TEORIA DO FRAMING, VENÂNCIO MONDLANE E AS ELEIÇÕES GERAIS DE 2024
Edgar Barroso
6 d ·
Teoria proeminente nas ciências sociais e comunicacionais, “framing” (molduragem ou enquadramento, em português) tem como ponto de partida a análise da forma como a realidade social é apresentada e interpretada pelos indivíduos e pelos meios de comunicação social (a mídia). Erving Goffman introduziu o conceito de “frame” na sua mais importante obra, “Frame Analysis: An Essay on the Organization of Experience” (1974). Nela, Goffman argumenta que a realidade social é estruturada e percebida através de esquemas interpretativos que os indivíduos utilizam para compreender o seu meio envolvente e orientar a sua visão sobre a realidade.
Robert Entman, num artigo seminal intitulado “Framing: Toward Clarification of a Fractured Paradigm” (1993), aplicou a teoria do framing para um campo: o da comunicação midiática e política. Nessa senda, Entman expandiu o conceito para o campo dos estudos de mídia, focando em como a selecção e a ênfase de certos aspectos da realidade influenciam a opinião pública e o discurso político. Assim, este autor aponta para o framing como um processo activo pelo qual os meios de comunicação organizam e moldam a informação que passam para a opinião pública.
Em suma, framing significa escolher aspectos de uma dada realidade percebida e torná-los mais salientes do que todo o resto. No campo específico da comunicação midiática e política, o framing é uma ferramenta utilizada pelas elites políticas e a mídia – ao retalhar e ampliar determinados eventos, factos ou fenómenos fora de todo o seu contexto global – para manipular o discurso público e influenciar a opinião e o comportamento das massas.
Na academia, de forma especial, o conceito de framing tem sido amplamente utilizado para analisar como a mídia influencia a opinião pública e a percepção de eventos importantes (como eleições, guerras, desastres e questões políticas sensíveis). A teoria tem implicações profundas em contextos onde a mídia controla ou influencia quase que totalmente a narrativa pública – como é o caso de Moçambique, onde o enquadramento dos resultados eleitorais ou de questões políticas tem sido recorrentemente utilizado para manipular o conhecimento e o entendimento da população.
No contexto moçambicano, a teoria do framing revela-se particularmente útil para perceber o modo como os meios de comunicação social (públicos e privados) e outros actores – como o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), a Comissão Nacional de Eleições (CNE), a Polícia da República de Moçambique (PRM), os tribunais distritais, a Procuradoria Geral da República (PGR), o Conselho Constitucional (CC), o partido Frelimo e os seus membros, dentre outros – têm moldado a difusão e a interpretação dos nossos processos eleitorais.
Portanto, a forma como as informações vêm sendo enquadradas e disseminadas pela mídia e instituições supracitadas distorce, em grande medida, a percepção do público sobre essas informações, filtrando e destacando apenas certos aspectos de toda a verdade e justiça eleitoral – enquanto obscurece outras tantas – afectando, assim, a maneira como os cidadãos moçambicanos e a comunidade internacional compreendem e reagem às mesmas.
Com efeito, está em marcha uma grosseira e flagrante fraude eleitoral, levada a cabo a olhos vistos e a todo o custo e meios necessários, para transformar Daniel Chapo e a Frelimo nos grandes e inequívocos vencedores das eleições gerais de 9 de Outubro (e 12 de Outubro), por um lado e, por outro, para desvirtuar o reconhecimento oficial dos expressivos resultados eleitorais da principal ameaça ao status quo político moçambicano: Venâncio Mondlane e o partido PODEMOS.
Como isso está a ocorrer? Vejamos:
Primariamente, as instituições de administração eleitoral (STAE e CNE), controladas ou influenciadas pelo regime no poder, têm orquestrado, sistematizado e divulgado, de forma incrivelmente mafiosa, informações e números que favorecem o partido Frelimo. Isso envolve destacar números que indicam uma vitória avassaladora desse partido, enquanto ignoram ou minimizam denúncias de fraude e irregularidades massivamente reportadas pelos partidos políticos concorrentes, pelas organizações da sociedade civil, pelos observadores nacionais e internacionais e pelos cidadãos através das redes sociais. Por sua vez, a imprensa pública e privada cooptada pelo regime actuam como disseminadoras dessa informação, de modo a reforçar essa versão, apresentado-a como verdade inequívoca, fruto de um processo democrático e justo, omitindo deliberadamente indícios significativos de manipulação.
Ao moldar a narrativa sobre os resultados eleitorais, a imprensa cooptada – e a PGR, e a PRM, e os membros da Frelimo, etc etc – têm enfatizado que qualquer contestação dos resultados representa uma ameaça à estabilidade nacional. Isso cria uma conotação negativa em torno de movimentos oposicionistas ou críticos, que se reivindicam contra a grande fraude, apresentando-os como desestabilizadores e criminosos. A moldura de estabilidade e paz, por conseguinte, serve para legitimar as instituições que validam os resultados falsificados, minimizando a importância das denúncias sobre a fraude eleitoral.
Alguns “formadores de opinião”, autênticos bombeiros ao serviço do sistema, constroem, seguidamente, uma moldura simbólica que conecta a vitória do partido no poder à continuidade do desenvolvimento, da paz e da segurança pública, ocultando, de modo propositado, as implicações da fraude eleitoral para a legitimidade democrática em Moçambique. Nesse processo, eles excluem e/ou marginalizam narrativas que questionem a podridão intragável do processo eleitoral. Por essa via, denúncias de falsificação de resultados feitas por observadores eleitorais independentes, jornalistas críticos, cidadãos de bem ou a oposição são silenciadas ou apresentadas de maneira a parecerem menos relevantes. Assim sendo, esses discursos são frequentemente omitidos ou abordados de maneira superficial, garantindo que a narrativa hegemónica do regime prevaleça nos canais de comunicação de massa.
Qual é o resultado dessa sujeira toda junto da opinião pública?
O framing aplicado pela mídia cooptada pode levar o público a aceitar os resultados eleitorais como verdadeiros e legítimos, mesmo quando há, aos montes e por todo o país, evidências colossais e irrefutáveis de fraude e de manipulação. Ademais, ao enquadrar qualquer contestação como uma ameaça à paz, a imprensa favorece a deslegitimação das justas reivindicações da oposição e da opinião ajuizada de todos os críticos da podridão organizada, criando uma moldura que retrata todos e quaisquer “dissidentes” como inimigos da nação, fomentadores da desordem, desobedientes criminais ou sabotadores da ordem pública. E já se está a pintar o Venâncio Mondlane como tal, não só na imprensa nacional controlada pelo regime como também, de modo muito mais aterrador, através da PRM e da PGR…
Como está a funcionar o aparato estatal contra Venâncio Mondlane?
Simples. O processo eleitoral de 9 e 12 de outubro de 2024 revelou para o povo moçambicano e para o mundo uma série de irregularidades e fraudes inaceitáveis que ameaçam os pilares da democracia no nosso país. É imperativo, neste momento crítico, defender a verdade, denunciar os crimes eleitorais e exigir a justiça que Venâncio Mondlane, o partido PODEMOS, e o povo moçambicano merecem. Vamos aos factos:
1. A fraude escancarada
Para qualquer pessoa de bem, os sinais de fraude são claros e indiscutíveis. Quem não viu o enchimento de urnas? Quem não percebeu que, em várias escolas, os resultados eleitorais simplesmente não foram afixados, privando os cidadãos do direito de consultar os votos que eles próprios depositaram? Quem não soube de casos em que os números de eleitores divergem, em muitos editais, entre a eleição do Presidente da República e a eleição dos deputados da Assembleia da República (que deveriam ser exactamente iguais)? Ou dos casos em que, nos editais generalizados, os votos da Renamo aparecem muito abaixo dos votos do PODEMOS mas, no apuramento intermédio, a Renamo aparece com números muito aproximados dos do PODEMOS? É inaceitável que os moçambicanos sejam privados dessa transparência essencial.
2. A manipulação dos editais
Nas redes sociais, circulam vídeos e imagens de presidentes de mesa preenchendo actas e editais em lugares inadequados. Essas mesmas actas são assinadas pela mesma pessoa, com números de eleitores superiores aos inscritos e, em muitos casos, com uma afluência de 100% — portanto, com todos os votos a favor de um único partido e o seu candidato, a Frelimo e Daniel Chapo. Quem não viu, literalmente em todo o país, as evidências de suborno de membros de mesas de votos para favorecerem a Frelimo ou de boletins de voto pré-marcados a favor do candidato da Frelimo e para a Frelimo? Quem não soube de casos de votos que constam nos editais e que são maioritariamente diferentes dos que as comissões distritais e provinciais de eleições anunciaram, evidentemente todos a favor da Frelimo e que não deixam dúvidas sobre a enormidade e a gravidade da fraude?
3. A conivência das instituições eleitorais
Factualmente, os delegados de diversos partidos da oposição, incluindo o PODEMOS que suporta a candidatura de Venâncio Mondlane, foram sistematicamente impedidos de exercer o seu direito de fiscalização. As Comissões Distritais de Eleições (CDEs) rejeitaram a credenciação de delegados de determinados partidos, especialmente o PODEMOS, em todo o país e, em muitos casos, sequer os convocaram para o apuramento intermédio. O objectivo foi claro: evitar reclamações e impedir que o partido pudesse impugnar as irregularidades. A quem interessa essa negação desses direitos? A resposta parece evidente. E sobre o caso das recolhas de cartões de eleitores, que não permitiu a participação de muitos cidadãos no pleito ou que fez com que, antecipadamente, votassem “por procuração” via chefes de quarteirões? O que há a dizer sobre os estrangeiros zimbabweanos que votaram nas eleições moçambicanas? Ou os casos de membros das mesas de voto na África do Sul, denunciados em vídeo, que encheram as urnas a favor de Daniel Chapo e da Frelimo? O que o STAE e a CNE (ou a “diligente” e “legalista” PGR) estão ou vão fazer a respeito disso?
4. A subversão da justiça
O argumento recorrente dos tribunais distritais, ao indeferir especialmente os recursos do PODEMOS, tem se baseado em dois pontos falaciosos: a falta de impugnação prévia e a ausência de provas. Porém, segundo melhor entendimento jurídico, a impugnação prévia foi removida da legislação eleitoral em 2019, e essa alteração foi devidamente publicada no Boletim da República no dia 13 de setembro de 2024. Quem não vê que estes tribunais têm estado a agir em contramão com os dispositivos jurídicos vigentes? Mesmo nos casos em que são requeridas provas materiais, como se torna possível apresentar evidências concretas quando os próprios delegados foram sistematicamente impedidos de exercer o seu direito de fiscalização? O que dirá o politizado CC sobre isso, nos seus previsíveis e infames acórdãos?
Como se pode depreender, torna-se impossível confiar em instituições de administração da justiça – como esses tribunais, o CC ou a própria PGR – quando estes se recusam ou se fazem deliberadamente cegos e selectivos em aceitar provas evidentes da vergonhosa fraude que estas eleições gerais são. Urge romper, de forma decisiva e definitiva, com o círculo vicioso de falcatruas que mantém o sistema corrupto intacto e despreza a vontade e a soberania popular na urna.
Por conseguinte, num cenário manifestamente injusto como esse, o que se espera(ria) de Venâncio Mondlane?
Se um Estado de Direito Democrático é um sistema de governação baseado na primazia da lei, na separação de poderes, e no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos – onde, efectivamente, ocorra a subordinação de todos os indivíduos, incluindo os governantes e as instituições estatais, às leis aprovadas democraticamente e por instituições independentes e eficazes que garantem a aplicação imparcial dessas leis – então Moçambique tende a ser, crescente e precisamente, o contrário.
Estamos a nos transformar ou numa ditadura eleitoral, ou numa democracia contrafeita (ou democracia pirata). Estamos a caminho de nos transformarmos num Estado autoritário disfarçado de democrático, onde as eleições são frequentemente manipuladas para garantir a manutenção do regime no poder, onde as instituições eleitorais estão cooptadas e onde está em marcha um deliberado enfraquecimento ou apagamento da oposição política. Onde a independência judicial é comprometida, com o poder executivo influenciando ou controlando as decisões judiciais, resultando em perseguições políticas à oposição e em impunidade sacrossanta para os aliados do regime. Onde há um crescente e tenebroso controle sobre a liberdade de imprensa, uma intimidação desavergonhada da sociedade civil, e a instrumentalização política das forças de segurança (supostamente republicanas) para reprimir protestos ou dissidências perante este estado sombrio de coisas. Onde a justiça tem sido selectivamente aplicada para silenciar críticos e proteger os delinquentes associados ao regime. Onde os tribunais e o Ministério Público, via PGR, agem em função de expedientes políticos estranhos a um verdadeiro Estado de Direito Democrático.
Nada mais resta ao Venâncio Mondlane, perante a grosseira roubalheira de que está a ser vítima e do olhar impávido e sereno do Estado (?), do que criar e desenvolver uma contra-ofensiva, com todos os meios que tiver ao seu dispor, para fazer prevalecer a justiça eleitoral (que lhe é, frise-se, totalmente favorável). Se os meios de comunicação social, as instituições de administração eleitoral e as instituições de administração da justiça têm moldado uma narrativa negativa contra ele, Venâncio Mondlane tem todo o direito de não apenas reagir, mas proactivamente construir molduras alternativas que possam capturar a atenção e a confiança do público.
E como é que isso se faz? Simples. Se a narrativa do regime do dia o pinta, falsa e maquiavelicamente, como perdedor inveterado, como desobediente civil e criminoso, como uma ameaça à paz e estabilidade, etc etc, Venâncio Mondlane pode (e deve):
- contrapor vivamente essa torpe narrativa, destacando como a paz verdadeira só pode ser alcançada através da salvaguarda e reconhecimento dos verdadeiros resultados eleitorais;
- denunciar as práticas eleitorais fraudulentas e a deliberada politização do sistema eleitoral e jurídico nacionais para a manutenção do status quo;
- apelar às massas populares para se mobilizarem activamente em prol da justiça, transparência e legalidade eleitorais, enquadrando a sua luta como uma inadiável causa de interesse nacional;
- continuar a apostar em plataformas alternativas de comunicação, como as redes sociais e os meios digitais independentes, aproveitando as vantagens da era digital para se comunicar directamente com o povo moçambicano, evitando as manipulações da mídia cooptada;
- colaborar com jornalistas independentes e veículos de mídia alternativos que estejam dispostos a desafiar a narrativa encomendada pelo regime do dia;
- construir alianças com organizações da sociedade civil, nacionais e internacionais, para reforçar a sua legitimidade e fazer a devida pressão para que a verdade eleitoral se imponha sobre as falcatruas do regime;
- mobilizar a comunidade internacional para monitorar, avaliar e tomar as medidas apropriadas, de forma imparcial, sobre todo o processo eleitoral. Aqui há mesmo que abrir um parênteses: à comunidade internacional dever-se-á exigir, ao contrário da ladainha que tem sido habitual desde as primeiras eleições gerais de 1994 – reconhecimento de algumas irregularidades, citação de recomendações e declarações de respeito à soberania de Moçambique – efectiva pressão política e económica necessária para devolver a verdade eleitoral aos moçambicanos;
- continuar a expor e a desmascarar o envolvimento deliberado e desavergonhado das instituições estatais na falsificação dos resultados eleitorais ou no controle da narrativa midiática;
- promover, ad infinitum, movimentos de resistência popular contra a injustiça eleitoral prevalecente, contra a normalização da fraude e contra o cerceamento da vontade das massas, até que seja reposta a soberania popular.
Ponto final.
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