sábado, 23 de novembro de 2024

O que é

 

O que é
Uma coisa é uma coisa, mas não é necessariamente o que é. O mundo não é feito de coisas. É feito do que é. Esta é uma distinção controversa feita por Wittgenstein, mas que me tem ajudado a organizar o meu pensamento sobre fenómenos sociais. As coisas existem independentemente de nós – pelo menos até certo ponto. Mas a percepção que temos dessas coisas depende de nós. Por essa razão, é sempre importante indagar como apreendemos o mundo, isto é como o mundo se torna real a partir da maneira como nós apreendemos as coisas.
Por exemplo, em todas as sociedades existem elites. Bom, estou a partir de sociedades não-igualitárias, ainda que duvide que mesmo nessas não exista algo parecido com elite. Elites são grupos de pessoas portadoras de alguma coisa (dinheiro, privilégios ou mesmo habilidades) que as distingue dos outros segmentos da sociedade. Intelectuais, por exemplo, podem ser descritos como constituíndo uma elite pelo valor atribuído ao conhecimento. É verdade que nem todo o intelectual usufrui totalmente da condição de pertencer ao grupo. Um intelectual crítico em relação a um regime autocrático, por exemplo, dificilmente usufrui do privilégio de pertencer a uma elite. Isso não compromete, contudo, o poder que ele pode ter de influenciar opiniões.
No meu entendimento, uma elite é apenas uma coisa. Isto é, é um facto. Existe ou não existe. Agora, há uma coisa que decorre desse facto que não é propriamente um facto, mas sim aquilo que é. Refiro-me ao elitismo. Os diccionários definem o elitismo como a convicção segundo a qual uma sociedade devia ser dirigida por uma elite. É por essa razão que alguns membros das elites são também chamados de “elitistas”. Isto é, não é pelo simples facto de gozar duma posição privilegiada na sociedade que alguém passa, automaticamente, a exigir a prerrogativa de dirigir. Classificar a intervenção de quem pertence a uma elite como manifestação de elitismo pode, em certas circunstâncias, ser igual à interferir no direito que essa pessoa tem de intervir.
Essa classificação pode ser, por sua vez, populista, que é também uma forma de ser. Aqui reina a convicção segundo a qual o povo saberia melhor e que isso seria suficiente para prevalecer sobre o direito que o membro da elite tem de emitir a sua opinião. Infelizmente, quer a gente queira, quer não o conhecimento não se valida democraticamente. Isso não quer dizer que quem não pertence à elite não tenha nada a dizer. Quer apenas dizer que o valor dum pronunciamento não reside na condição de ter auscultado a opinião de todos, nem de ser representativo.
Quando eu vou à televisão opinar sobre a situação do país, por exemplo, não o faço na base de consultas com seja quem for. Emito a minha opinião e o que ela vale será determinado pelo interesse que suscita na sociedade, a discussão que produz e a oportunidade que dá aos demais membros da sociedade de reverem ou reforçarem as suas próprias opiniões. O que vale para mim como indivíduo vale também para um grupo de pessoas.
Se eu me junto a pessoas que conheço – e que não são necessariamente minhas amigas – mas me junto a elas por apreciar a sua forma de pensar e que é diferente da minha, e depois dum ano de reflexão mais ou menos regular sobre a situação do País, tenho o direito de esperar que aquilo que nós produzirmos como reflexão sobre o estado das coisas na nossa terra seja interpelado na base dos seus méritos. Questionar a composição do grupo – não inclui deficientes físicos, gente do centro ou do norte, pessoas das ciências naturais, adeptos do Real Madrid – priva a sociedade da oportunidade de discutir uma ideia que pode ser boa a favor duma discussão ad hominem de quem propôs a ideia. Isto é tanto mais relevante quanto esse grupo é de pessoas que se reuniram espontaneamente, isto é não o fizeram em cumprimento duma directiva governamental.
Quando o grupo – de que faço parte – que produziu o Manifesto Cidadão “Fazer de Moçambique um País Seguro para a Cidadania” propôs a realização duma Conferência Nacional para a “refundação” do Estado moçambicano, ele estava consciente de estar a produzir uma de entre muitas visões que existem na sociedade. O critério de participação no grupo foi a diferença de opiniões sobre o País. O nosso princípio foi de que se nós com opiniões diferentes sobre as coisas formos capazes de identificar aquilo que precisamos de reflectir para o bem do nosso País, então pode ser possível iniciar essa conversa ao nível nacional.
A Conferência Nacional que propomos não será um espaço intelectual. Será o culminar dum processo de auscultação à escala nacional durante o qual todas as outras sensibilidades terão a oportunidade de expôr o seu pensamento sobre os desafios que o País enfrenta. Nesse culminar vamos fazer uma “b’andla” (ou “Agora”) para reflectirmos sobre o que precisamos de mudar, melhorar, abandonar, refazer, etc. para que o nosso sistema político promova e proteja o exercício da cidadania adequadamente.
Estamos a braços com uma crise pós-eleitoral. O nosso Grupo não tem solução para ela. O único que temos a oferecer é a oportunidade estruturada de consertar aquilo que nos levou até aqui. A nossa sugestão é que nessa Conferência Nacional os partidos políticos e todas as forças vivas da sociedade estejam presentes, façam-se ouvir e aprendam a encontrar maneiras de conviver com a diferença duma maneira que enriqueça o nosso sistema político.
Refundar significa isso. Não significa rasgar a Constituição ou destruir as instituições existentes. Significa verificar se as fundações são tão sólidas como pensamos serem. Quando muito, esperamos sair de lá com um compromisso de todos para encontrarmos uma maneira de estarmos juntos mesmo tendo pontos de vista e interesses diferentes. Se conseguirmos isso, não vai importar se a ideia partiu de quem não deveria ter partido. Importará apenas a contribuição de todos para o que é em relação a Moçambique. E Moçambique é muito mais do que intelectuais, camponeses, norte, sul, centro, Frelimo, Renamo, mulher, homem, etc. Esses são meros factos. Coisas. O que é, é a nossa capacidade de concertar as diferentes percepções que temos sobre o mundo.
Unidos na diversidade, somos Moçambique!
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Graca Conceicao
Unidos na diversidade, somos Moçambique.
Obrigada Professor
Nevito Inacio Uamusse
Precisarei de tempo para digerir o conteúdo
N'tini Kwango Baule
Excelente reflexão. Na verdade, o país precisa de se reencontrar porque neste momento está no fundo do túnel, lúgubre e sem nenhuma luz para mostrar o caminho de saída!
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Carlos Serra 
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Estamos juntos.
João Paulo Marime
Ariel SontoQuingue Macuacua a vossa atenção. Continuação daquele debate sobre o francês
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José Pinhão
Após a proposta quem a concretiza de forma a sabermos quando e onde se realizará a conferência?
Emidio Beula
Nem mais, Prof! Estamos juntos.
Tristencio Sambo
Acho que é uma excelente proposta, mas, a FRELIMO faria de tudo para desacreditar essa conferência. Portanto, vamos apoiar o VM7, ele é o caminho...
Maria Margarida Chaves Marques
Eu acho que o país precisa, sem dúvida, de uma mudança. Mas não estou convencida que o VM seja a alternativa correcta. Ele é muito carismático e teve o condão de unir os moçambicanos que procuram uma sociedade mais justa e um futuro melhor. Mas ele é uma pessoa de direita. Um admirador do Trump, do Bolsonaro e do Chega. Por isso me pergunto: será a pessoa correcta para liderar esta mudança? Não sei ...
José Paulo Pinto Lobo
Caro Professor, a iniciativa é obviamente meritória e deveria ser rapidamente concretizada, mas quer me parecer que o tempo de reflexão não se coaduna com o tempo de convulsão actual, em que algo tem de mudar. Abraço

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