Por crimes de "simulação" e "injúria contra autoridade pública"
Na sequência de um depósito de 50 meticais numa conta do Banco Comercial e de Investimento (BCI) supostamente pertencente a Direcção Nacional da Logística e Finanças do Ministério da Defesa Nacional, um acto patriótico caracterizado por elevados níveis de exercício de cidadania, o jornalista e activista dos direitos humanos e cidadania Armando Nenane acaba de ser alvo de uma denúncia na Procuradoria-Geral da República, onde é acusado pelo famigerado advogado dos esquadrões da morte Elísio de Sousa de haver cometido crimes de "simulação" e "injúria contra autoridade pública".
Na referida denúncia, que terá dado entrada na procuradoria nas primeiras horas da manhã de segunda-feira e tornada pública na tarde do mesmo dia nas redes sociais, o jornalista Armando Nenane, também director executivo da Associação Moçambicana de Jornalismo Judiciário (AMJJ), é tratado como "arguido" e não como "participado", não se percebendo muito bem se o mesmo já foi constituido em "arguido" pelo Ministério Público.
Trata-se de uma acção que está a gerar um ambiente de contestação geral em diversos sectores da sociedade, onde jornalistas, académicos, políticos, activistas, internautas e outros consideram a denúncia do advogado dos esquadrões da morte como sendo um claro sinal do ambiente de intolerância que se vive no país, caracterizado pela perseguição de inimigos jurados do poder político, através de ameaças e intimidações contra a liberdade de imprensa e de expressão, opositores e demais intelectuais com o pensamento crítico ao regime do dia.
Na sua conta do Facebook, o economista Carlos Nuno Castel-Branco descreveu que Moçambique deve ser o único país no mundo em que se pensa mover um processo crime contra um acto de cidadania de doar fundos às forças armadas para combaterem o terrorismo.
De acordo com Castel-Branco, das duas, uma: "ou os propagandistas do regime não querem reforçar as forças armadas e por isso consideram criminoso o acto de doação voluntária que o patriota Armando Nenane iniciou, ou o regime tem medo do que os talões de depósito revelam", referiu, numa clara alusão ao facto do talão de depósito de Nenane haver evidenciado o nome do antigo ministro da defesa nacional, Atanásio Salvador Mtumuke.
Para o economista, que também já foi acusado e julgado por crimes contra a segurança do Estado por causa de uma critica dura a governação de Armando Guebuza, os propagandistas do regime entraram em choque porque não conseguem conceber, muito menos perceber, o altruísmo patriota do Nenane, já que o patriotismo deles é ao contrário, é um patriotismo de levantamentos em vez de depósitos.
"Num outro país, o Nenane já seria nome de rua. No nosso, ainda só é nome de verbo (nenana-me aí uns 20 paus para eu ir exercer a minha cidadania, por favor)", rematou o académico, sempre irónico.
Depois de consultar as anotações de Maia Gonçalves que cita o Professor Manso Preto, o advogado Elvino Dias chegou a conclusão de que a simulação deve ser percebida a luz do Direito Civil. "Isto é, não há um conceito penal de simulação. Neste sentido, a simulação é acordo entre duas pessoas, com intuito de criar prejuízos (entenda-se, patrimoniais) ao Estado ou uma terceira pessoa".
Para Elvino Dias, a conduta do Nenane não resulta de qualquer acordo com o banco no intuito de causar prejuízos ao Estado. Por outro lado, no meio disso tudo, o "Estado" não saiu prejudicado porque beneficiou-se, sem esforço, de 20,00Mt decorrente do sacrifício do Armando Nenane.
Por isso, como conclui o advogado Elvino Dias, "depois de receber aquela palhaçada, acho que a PGR colocou no caixote de lixo".
Nenane ainda não foi notificado
O jornalista e activista Armando Nenane confirmou ao MOZ24H ter tido conhecimento da denúncia efectuada contra ele pelo advogado Elisio de Sousa através das redes sociais, mas disse que ainda não foi notificado pela Procuradoria-Geral da República.
Nenane acha estranho o facto de estar a ser tratado como "arguido" numa simples denúncia, pelo que considera que enquanto não haver sido formalmente constituido como arguido de qualquer que seja o processo judicial contra a sua pessoa, irá accionar os mecanismos legais necessários contra quem atentou contra o seu bom nome, honra, reputação e entegridade moral tratando-lhe como "arguido" sem nunca ter sido tal coisa.
Com efeito, o jornalista e activista garante que a atitude de Elisio de Sousa não é isolada, faz parte de uma grande máquina da escola do infame G40 criada para oprimir a liberdade de imprensa e de expressão. "Não é a mim que essa denúncia deveria assustar. Essa denúncia deve assustar toda a classe jornalística moçambicana, mas também aos académicos, activistas, políticos e ao povo em geral", disse.
Nenane acrescentou que se tiver que ir ao tribunal, será para explicar como um antigo ministro da defesa nacional controla uma conta bancária supostamente pertencente a Direcção Nacional da Logística e Finanças do Ministério da Defesa Nacional. "Isto sim é que é assunto que deveria interessar a procuradoria", referiu.
Lembrar que os jornalistas Fernando Veloso e Matias Guente foram constituídos arguidos pelo Ministério Público, num processo onde vem sendo acusados de crime de violação de segredo de Estado alegadamente por haverem divulgado um contrato supostamente classificado confidencial entre o Ministério da Defesa Nacional e o Ministério do Interior com a antiga Anadarko e antiga ENI com vista ao fornecimento de serviços de segurança àquelas companhias multinacionais em troca de compensações. Segundo o Canal de Moçambique, o dinheiro das competências não chega às mãos dos destinatários, nomeadamente militares das Forças Armadas de Defesa de Moçambique e polícias da Unidade de Intervenção Rápida, estando a ser supostamente comido pelos chefes.
Nenane descobriu através de um depósito de 50 meticais na conta onde supostamente se depositam os dinheiros das empresas multinacionais para os militares e policias em Cabo Delgado que a mesma está associada ao antigo ministro da defesa nacional, Atanásio Mtumuke, cujo nome terá sido removido da conta depois da publicação do referido talão de depósito com o seu nome pelo MOZ24H.
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