Partidarização do Estado
(Subsídios para discussão)
Em Moçambique a nível do debate político e até académico é recorrente a tese de uma “enorme partidarização do Estado”, para descrever uma situação de suposto “assalto” às instituições do Estado a todos níveis pelo partido Frelimo. Considerando diferentes situações descritas pode-se chegar a conclusões: a 1.ª de que politicamente a Frelimo estendeu-se às instituições do Estado; 2.ª Aumentou o controle político do Estado e das suas instituições.
A situação descrita acima deriva, a meu ver, da acumulação de poderes político e constitucionais numa figura que é simultaneamente Presidente do partido e Presidente da República. Analogicamente estamos perante uma situação em que o vermelho e o encarnado estão próximos e à distância confundimos o vermelho com o encarnado e o encarnado com o vermelho.
Em termos práticos tal confusão tem consequências a diferentes níveis, por exemplo: diminuição do espaço democrático: é difícil realizar com sucesso e a imparcialidade constitucional que se pede ao Presidente da República um diálogo político com outras forças políticas se é simultaneamente o Presidente de um partido. O diálogo pode ser preparado e até iniciar, mas em algum momento o Presidente do Partido sobrepor-se-á ao Presidente da República, numa espécie de conflito de interesses, e provavelmente recuar o debate democrático a níveis anteriores ao do encontro.
Mais abaixo na estrutura estatal, a dinâmica política pode interferir negativamente na dinâmica funcional do Estado, tornando a máquina e os processos burocráticos mais pesados e reféns de um escrutínio político em detrimento do cidadão e do mercado que por sua vez dependem de tais processos para poderem em seu espaço desencadearem ou dar continuidade às suas dinâmicas e processos.
Ora, considerando a evolução das instituições políticas e estatais em Moçambique, e concentrando na evolução da Frelimo em particular, é de esperar um processo evolutivo conducente à destrinça entre a direcção política e a direcção do Estado, considerando principalmente os elementos que decorrem da concentração das mesmas numa só pessoa.
Num fórum internacional sobre as Dinâmicas Políticas em Moçambique e Angola no contexto da Primavera Árabe e como sequela lusófona dos seminários sobre os acontecimentos na Swazilândia e no Malawi em 2011 questionado se os eleitores em Moçambique votavam na Frelimo pelos seus feitos ou pelo seu papel histórico, respondi que votavam pelos dois motivos, mas tanto a Frelimo como outros movimentos de libertação deveriam se reinventar como partidos (renovar-se) como partidos e realizar acções mais direccionadas ao eleitorado, pondo as questões ideológicas em segundo plano. Realizar acções mais efectivas e visíveis de combate à pobreza (bread & butter policies) e a nível moral atacar frontal e eficazmente questões social e eticamente sensíveis como a corrupção.
Nesta “reinvenção”, há tarefas para a oposição, em especial a Renamo, que deve abandonar a sua estratégia de conflito e conflitualidade e engajar-se num debate à volta dos principais pontos e desafios do país: combate à pobreza, a corrupção, infra-estruturas e desenvolvimento. À oposição no geral por via do processo da descentralização/autarcização, iniciar um processo democrático de difusão e implementação das suas estratégias a nível local.
Nesta perspectiva, considerando o estágio dos desafios do país, cabe á Frelimo iniciar um processo de descentralização interna por forma a se adaptar às dinâmicas que protagoniza como gestor do país desde 1975 e caminhar para a modernização. Neste contexto, estrutural e estrategicamente, a direcção do Partido deve ser diferente da direcção do Estado, permitindo uma visão mais constitucional, republicana e imparcial do Estado sem qualquer conotação de cariz político.
________________
Referências:
Sem comentários:
Enviar um comentário
MTQ