O Intercept chegou a 2020 com o reconhecimento — e a responsa — de ser um veículo capaz de causar reviravoltas no cenário nacional. Tínhamos planos e uma falsa ideia de algum controle: no comecinho do ano já fazíamos reunião sobre a cobertura das eleições municipais, imaginando que aquele seria o assunto do ano. Só que não. Poucas semanas depois, 2020 se revelou um desafio muito maior, com a explosão de uma pandemia de proporções que o planeta não testemunhava havia um século.
Em meio ao choque causado pela nova realidade (nada normal) que se impôs, imediatamente toda a equipe passou a trabalhar de casa. A pandemia acabou se tornando a principal fonte das nossas pautas de impacto em 2020. Foi um ano pesado, instável, mas com alguns momentos que nos fizeram acreditar que todo o empenho valeu a pena. Por isso, quero dividir com você os trabalhos da equipe do TIB que tiveram impactos positivos e práticos no dia a dia dos brasileiros.
Em janeiro, uma investigação da repórter Nayara Felizardo revelou que os médicos do trabalho pagos pela Sama, empresa exploradora de amianto em Goiás, ajudaram a ocultar doenças causadas pelo material nos trabalhadores da empresa. Nayara acompanhou a trajetória de 13 ex-funcionários que, após contraírem asbestose, relataram a doença para a empresa e foram demitidos. Seis deles morreram devido às complicações da asbestose. Em outubro, a reportagem levou o prêmio Anamatra de Direitos Humanos na categoria mídia eletrônica.
No início de abril, denunciamos que a startup de reforço educacional Alicerce, que tem Luciano Huck, o eterno presidenciável, como sócio, dispensou dezenas de profissionais via WhatsApp (!), após o fechamento das escolas, devido à pandemia. A matéria gerou um bafafá imediato e forçou a Alicerce e Huck a se posicionar, voltar atrás e anunciar um plano de apoio aos funcionários.
Dias depois, registramos em vídeo o penoso dia a dia dos sepultadores do cemitério paulista de Vila Formosa, o maior do Brasil. O vídeo sensibilizou os restaurantes do coletivo Cozinha de Combate, que decidiram doar 60 quentinhas por dia para os sepultadores. Além disso, o projeto Por Nossa Conta passou a entregar 60 cestas básicas e outras 60 cestas de limpeza para os trabalhadores. Impacto concreto na vida de trabalhadores que enfrentaram a covid-19 na linha de frente. Orgulho máximo!
No fim do mesmo mês, um mega escândalo: revelamos a compra superfaturada de 200 respiradores-fantasma em Santa Catarina. Os aparelhos foram comprados por R$ 33 milhões de uma empresa carioca que nunca tinha fornecido o equipamento. A denúncia foi um pesadelo para o governo catarinense e levou a prisões, queda de secretários e uma CPI do caso. Essa foi uma das investigações mais relevantes da nossa história.
Escancaramos, numa matéria em junho, um esquema de espionagem massiva da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com dados de 76 milhões de pessoas (um terço do país). A agência pediu ao Serpro, estatal de processamento de dados, que extraísse dados detalhados de todos os motoristas do país. Depois da matéria, o governo revogou a autorização dada à Abin para usar os dados do Denatran.
Outro caso que mudou a vida de trabalhadores foi o da JBS. Em agosto, revelamos que os funcionários da gigante de alimentos foram orientados a guardar suas máscaras descartáveis e reutilizá-las – elas deveriam ir pro lixo, na verdade. Os funcionários da empresa faziam isso por cinco dias, aumentando muito o risco de contágio por coronavírus. Depois da publicação, o Tribunal Regional do Trabalho determinou que a empresa fornecesse máscaras para troca diária aos funcionários do frigorífico do município de Garibaldi (RS) — e que capacitasse as equipes em relação aos EPIs.
Mas talvez o principal papel do Intercept em 2020 tenha sido na denúncia de casos de abuso contra as mulheres. No fim de agosto, uma reportagem construída ao longo de meses, entrevistando mulheres de seis países, apurou denúncias de assédio e abuso sexual do produtor de cinema Gustavo Beck. Após a denúncia, o festival de Roterdã anunciou o afastamento de Beck e a abertura de uma investigação interna do caso. O produtor foi cortado também dos festivais Viennale e IndieLisboa. A matéria repercutiu em ao menos sete países, pelo menos 10 novas vítimas se posicionaram, e a campanha #MeToo Brasil ganhou as redes. Pouco depois, em novembro, o caso da promoter e influenciadora Mariana Ferrer chocou o Brasil. Desde 2019, a jovem denunciava publicamente ter sido estuprada pelo empresário André de Camargo Aranha em uma festa. Em setembro de 2020, André foi absolvido, revoltando quem acompanhava o caso. O Intercept teve acesso com exclusividade ao vídeo de uma das audiências e revelou para o país o teor misógino das falas do advogado de Aranha na sessão, que o ministro Gilmar Mendes chegou a definir como “tortura”. Em poucas horas, milhões de pessoas assistiram e compartilharam o vídeo. Órgãos como OAB e o CNJ pediram publicamente explicações e anunciaram investigações; veículos de todo o país repercutiram o caso; milhares foram às ruas no Brasil e no exterior em apoio a Mariana e, em dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera Lei de Abuso de Autoridade, tornando crime a “violência institucional”.
Este texto já está muito longo, então vou parar por aqui. Tem mais impacto, eu te garanto – nem mencionei o caso de Flávio Rachadinha, o afastamento de Deltan Dallagnol da Lava Jato ou como fizemos a Ambev mudar uma campanha publicitária. Esse foi um ano muito especial para o Intercept. Nunca recebemos tanto apoio, e nossa audiência nunca foi tão alta. Fizemos muito graças aos milhões que nos seguem, nos acompanham, compartilham nossas reportagens e nos sustentam. Obrigado a todos vocês.
Trabalhando sob um governo autoritário, sem plano de ação para a crise do século (como um leitor nosso comprovou), vivendo em recessão e com a maior taxa de desemprego desde 2012, nós não teríamos chegado até aqui se não fosse a força do movimento que ajudamos a criar. E esse é, certamente, o maior resultado do nosso trabalho. Hoje somos uma força irrefreável contra os desmandos de Bolsonaro, o poder do agronegócio, a corrupção no Judiciário, o avanço da extrema direita. Eles têm medo do Intercept. E não é de mim ou de algum jornalista. O que eles temem é a força das nossas denúncias, é a cobrança pública que vem com elas. Eles têm medo de vocês e da repercussão do nosso trabalho.
O ano de 2021 tem tudo para ser um “2020.2”, por isso não é hora de esmorecer. O que a gente quer é ver esse movimento ainda mais forte, com maior capacidade de pressionar por mudanças.
Os direitos humanos, o meio ambiente, a democracia, as populações vulneráveis e os trabalhadores precisam de um jornalismo realmente preocupado com eles — e esse é o jornalismo que fazemos no Intercept. Se você acredita que isso é transformador, aceite nosso pedido hoje: colabore com o que puder e da forma que puder com o TIB. A gente não tem medo de trabalho, de censura, nem de cara feia. Vem com a gente pra cima deles. FAÇA PARTE DO TIB →
Que 2021 seja um ano melhor!
Um abraço, |
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