terça-feira, 19 de julho de 2022

A NEGOCIAÇÃO DA NOVA FRONTEIRA ENTRE MOÇAMBIQUE E O MALAWI, 1954

 

A NEGOCIAÇÃO DA NOVA FRONTEIRA ENTRE MOÇAMBIQUE E O MALAWI, 1954

Filed under: A negociação da fronteira com o Malawi 1954 — ABM @ 13:59

Imagens retocadas.

Capa de um documento sobre a fronteira entre Moçambique e actual Malawi, negociado entre Portugal, o Reino Unido e a Federação das Rodésias e a Niassalândia, mediante um acordo firmado em 18 de Novembro de 1954.

Eis uma peça de informação curiosa que não se aprendia no tempo colonial na escola: o território de Moçambique tem cerca de 4.212 quilómetros de fronteiras, em que 2.685 quilómetros são terrestres, 1.203 quilómetros são de fronteira fluvial e 322 quilómetros de fronteira lacustre. Possui ainda uma costa marítima com cerca de 2.700 quilómetros, onde, no mar, partilha fronteiras com a Tanzânia, as Ilhas Comores (em frente a Pemba), a França (no caso da minúscula Ilha Europa e o Baixo Bassas da Índia, mais ou menos em frente a Vilanculos), o Reino da Suazilândia (agora Eswatini) e a África do Sul.

A isto acresce o imenso território da chamada plataforma continental, sob o mar em frente à costa marítima, onde, por exemplo, se encontram as supostamente fabulosas reservas de gás natural que por estes dias estão a começar a serem extraídas.

Quase todo este território ficou definido entre meados e o final do Século XIX, entre os tratados feitos com os boers com o Transvaal, os alemães com a actual Tanzânia e com o Reino Unido para o resto, incluindo a arbitragem de Mac-Mahon em 1875. Houve depois uns acertos aqui e ali, feitos avulsamente.

Mas houve um acerto excepcional: o Acordo de Fronteiras visando o actual Malawi, assinado a 18 de Novembro de 1954.

Porquê?

Por duas razões: 1. porque o anterior statu quo era considerado inadequado pelos portugueses; 2. pela sua dimensão e impacto futuro no Moçambique independente.

Antes um pouco de história.

No seu trabalho sobre o assunto, Emílio Zeca explica tudo muito bem, infelizmente é um trabalho académico, o que significa que ler aquilo é uma seca. Portanto destilo.

Resumindo, juntamente com a parte Sul do actual Zimbabué (Machonalândia), o actual Malawi faziam parte daquela faixa cor de rosa, situada entre Angola e Moçambique, que os portugueses dos meados do Séc- XIX achavam que era, e teria que ser, sua, de forma a formarem o seu segundo Brasil. A Alemanha, o Reino Unido, Cecil Rhodes (que era uma espécie de Elon Musk britânico) e o infame Rei Leopoldo dos belgas, trocaram-lhes a voltas. Primeiro começaram por dizer que não bastava os portugueses terem estado lá há 300 anos, ou dizerem que quem descobriu primeiro era dono. Tinham que ter as pessoas e os recursos. Tinha que haver ocupação.

Mas isso era impossível. Em 1890 devia haver menos que mil portugueses em Moçambique inteiro e quase todos estavam em Lourenço Marques, na Ilha de Moçambique e um punhado no Ibo. Neste sentido, o tão apregoado “colonialismo” centenário dos portugueses em África era – sempre foi – pura ficção científica.

A seguir, deram o golpe do baú. Rhodes formou uma empresa (a British South Africa) e reclamou para ele o território que consiste essencialmente no actual Zimbabué. Mais a Nordeste, uma sociedade missionária escocesa – que também tinha a sua empresa de fretes e afins (a African Lakes), abriu umas missões protestantes e uns serviços algures no que é hoje o Malawi. Coisa pouca, mas mais do que os portugueses tinham.

Perante a inconstância e a indefinição, os intrépidos portugas, que tinham andado em manobras com os franceses e os alemães, não estiveram com meias medidas e avançaram. Paiva de Andrade (há quem escreva Andrada) um belo dia marcha para território adentro, com uma pequena guarnição, bandeira da monarquia em riste. Não só foram todos presos e levados para o Cabo (a bandeira foi confiscada e posteriormente devolvida a um algo surpreso Marechal Carmona, então Presidente da República de Salazar, quando este visitou Moçambique e a União Sul-Africana em Agosto de 1939), como Cecil Rhodes aperta com o Foreign Office em Londres, que a 14 de Janeiro manda um telegrama para Lisboa a dizer que ou os portugueses paravam com aquilo ou havia guerra. Antes do final desse dia, os portugueses capitularam. No ano seguinte, apesar de muito ofendidos e cantando A Portuguesa em comícios patrióticos, andaram às voltas e em 1891 fixaram as fronteiras do que é, mais ou menos, Moçambique. A Rodésia do Sul ficou para Rhodes, e os padres da associação missionária escocesa ficaram com o Malawi, a que chamavam Niassalândia. formalmente um Protectorado britânico.

Mesmo com o que sobrou – Moçambique – os portugueses não tinham nem gente nem dinheiro para fazer nada. Espertos, alugaram quase metade da sua nova colónia…a ingleses, franceses, belgas e alemães via as Companhias do Niassa, da Zambézia e de Moçambique.

Nas décadas seguintes. portugueses e ingleses andaram ocupados a tentar fixar a fronteira entre Moçambique e a Niassalândia.

Mas uma alteração significativa ocorreu com o Acordo de 18 de Novembro de 1954 – que só seria fechado em 29 de Novembro de 1963, uns escassos seis meses antes da colónia ser entregue ao Dr. Hastings Banda, a 6 de Julho de 1964.

Essa alteração seria o ajuste da fronteira junto do Lago Niassa.

a fronteira entre Moçambique e o Malawi.

A fronteira entre o Malawi e Moçambique tem uma extensão de 1569 quilómetros e começa no ponto da
fronteira Moçambique-Malawi-Zâmbia, no Planalto de Angónia, (ponta de cima do lado esquerdo de Tete no mapa em cima) seguindo irregularmente para sul e sudeste, passando por Dedza e perto de Vila Nova da Fronteira, onde inflecte para norte, passando por Milange, junto dos Lagos Chilwa e Chinta, terminando na margem oriental do Lago Niassa.

O Lago Niassa possui uma área de cerca de 31 mil quilómetros quadrados. Nos termos do Acordo assinado em 18 de Novembro de 1954, entre Portugal, o Reino Unido e a então Federação das Rodésias e Niassalândia, 6.400 quilómetros quadrados passaram a fazer parte do território moçambicano,

Após o Acordo de 1954, a fronteira moçambicana no Lago Niassa passou a ser uma linha a meio da parte central do lago, adicionado 6.400 quilómetros de superfície ao território de Moçambique. Anteriormente, a fronteira situava-se na …margem do lago junto a Moçambique. Ou seja, se um moçambicano fosse tomar banho no lago a partir de território moçambicano, estaria a nadar em território do Malawi.
Nos termos do Acordo de 1954, as Ilhas de Likoma e Chizumulu, que “sempre” foram da Niassalândia, permaneceram parte do Malawi mas passaram a ficar bem dentro do território moçambicano e mais perto da costa moçambicana que da malawiana.

No cômputo final, o parecer da Câmara Corporativa portuguesa quanto ao Acordo foi o seguinte:

“Apreciado quanto a extensão dos territórios que, por seu efeito, mudam de soberania, o balanço do acordo é o seguinte: Portugal adquire uma área de 6400 km2 no lago Niassa, mais 60 km2 no lago Chiuta, mais 4,7 km2 na região de Mutarara. As permutas de terrenos na região da Angónia saldam-se por uma diferença de 20 km2 favor da Niassalândia.”

O Aviso, publicado no Diário do Governo de Portugal, 1955.

Uma nota final. Por uma variedade de passos mal dados e incapacidades ocorridas entre alemães e britânicos durante décadas seguidas, relativas às fronteiras da actual Tanzânia, que foi administrada por mandato pelo Reino Unido entre o final da Primeira Guerra Mundial e a sua independência sob o Dr. Julius Nyerere (que tinha, para variar, vários ódios de estimação pelo Dr. Banda), acontece que, chegadas as independências, a fronteira entre a Tanzânia e o Malawi era…..a margem do Lago Niassa.

Ou seja, ainda hoje, se um tanzaniano for nadar no Lago a partir do seu território, está a entrar no Malawi.

Enquanto se achava um grande líder africano e apoiava os movimentos independentistas, tornando Dar-es-Salaam num corredor de movimentos de libertação que incluíam a Frelimo, Nyerere literalmente fez o pino para tentar resolver esta questão com o Malawi, sem nunca o conseguir, o mesmo sucedendo com os seus sucessores. No seu texto, o Emílio Zeca lista aturadamente todo esse percurso.

Até hoje.

Do lado moçambicano, tudo resolvido. Quando se nada no Lago, ainda se está em Moçambique.

Fontes:

Elíseo Amine – Delimitation of the Mozambique Maritime Boundaries with Neighboring
States (Including the Extended Continental Shelf) and the Management of Ocean Issues.
United Nation Nippon Fellowship Programmed 2006-2007. Division for Ocean Affairs and
Law of the Sea. United Nations: New York, 2007.

Emílio Jovando Zeca – Limites e Fronteiras na África Austral: Moçambique e o processo de delimitação e Desafios da Reafirmação Fronteiríça na Região – Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, Dourados, v.6. n.12, jul./dez. – pp 231-232.

https://debates.parlamento.pt/catalogo/r2/acc/01/06/02/037/1955-02-26?sft=true#p371

https://dre.tretas.org/dre/2461212/aviso-de-21-de-novembro

3 comentários:

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  3. Diallo Antoine20/07/22, 10:40

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