aparentemente fornecer o clima físico ideal para o exercício intelectual de separação do teórico e da teoria da sociedade.

No entanto, mesmo esta separação física entre as instituições de aprendizagem e as outras instituições na sociedade não consegue produzir o teórico e a teoria "ideais", isto é, "neutras" e "objectivas" relativamente ao conflito social. Não há formas de escapar às relações ideológicas que são parte de qualquer sociedade e de qualquer actividade social. Mais especificamente, o teórico é confrontado com problemas em termos de conceitos que têm vida social e resultam de relações ideológicas pré-existentes. Depois de trabalhar sobre estes problemas, o teórico comunica os resultados à sociedade mas em modos de raciocínio e por via de canais pré-estabelecidos. Do mesmo modo que os problemas teóricos que se colocam ao teórico são determinados socialmente (e estão fora do controlo do teórico), também a questão da aceitação social dos resultados teóricos do trabalho de investigação estão fora do controlo do teórico.

Portanto, é errado pensar em teoria como o simples produto da mente de indivíduos, do mesmo modo que é errado pensar em ideologia ou em economia como a soma de valores e de decisões individuais. Teoria é uma actividade, ou construção, social antes de ser entendida, tratada e utilizada por indivíduos.

Ao rejeitar a neutralidade social do teórico, da teoria e do processo de trabalho teórico, não estaremos a pressupor que ou teoria e ideologia são indistinguíveis uma da outra? Ou teoria distingue-se de ideologia apenas por ser coerente, sistemática e consistente, ao contrário do que ideologia é? Não é a qualidade superior do processo de raciocínio envolvido que distingue teoria de ideologia. Teoria, tal como ideologia, são o produto de relações sociais específicas que encorajam visões parciais e desconexas da realidade. O que distingue teoria de ideologia é o seu objecto. Enquanto a ideologia resulta de tentativas mais ou menos conscientes para compreender a inserção das pessoas nas suas actividades, teoria é uma tentativa consciente para explicar as relações entre as aparências que formam a base da ideologia. Mas a teoria nunca é somente isto, porque existe sempre em combinação com outras actividades, sejam elas educacionais, políticas, científicas ou revolucionárias. Assim, o teórico nunca está isolado da sociedade; se estivesse, as suas teorias seriam completamente anestesiadas e ficariam confinadas ao seu cérebro e o seu bloco de notas.

Logo, o teórico não só é incapaz de se estabelecer fora da sociedade e das condições históricas específicas da sua investigação, mas é necessariamente activo na sociedade numa forma não-teórica, mesmo que estas suas actividades se limitem a intervenções ideológicas como pode ser o caso dos teóricos nas instituições de aprendizagem. Neste contexto, a teoria, ela própria o produto de relações ideológicas, é um factor fundamental no estabelecimento de ideologias. Sendo assim, a teoria tem também a função social de estabelecer o terreno e os parâmetros teóricos onde conflitos entre e dentro de grupos sociais são formados e resolvidos. Frequentemente, a tentativa de atingir este objectivo da teoria social é prosseguida ao mesmo tempo que se nega a existência desses conflitos. Esta negação é feita de várias formas: por via da harmonia teórica dada pela teoria de equilíbrio geral; por via da suposta neutralidade da tecnologia e ciência; ou, ainda, por via do equilíbrio gerado através do mercado pela atomização das transacções na sociedade de tal modo que salários, lucros, rendas e juros não existem como dinâmica social – e, portanto, os conflitos a eles associados são passados por cima – fora da individualização das transacções em que indivíduos a-sociais e a-histórico, em mercados igualmente a-sociais e a-históricos, se envolvem.

De um modo geral, o ensino de economia faz ressaltar exemplos interessantes desta interacção entre teoria, ideologia e prática (ou conflito) social.

O exemplo mais clássico é a frustração dos estudantes, já no fim da parte escolar do seu curso, relacionada com a escolha do "modelo económico correcto". Por um lado, estes estudantes aprenderam que economia é uma arte de optimização com expressão e significado matemático preciso, dados parâmetros matemáticos exactos. Logo, deve haver "um modelo correcto", preciso, matemático. Por outro lado, em disciplinas opcionais os estudantes aprenderam que existem diferentes modelos e paradigmas económicos – por exemplo, ao modelo de Heckscher e Ohlin sobre vantagens comparativas e equalização dos preços de factores por via do comércio livre (que ainda forma a base do nosso ensino de economia internacional) opõem-se os modelos de Emmanuel (imperalismo do comércio desigual), Raul Prebisch e Hans Singer (deterioração secular dos termos de troca barter dos produtos primários), Günder Frank (teorias do centro e periferia) e toda a série de "novas teorias" de comércio internacional baseadas em modelos endógenos de crescimento (Robert Lucas e Dani Rodrick, por exemplo) e na análise de competição imperfeita (Paul Krugman). Em todas as áreas da disciplina de economia repete-se esta variedade de modelos, alguns marginalmente diferentes embora formando parte do mesmo paradigma, outros paradigmaticamente antagónicos.

Um estudante, e mesmo uma boa parte dos docentes, que tenha aprendido teoria económica como um conjunto de pressupostos inquestionáveis por causa da elegância e precisão matemática da sua expressão, não possui ferramentas metodológicas para lidar com este dilema. Algumas escolas e professores optam pela mais simples das piores opções – reforçando a ortodoxia por via da eliminação do debate teórico heterodoxo. Isto é atingido ou pela não exposição dos estudantes ao debate, ou pela marginalização do não ortodoxo à categoria de exótico e herético. Noutros casos, recorre-se ao ensino de história económica como disciplina marginal destinada à culturalização geral do estudante, sem que o carácter social da história e das ideias económicas ao longo da história dos modos de produção específicos e das suas contradições sejam estudados. História económica transforma-se numa listagem de teorias, com alguns factos históricos interessantes e engraçados misturados na argamassa. Resulta isto, portanto, no ensino a-histórico e a-social da história, sem qualquer utilidade teórica ou prática.

Em raros casos, os professores engajam-se com os estudantes na investigação e descoberta das raízes sociais e históricas específicas, das inconsistências e das bases e implicações das inconsistências das várias teorias económicas. Mas aqui manifesta-se o outro lado do papel da teoria, a sua reprodução e a reprodução da sua base ideológica. Nestes casos, o estudante normalmente reage comparando as novas abordagens com o quadro a-histórico e a-social da economia que está construído na sua aprendizagem. Por exemplo, é extremamente difícil, depois de três anos de ensino de economia ortodoxa, fazer os estudantes compreenderem que o conceito de mercado imperfeito só existe por razão da existência do conceito de mercado perfeito; e que a rejeição do segundo conduz à irrelevância do primeiro. Fora do paradigma neo-clássico, os mercados não são perfeitos nem imperfeitos, mas construções sociais e históricas; as transacções reflectem, portanto, relações sociais de produção em vez de relações atomizadas entre indivíduos; e a análise económica inclui a investigação da organização social do processo de produção capitalista, que determina as condições de produção e acumulação do excedente. Para a maioria dos estudantes – e, infelizmente, docentes também – a análise de qualquer novo paradigma, modelo ou teoria é feita em função de como é que esse modelo, paradigma ou teoria se relaciona com a ortodoxia, sem qualquer referência às questões que colocam sobre modos de produção específicos e seus estágios de desenvolvimento, à sua relação com o desenvolvimento histórico do capitalismo, ou às suas inconsistências e os processos e dilemas que criam essas inconsistências.

Outro exemplo clássico da interacção entre teoria, ideologia e prática social é a construção curricular do ensino de economia. Por um lado, surge o debate sobre se o currículo é para "aprender a fazer" ou "aprender a pensar e investigar", como se este debate tivesse sentido real. Tal como "mercado imperfeito" é um conceito que deve a sua existência exclusivamente à existência do conceito de mercado perfeito, também o aparente conflito entre pensar, investigar e fazer é o resultado do ensino estéril de teoria. É evidente que ensinar uma ou todas as teorias sem qualquer relação com as problemáticas económicas e sociais que se colocam na vida resulta na inutilidade do ensino do ponto de vista de debate e transformação social, embora também resulte na reprodução, ainda que estéril, das relações ideológicas em que se baseia a teoria.

No contexto do "aprender a fazer", existe uma forte corrente de acção – mesmo se não de pensamento – que ensina a medir antes de debater que questões é que determinados indicadores e formas de medição colocam e como é que tais questões se explicam no contexto heterodoxo do debate económico. A literatura sobre pobreza, por exemplo, é exímia neste tipo de exercício. Pobreza é definida independentemente dos padrões sociais de produção e acumulação de excedente de que faz parte, tornando-se um indicador a-social e a-histórico de análise económica. Dada a incapacidade de explicar pobreza totalmente dentro dos limites da teoria, o investigador recorre ao método de aproximação – modelos empíricos cada vez mais sofisticados e complexos vão aproximando a teoria da realidade. Correctamente, uma distinção é estabelecida entre a teoria e o mundo real; mas o mundo real é incorrectamente considerado como sendo representável por factos, dados e observações empíricas neutras. Portanto, é assumido que factos podem ser construídos independentemente da teoria e de forma não teórica (como se as perguntas que levam aos factos e a interpretação dos factos fossem independentes da teoria); e que a teoria pode ser testada por conhecimento do mundo real que é independente da teoria. Neste caso, tudo o que resta é encontrar indicadores aceitáveis e padronizáveis de medição, independentemente das razões porque são considerados aceitáveis e padronizáveis – embora, geralmente, o sejam para efeitos de comparação internacional e de aquisição de vantagens na competição internacional por recursos de ajuda externa justificados pelos índices de pobreza. Esta abordagem é prática para evitar a crítica à teoria económica. É ainda mais útil para reproduzir o discurso político, social e académico sobre combate à pobreza, evitando assim penetrar na análise da organização social da produção capitalista, que determina como o excedente é produzido e acumulado, como é que as relações capitalistas de produção são reproduzidas, e o que determina os padrões sociais de distribuição e consumo – por outras palavras, qual é a base social e histórica das manifestações sociais a que chamamos pobreza?

Talvez o mais claro de todos os exemplos da relação entre teoria, ideologia e prática social, no que diz respeito ao ensino de economia, seja a persistência e resistência da ortodoxia mesmo em face de crises e contradições profundas do sistema capitalista e da crítica severa a que a ortodoxia tem sido votada. Com o desemprego a rondar 11% nas economias desenvolvidas e 50% nas economias subdesenvolvidas, os nossos modelos de ensino de economia continuam a assumir pleno emprego e a propagar a ideologia de mercados que se equilibram automaticamente (ou apenas com pequenas intervenções correctivas do Estado sobre algum comportamento idiossincrático conjuntural). O capitalismo tornou-se financeiro, as instituições financeiras tornaram-se os maiores oligopólios do mundo capitalista, e a actividade financeira estrutura o processo de produção e acumulação de excedente. Mas os nossos modelos de ensino de economia monetária continuam a assumir o sistema financeiro como intermediário entre depositantes e investidores (entre procura e oferta de dinheiro).

Nos processos de revisão (ou redução do tempo) curricular, num contexto de crise económica internacional sem precedentes na vida da maior parte dos docentes, o debate centrou-se em como incluir os vários modelos dentro de um curriculum com menos um semestre; mas ainda não houve um debate sobre a utilidade do nosso ensino de economia – e, por conseguinte, desses modelos que tentamos acomodar em menos um semestre de aulas – para os desafios do nosso tempo. Nem discutimos, ainda, quais são estes desafios do nosso tempo e que questões colocam à teoria, ao ensino e à investigação económica.

Os exemplos sobre educação ilustram três dimensões deste debate: o papel da teoria na formação da ideologia e prática social; o papel da ideologia na persistência da teoria mesmo em face de desafios objectivos da vida quotidiana; e o papel ideológico do educador.

O questionamento desenvolvido em torno destes exemplos ilustra a outra dimensão do debate: a reacção teórica às pressões e desafios colocados pela sociedade.

Influência social da investigação social

Vimos que investigação social é simultaneamente influenciada por relações ideológicas pré-estabelecidas (que definem os parâmetros do objecto de estudo e da comunicação dos resultados) e influencia as relações ideológicas estabelecendo as relações entre as aparências da realidade que formam a base da ideologia. Portanto, também o investigador social é parte da construção das relações ideológicas que influenciam a teoria, e da construção das relações entre aparências descritivas do capitalismo que aparecem como representações verdadeiras na teoria e formam a base da ideologia.

Do mesmo modo que os problemas teóricos que se apresentam ao investigador são socialmente determinados, também o investigador não tem controlo sobre se os resultados do seu trabalho têm ou não aceitação social.

O que é que determina a aceitação e adopção dos resultados da investigação social? A escolha dos problemas, as metodologias de problematização e investigação, a construção dos factos, os modos de raciocínio e os canais de comunicação dos resultados são socialmente construídos. Logo, a influência dos resultados da investigação na sociedade também é determinada socialmente. Mérito, apenas, é uma base débil para determinar aceitação social. A própria defenição de mérito é socialmente questionável – mérito em que contexto? Para responder a que perguntas? Para tratar de que problemas? Com base em que premissas e análises? Quais são efectivamente os resultados a que se atribui mérito?

Naturalmente, na discussão de resultados da investigação a primeira pergunta que surge é se os resultados são verdadeiros (ou consistentes com a teoria), ou falsos (ou inconsistentes com a teoria). O problema é que em investigação social, "verdadeiro" e "falso" são socialmente relacionados entre si e não necessariamente existe uma base comum para determinar o que é verdadeiro e o que é falso. Aliás, teorias, que representam o mundo real a partir de premissas diferentes, reproduzem diferentes falsos e diferentes verdadeiros.

Vou usar o debate sobre opções de financiamento público como ilustrador deste processo.

A literatura sobre a mobilização de recursos domésticos está a expandir-se rapidamente e a adquirir importância crescente no debate sobre o financiamento da despesa pública e do investimento privado em África. De um modo geral, esta literatura é concentrada no financiamento do Estado e dominada por dois grandes temas, nomeadamente: razões ou motivações para mobilizar recursos domésticos, e as modalidades práticas de o fazer.

No que diz respeito às motivações para mobilização de recursos domésticos, as duas mais frequentes são ligadas com a substituição da ajuda e prática de cidadania. Primeira, ajuda externa tem dominado o financiamento do Estado nos países africanos menos desenvolvidos nas últimas duas décadas, mas tende a estagnar ou diminuir. Além disso, é ineficaz e/ou prejudicial por causa dos condicionalismos económicos e políticos que introduz, por permitir sustentar ambientes económicos não-competitivos e por fomentar a corrupção. Segunda, os governos dos Países dependentes de ajuda externa tendem a prestar contas aos doadores e não aos cidadãos do País porque são os doadores e não os cidadãos quem financia o Estado. Por consequência, também o debate e a escolha de opções políticas e de política pública tendem a envolver o governo dependente e os doadores e a excluir os cidadãos. Logo, a cidadania como prática social não se desenvolve.

No que diz respeito às modalidades, a mobilização de receitas fiscais é, geralmente, a modalidade preferida para mobilização de recursos domésticos. Isto deve-se a três razões principais: por incentivar e/ou forçar a poupança, pelas ligações que permite estabelecer entre o Estado e os cidadãos, e por causa da grande margem para potenciais ganhos fiscais que geralmente existe nos países menos desenvolvidos derivada da fraqueza da administração fiscal, da estrutura fiscal afunilada, e da baixa proporção do Produto Interno Bruto (PIB) tributada por causa dos benefícios fiscais de que beneficiam os grandes projectos multinacionais.

Outra modalidade de financiamento do Estado é a dívida pública contraída com recurso a obrigações do Tesouro (dívida com os cidadãos e empresas domésticas) e créditos comerciais (dívida com o sistema bancário nacional e internacional). Esta modalidade é preferida quando o espaço de expansão fiscal é reduzido, por motivos políticos e/ou económicos, e quando há garantias que a dívida será usada produtivamente no desenvolvimento da infra-estrutura económica e social.

Na literatura, as duas modalidades de mobilização de recursos domésticos podem responder à redução dos fluxos de ajuda, mas apenas a da tributação resolve a questão da responsabilização do Estado perante os cidadãos. Ambas podem afectar os fluxos de investimento privado, quer competindo pelos mesmos recursos financeiros, quer distorcendo os incentivos para o investimento privado a favor da especulação financeira ou da diversificação da base produtiva. Dependendo da sua magnitude relativa, das suas condições comerciais, da relativa estabilidade dos mercados de capitais e da sua aplicação, o financiamento do Estado com recurso à dívida pode rapidamente resultar em crise fiscal.

Como seria previsível, este debate está a desenvolver-se também em Moçambique. No caso moçambicano, as motivações para este debate têm relação com seis grandes questões. Primeira, a ajuda externa, que nas últimas duas décadas financiou em média 55%-60% da despesa pública, tende a estagnar e a contrair em termos reais. Apesar da ambiguidade em torno das decisões dos principais doadores para o orçamento do Estado, é de prever que a Ajuda Geral ao Orçamento reduza mais acentuadamente do que os níveis agregados de ajuda externa. Portanto, é previsível que o financiamento geral do orçamento do Estado seja mais afectado do que o financiamento sectorial e de projectos. Segunda, a relação prolongada e profunda de dependência externa envolve um alto grau de interferência política dos doadores nos assuntos de política pública nacional. Esta relação política desconfortável entre o governo de Moçambique e os doadores só pode ser ultrapassada com a emergência de alternativas de financiamento do orçamento do Estado e consequente redução drástica da dependência de ajuda externa.

Terceira, as receitas fiscais representam menos de 15% do PIB, financiam apenas 45% da despesa pública e, à semelhança de outros Países da África sub-Sahariana, crescem em torno de uma estrutura afunilada (concentrada em torno de impostos indirectos) e como resultado de aperfeiçoamentos na administração fiscal (o que permite apenas crescimentos marginais). A receita fiscal per capita é inferior a US$ 55, claramente abaixo da média na África sub-Sahariana que se aproxima dos US$ 70 per capita. Destes US$ 55, apenas US$ 18 provêm de impostos directos e apenas US$ 9 provêm de impostos sobre os rendimentos do capital. Impostos sobre as transacções de bens e serviços totalizam aproximadamente US$ 35 per capita. Portanto, a base fiscal não só é afunilada e débil, mas é socialmente injusta – protege apenas o grande capital e as micro empresas, não apoia as pequenas e médias empresas, penaliza os cidadãos duas vezes quer por via da tributação directa (cujo montante iguala o da tributação do capital), quer por via da tributação a taxas crescentes dos bens e serviços.

Quarta, a fragilidade e afunilamento da estrutura e da dinâmica fiscal está associada com os benefícios fiscais redundantes para os grandes projectos de investimento estrangeiro relacionados com o complexo mineral-energético. Enquanto a proporção da remuneração do capital no PIB se situa em torno dos 70% e está a crescer, em média somente 4% da massa tributável do capital é tributada por causa dos benefícios fiscais dos grandes projectos. Portanto a forma mais eficaz e eficiente de aumentar a base fiscal é a tributação dos rendimentos do capital, em especial das grandes empresas multinacionais do sector energético e mineiro por absorverem o grosso do PIB e beneficiarem de massivos benefícios fiscais.

Estudos empíricos já demonstraram que os incentivos fiscais são geralmente redundantes pois não têm influência nas decisões de investimento. Investigação histórica sobre as origens dos primeiros mega projectos pós acordos de paz mostra que foram factores de natureza política e acordos oligopolistas entre grandes corporações regionais que determinaram a localização desses mega projectos em Moçambique. Estas análises empíricas e investigação histórica confirmam as previsões da análise teórica. Segundo esta análise, a localização de projectos de investimento estrangeiro de grande envergadura é determinada por estratégias corporativas oligopolistas, pela presença de recursos e a regulamentação e facilidade da sua utilização (extracção e logística de transporte, processamento e comercialização). Incentivos fiscais têm alguma relevância apenas para projectos de alta mobilidade locacional (footlose), que geralmente não são a base de desenvolvimento das capacidades produtivas nacionais. Os incentivos fiscais geralmente beneficiam as empresas apenas quando estas começam a ter lucros (ou matéria tributável). Para a maior parte das empresas, principalmente as pequenas e médias, a grande dificuldade reside em chegar ao ponto de ter lucros; logo, os incentivos que elas necessitam não são os fiscais mas são aqueles que reduzem os custos marginais de investimento e aumentam as probabilidades de sucesso (infra-estrutura, formação, informação, sistema de aprendizagem, sistema de qualidade, sistemas de aquisição de adaptação de tecnologias, logística produtiva, comercial e financeira, acesso a terra, energia e água, etc.). Os incentivos fiscais não podem compensar pelos custos adicionais que resultam da fraqueza da base produtiva social, pois: (i) estes custos adicionais diminuem lucros e, portanto, a matéria tributável, o que reduz o valor dos incentivos fiscais; e (ii) os incentivos fiscais são um crédito para o futuro e não um apoio para o ciclo inicial de negócio. Os únicos incentivos fiscais que podem ter relevância nos ciclos iniciais de investimento são a amortização acelerada (que permite acelerar a recuperação do capital) e a redução ou eliminação de direitos sobre a importação de bens e serviços de investimento.

Portanto, os incentivos fiscais impõem constrangimentos macroeconómicos fundamentais, são grosso modo redundantes, e a tributação do grande capital multinacional parece ser a reserva fiscal mais importante do País. O potencial fiscal anual de quatro mega projectos em operação excede o actual montante de ajuda geral ao Orçamento do Estado. Logo, não é surpreendente que a contestação destes incentivos fiscais esteja crescendo.

Quinta, a propriedade e controlo dos recursos minerais e energéticos, assim como dos recursos naturais associados (terra, água e florestas), estão ficando concentrados em grandes empresas multinacionais e suas associadas domésticas, assim reduzindo as opções de política pública para o presente e para o futuro.

Sexta, a alternativa simultânea à ajuda externa e ao rápido aumento da base fiscal por via da tributação do capital é o endividamento público como forma de financiamento do défice fiscal. O endividamento público, com recurso à dívida pública interna mobiliária, aos créditos externos comerciais e às parcerias público-privadas, permite mobilizar recursos a curto e médio prazo para serem pagos a médio e longo prazo. Esta modalidade de financiamento também é uma oportunidade de negócio que permite reforçar a aliança entre o capital emergente nacional e o capital multinacional que investe em infra-estruturas por via das parcerias público privadas. Esta oportunidade de negócio privado é financiada pela dívida pública.

Há cinco problemas óbvios com o recurso a dívida pública para financiamento do Estado. Primeiro, é a capacidade de gestão da dívida dentro de parâmetros de sustentabilidade aceitáveis e recomendáveis. Segundo, é a pressão que o serviço da dívida põe sobre os restantes recursos e sobre a estrutura da despesa pública. Terceiro, é a competição por recursos financeiros entre o Estado e o capital privado, que afecta os custos do capital financeiro para todos. Quarto, é o incentivo ao sistema financeiro para se concentrar na transacção e especulação com activos financeiros, preterindo o investimento em actividades produtivas directas. Quinto, é a tendência da despesa pública se concentrar em projectos de alto retorno financeiro a curto prazo, e/ou projectos virados para o suporte dos mega projectos minerais, energéticos e de outras actividades extractivas de grande escala (como, por exemplo, as florestas), em detrimento do desenvolvimento mais alargado da base social produtiva nacional.

Do ponto de vista da construção de uma economia diversificada e articulada, a tributação do capital parece ser a melhor opção para mobilizar recursos domésticos que reduzam a dependência externa, para reter uma proporção cada vez maior da riqueza produzida com os recursos nacionais e para utilizar essa riqueza para diversificar e articular a base produtiva de modo a satisfazer as necessidades do investimento e do consumo, isto é, de modo a alimentar a economia e os cidadãos. Para aproveitar a enorme reserva fiscal ociosa que resulta dos benefícios fiscais, é preciso começar por renegociar os contratos com os mega projectos e alterar a estrutura de incentivos à produção de modo a que incentivos de redução de custos de investimento, de produção e de transacção (infra-estruturas, instituições de aprendizagem e formação, coordenação de investimento, sistemas de informação, sistemas logísticos, financeiros e de aprovisionamento e comercialização, etc.) se tornem na norma, e os incentivos fiscais se tornem na excepção. Este assunto está sendo discutido há dez anos por economistas e outros analistas nacionais, e foi recentemente revigorado pela intervenção de Ernesto Gove, Governador do Banco de Moçambique, no Conselho Coordenador daquela instituição monetária central em Moçambique.

Então, por que é que existe um debate acerca desta questão? Se a questão é tão clara, quais são as dúvidas que persistem? Por que é que o governo de Moçambique resiste tão tenazmente a considerar este assunto? Toda a investigação social aponta para a necessidade de entrarmos neste processo de revisão dos objectivos e renegociação dos contratos com os mega projectos – por que é que os resultados da análise não são adoptados para política pública?

Por um lado, certamente há dúvidas sobre as formas práticas de implementação: como se faz a negociação? Será possível negociar com multinacionais? Quem já o fez? Teve sucesso? Qual será a tarifa fiscal óptima? Como determinar o que tributar e o que subsidiar, por quanto, quando e com que contrapartidas? Como determinar quando é que o mais importante para a economia é a tributação ou as ligações a montante e jusante? Estas, e outras, questões são genuínas, têm que ser respondidas e requerem um quadro/matriz macroeconómico de exploração dos recursos nacionais e uma estratégia industrial e de investimento específica.

Mas as dúvidas existem não apenas ao nível de questões práticas de implementação. Se estas questões práticas fossem a essência da dúvida, já poderiam há muito ter sido resolvidas.

A razões da opção pela não tributação dos mega projectos (ou pela resistência á renegociação dos seus contratos) tem a mesma base social e política da opção pelo endividamento público como via alternativa para o financiamento do Estado – a função principal do Estado moçambicano na fase actual é facilitar o processo de apropriação de recursos naturais e acumulação de capital das classes capitalistas emergentes em estreita relação, e por vezes na completa dependência, das dinâmicas e interesses do capital multinacional.

A não tributação do capital mantém estável a relação entre as elites económicas e políticas nacionais e o capital multinacional, mesmo que a médio prazo esta opção perigue as relações políticas e a estabilidade social doméstica.

A opção pelo endividamento público como alternativa à ajuda externa e à tributação do capital tem atractivos grandes para as elites económicas e políticas nacionais. Por um lado, reduz o poder de interferência e de negociação dos doadores, quer por de facto reduzir a dependência externa, quer por ameaçar reduzir a dependência externa (ou, por outras palavras, sugerir a existência de alternativas para negociação de recursos financeiros fora do quadro clássico da ajuda externa). A maneira de fazer isto é optar por aceitar a ligação directa entre política de cooperação e interesses comerciais, e tentar tirar proveito dessa ligação. Este é o modelo de cooperação das potências económicas emergentes da Ásia (China e Índia), América Latina (Brasil), da Europa (Rússia), entre outras. Para ter esta opção disponível, reduzir a dependência externa e gerar alternativas de negócios, é preciso aceitar este quadro absolutamente comercial de cooperação. Por outro lado, esta modalidade evita ter que recorrer a uma rápida alteração do quadro fiscal e permite ter uma solução interina enquanto a reserva fiscal ociosa não entra em operação. Finalmente, este modelo fortalece as parcerias público-privadas, à custa da sociedade e do erário público, que permitem ao capital nacional emergente tirar maior proveito das ligações com o grande capital multinacional investido no complexo mineral-energético e nas infra-estruturas associadas.

Portanto, as opções em disputa são económicas e políticas pois afectam a propriedade, o controlo, a organização da produção, a apropriação e distribuição da riqueza e, por conseguinte, as relações de poder. Logo, o debate sobre as opções de financiamento do Estado é, de facto, sobre a economia política dos padrões de apropriação de rendas, acumulação e reprodução social, e sobre o papel do Estado na reprodução ou transformação desses padrões políticos, económicos e sociais. Por outras palavras, é um debate acerca dos interesses e pressões económicos e sociais que predominam nas escolhas de opções de política pública e sobre as ligações entre o financiamento público e a reprodução desses interesses e pressões, isto é, sobre quem beneficia e quem paga o processo de acumulação social.

Este não é um debate sobre a qualidade da investigação social que prova um ponto ou outro do debate, e quão verdadeiros ou falsos são os seus resultados ou premissas. Este é um debate sobre a economia política do desenvolvimento em Moçambique, e não são os teóricos, como tal, que o vão ganhar.

Pode e deve questionar-se por que será que o Governador do Banco Central entrou em rota de colisão com membros do Governo para sair em defesa da renegociação dos contratos dos mega projectos. Há muitas possíveis hipóteses explicativas para isto. Primeiro, o Governo não tem uma linha oficial sobre o assunto – há linhas de força a favor e contra, mas ainda não há uma linha oficial. Logo, Gove marcou a sua linha de força. Segundo, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, muito influentes no seio do Banco Central por razões históricas, têm abertamente criticado os benefícios fiscais desde 2006 e estão profundamente preocupados com o potencial de endividamento galopante que a opção de não tributar o grande capital mas endividar o Estado pode gerar – algum tipo de pressão pode ter emergido deste lado. Terceiro, Gove é um economista sério e astuto, a única figura oficial que deu a cara nos debates sobre a crise económica internacional com conhecimento de causa; portanto, está bem posicionado para compreender as opções em jogo e os desafios que cada uma representa. Quarto, Gove adivinhou a crise macroeconómica na linha do horizonte temporal próximo – a dívida privada está a crescer aceleradamente mas sem gerar novas oportunidades diversificadas e articuladas de produção; a natureza porosa da economia, que não consegue absorver a sua riqueza, agrava-se com a estrutura do investimento privado, com a não tributação e com o potencial de rápido crescimento da dívida pública; as condições internacionais estão a mudar e as taxas de juro vão tender a subir, o que agravará a dívida; as duras medidas anti-inflacionárias a que será obrigado vão pesar sobre si; o sector privado nacional de pequena e média escala não pode sobreviver sem uma rápida expansão dos serviços de apoio á produção, comércio e logística, o que vai requerer massivo investimento público sem confrangimentos comerciais. Quarto, Gove é sensível à investigação socail sobre a matéria. Qualquer uma destas hipóteses tem algum mérito, mas o mais provável é que se combinaram de diferentes formas para formar a sua decisão.

O ponto a reter é que é improvável que a investigação social, em si, mude radicalmente qualquer política. Mas pode influenciar o conjunto de factores e opções que entram no debate para formulação e análise de política pública. Obviamente, que investigação é escolhida e em que grau influencia o debate de política pública, isso é um assunto de economia política e da capacidade de formar os grupos de pressão capazes de articular interesses e influenciar o processo de politica pública.

Aqui voltamos, então, a uma das questões iniciais desta comunicação – o investigador social não está isolado da sociedade em que se insere como investigador e como cidadão.

A teoria existe sempre em combinação com outras actividades, sejam elas educacionais, políticas, científicas ou revolucionárias. Assim, como já foi mencionado, o investigador social nunca está isolado da sociedade; se estivesse, as suas teorias seriam completamente anestesiadas e ficariam confinadas ao seu cérebro e bloco de notas. Logo, o investigador social não só é incapaz de se estabelecer fora da sociedade e das condições históricas específicas da sua investigação, mas é necessariamente activo na sociedade numa forma não-teórica, mesmo que estas suas actividades se limitem a intervenções ideológicas como pode ser o caso dos investigadores ligados às instituições de aprendizagem.

A questão real, então, não é apenas sobre a qualidade da investigação social em si, mas sobre a capacidade de transformar a investigação social em arma de debate e intervenção pública disponível, compreensível, acessível e utilizável pelos grupos sociais capazes de articular interesses a favor da mudança social, económica e política, de modo a construírem alianças suficientemente fortes para influenciarem a direcção da mudança.

([1]) Doutorado em economia pela Universidade de Londres, Director do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) e coordenador do Grupo de Investigação sobre Economia e Desenvolvimento no IESE, Professor Associado na Universidade Eduardo Mondlane. carlos.castel-branco@iese.ac.mz . Esta comunicação foi apresentada como Oração de Sapiência na Universidade A Politécnica, em Maputo, a 21 de Fevereiro de 2011.

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