Luanda - Em Dezembro terá lugar o próximo Congresso Extraordinário do MPLA.
*Rui Verde
Fonte: Maka Angola
Este Congresso tem levantado muita polémica legal, pelo facto de alguns considerarem que um Congresso Extraordinário do MPLA tem poderes reduzidos. Não se partilha essa opinião: um Congresso Extraordinário tem as mesmas competências que um Congresso Ordinário, desde que classifique as questões a discutir como “assuntos urgentes e inadiáveis” (artigos 74.º, 75.º e 78.º dos Estatutos do MPLA).
Mas esta não é a questão fundamental. A questão fundamental que o próximo Congresso do MPLA coloca não é jurídica, é política.
Trata-se da última oportunidade para o MPLA. E tal não se refere às discussões acerca do terceiro mandato ou do início da indicação do novo presidente do partido ou candidato a presidente da República. O cerne não é a escolha de João Lourenço, Nandó, Higino Carneiro, Venâncio ou outros. Essa escolha é importante, mas não é o assunto fundamental.
O assunto fundamental são os ventos de mudança que sopram com força intensa por todo o sul de África e o declínio acentuado da força do MPLA.
Em Moçambique, um vento incendiário fustiga a FRELIMO e o seu poder permanente. Sabe-se que esse vento começou com o anúncio de resultados eleitorais tão exagerados que ninguém acreditou neles, sendo que esse irrealismo foi o combustível para a sequente sublevação popular, que não se sabe como acabará, mas certamente já corroeu o partido dominante de Moçambique. Ou sai do poder já, ou, mais cedo do que tarde, tem de ensaiar uma verdadeira reforma política que o levará a partilhar o poder no curto prazo e, eventualmente, a perdê-lo no médio prazo. Esta, aliás, parece ser a preferência de uma boa parte da sociedade civil, uma transição negociada e não o derrube puro e simples do governo.
No Botsuana, as recentes eleições de Outubro de 2024 marcaram o fim de 58 anos de governo do partido Partido Democrático do Botsuana (BDP), de centro-direita, que liderou o país desde a independência, em 1966. O BDP foi decisivamente derrotado pela oposição de centro-esquerda, como o partido Umbrella for Democratic Change (UDC). Um grande movimento de eleitores na direcção dos partidos da oposição levou o BDP a cair para o quarto lugar – do primeiro para o quarto lugar, sublinhe-se.
Nas Maurícias, as eleições em 10 de Novembro passado levaram a uma derrota enorme do governo, que demonstrara algumas tendências autoritárias. A Alliance du Changement venceu de forma esmagadora, garantindo 60 lugares no parlamento (que contém 66 lugares) e vencendo 20 dos 21 círculos eleitorais, a vitória mais desigual desde 1995. A Alliance Lepep, anterior governo, não ganhou nenhum assento parlamentar.
E, obviamente, há o caso extremamente simbólico da África do Sul, onde, nas eleições deste Verão, o Congresso Nacional Africano (ANC), que ocupava sozinho o poder desde o fim do apartheid, em 1994, baixou a sua votação em um terço e foi obrigado a fazer uma coligação com o principal partido da oposição para se manter no governo.
Se os ventos externos indicam um caminho de forte mudança, internamente há um fenómeno que não se pode ignorar, além de todos os problemas económicos e sociais existentes. O MPLA está no poder há 49 anos. Mesmo que tivesse transformado o país numa Singapura, teria sofrido um desgaste sério. Como não o fez – tendo, pelo contrário, esbanjado a oportunidade do início do século XXI (paz + petróleo a preço elevado + financiamento avultado da China) com práticas de má governação, corrupção e incompetência, há uma sensação prevalecente que o MPLA já cumpriu o seu destino histórico. É necessário algo diferente.
Não vale a pena esconder que a vitória de 2022 foi extremamente penosa. O MPLA apenas obteve 51,7%. Perdeu a maioria qualificada (66%) e quase a maioria absoluta (50%+1). Em termos de partido, só recentemente parece ter havido a noção desse quase desastre, e mesmo assim a reacção é pouco activa, como se houvesse um desígnio sobrenatural que assegurasse o poder eterno ao MPLA, resultante da legitimidade histórica da vitória nas guerras (de libertação e civil). No entanto, com o tempo, essa legitimidade foi sendo substituída pela ilegitimidade gerada pela falta de desenvolvimento e, portanto, o poder já não está assegurado. As eleições deixaram de ser um mero momento de confirmação da vitória do MPLA, tornando-se, cada vez mais, numa luta pela sobrevivência.
É esta a situação actual, e qualquer inferência histórica e estatística apontaria para uma derrota do MPLA em 2027. No entanto, estes determinismos não existem na história. Até 2027, tudo pode acontecer, mas nada acontecerá se o partido não promover a sua mudança interna estrutural.
Não é apenas uma questão de caras e de liderança, é sobretudo uma questão de programa, de ideias, de equipa renovada, de imagem, de modo de actuação, de preocupação com o povo, de implementação de um bom governo e da procura do bem comum, tarefas de que o partido se foi esquecendo ao longo do tempo, ou que nunca estiveram no seu âmago, uma vez que era um grupo de combate e de guerra pela independência e soberania do país.
Numa palavra, é uma questão de refundação, pois hoje não é mais a guerra ou a independência que definem um partido político, mas sim a busca da construção e do desenvolvimento de um país onde os cidadãos se sintam bem e de que sejam parte activa. Onde haja, no centro da actividade partidária, um sentido de comunidade política partilhada, de atenção aos mais desfavorecidos, de promoção da iniciativa individual, de justiça legal e social.
Para trás têm de ficar o enriquecimento individual à custa do Estado, a obtenção de partes do Estado para benefício próprio, o funcionamento desastrado da justiça, a insuficiência económica, a falta de recursos para as populações, com as imagens permanentes de miséria e fome. Este Congresso é, por isso, a oportunidade para começar a transformação do MPLA num partido que lute pelo bem comum e pela boa governação. Se falhar esta refundação, o MPLA certamente não vencerá em 2027.
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