De enigma preocupante à perplexidade do Governo sul-africano
O aparente silêncio do Governo de Filipe Nyusi em relação ao real e específico apoio externo que gostaria de receber, particularmente da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), para um efectivo e consequente combate ao terrorismo continua a criar alguma confusão e dúvidas sobre o que está efectivamente a acontecer em Cabo Delgado desde Outubro de 2017.
A África do Sul, a maior potência militar e económica do bloco regional do qual Moçambique faz parte, tem assumido protagonismo na “reclamação” sobre a postura de “fechamento” das autoridades moçambicanas, especificamente no que ao seguimento do assunto “apoio” bilateral ou multilateral (regional) diz respeito.
Nisto, mais uma vez, na sexta-feira, os sul-africanos voltaram a mostrar a sua estupefacção, com o porta-voz da ministra das Relações Internacionais a dizer que a dirigente daquele pelouro estava “perplexa” com o “silêncio” das autoridades de Maputo. “A ministra (das Relações Internacionais, Naledi Pandor) está perplexa. Não entende por que é Moçambique não especifica o tipo de assistência, se precisam de ajuda, mas pode ser que não precisem de ajuda directa da África do Sul ou algo assim, mas eu não posso falar por eles, seriam eles a explicar”, declarou à Lusa o porta-voz ministerial, Lunga Ngqengelele.
Esta não é a primeira vez que o Governo sul-africano vem declarar a sua incompreensão em torno do seguimento do assunto “terrorismo em Cabo Delgado”, pois, recorde- -se, em Janeiro deste ano, na voz da própria ministra das Relações Internacionais, ouviu-se a palavra “preocupante” para descrever o aparente silêncio sobre o que exactamente Maputo precisa garantir que um combate eficaz e coordenado contra o terrorismo.
“A situação em Moçambique e a nossa incapacidade como SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral] em acordar o tipo de apoio conjunto que poderemos providenciar, continua a ser um enigma muito preocupante para nós, o Governo sul-africano”, declarou nessa altura Naledi Pandor, numa videoconferência promovida pelo Instituto de Relações Internacionais do Reino Unido, a partir de Londres.
A nível da SADC, a única indicação precisa sobre a abordagem regional do terrorismo que fustiga Cabo Delgado tem a ver com o comunicado distribuído após a realização da Cimeira Extraordinária da Troika do Órgão mais a República de Moçambique, que teve lugar em Harare, no Zimbabwè, a 19 de Maio de 2020. A comunicação distribuída na altura dizia somente que a cimeira “comprometeu-se e instou os Estados-Membros da SADC a apoiar o Governo de Moçambique na luta contra os grupos terroristas e armados que actuam em alguns Distritos de Cabo Delgado”.
O pedido mais específico que publicamente se conhece sobre as necessidades de combate ao terrorismo em Cabo, tem a ver com a correspondência que foi enviada pela ministra dos Negócios Estrangeiros de Moçambique, Verónica Macamo, à União Europeia.
O pedido, se sabe, indica necessidades do ponto de vista de apoio logístico, formação militar especializada, assim como assistência médica. E a resposta ao pedido não demorou a aparecer, tendo em conta que dias depois o representante da União Europeia em Moçambique reuniu-se com Verónica Macamo para entregar a resposta positiva.
Entretanto, de lá para cá, pouco se sabe sobre os avanços que já tiveram lugar em relação ao pedido e resposta positiva, excluindo a recente visita do ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, que chefiou uma delegação que, em Maputo, vinha abordar o seguimento necessário ao assunto.
No fim, pouco ou quase nada transpirou em relação a questões práticas que já tinham avançadas, ou que seriam avançadas nos próximos tempos em relação ao assunto. Do ponto de vista de discurso público, “todo o mundo” já se predispôs a ajudar, incluindo visitas de altos dirigentes dos Estados Unidos e da Rússia a Maputo, com o assunto terrorismo no topo da agenda.
Numa situação em que “todos querem ajudar”, alguns especialistas têm estado a colocar a hipótese de ser aqui onde reside a grande dificuldade de Moçambique, conhecida a dissonância de interesses subjacentes por parte de quem quer ajudar.
Aliás, um pouco ligado a esta lógica, as autoridades de Maputo já disseram, publicamente, que apesar de Moçambique estar aberto a receber “qualquer tipo de apoio” não pode transformar este processo em dumba nengue onde todos entram para apoiar.
MEDIa FAX – 15.02.2021
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