Com quem vai dar certo?
Há um déjà vu aqui para quem é da minha geração. Durante anos a fio a Frelimo gloriosa escondeu-se por detrás de rótulos como “bandidos armados” e da externalização de responsabilidade, “Apartheid”, etc. para evitar confrontar de cabeça fria as fragilidades que o terrorismo da Renamo estava a revelar não só no sistema político como também na sua forma de lidar com desafios. Num derradeiro acto desesperado que revelou muito do que estava errado com o sistema, a Frelimo sucumbiu à sua própria ilusão de invencibilidade e superioridade moral. Apostou forte, com ajuda de britânicos, zimbabweanos e tanzanianos, numa solução militar final liderada por um Marechal que não era. Tomou-se a Casa Banana, descobriu-se a perfídia dos sul africanos e, logo a seguir, perdeu-se o que se tinha ganho e a guerra continuou para um empate que deu à Renamo tempo de, retroactivamente, justificar o seu terrorismo e, pior ainda, conferir o estatuto de grandes estrategas militares a outras pessoas sem noção para a nossa infelicidade hoje. O resto é história, incluindo a paz definitiva provisória, a mais recente manifestação das dificuldades que a Frelimo tem de lidar com desafios políticos.
Esta dificuldade tem método. Esse método consiste, por um lado, na incapacidade de usar interpelações críticas para melhorar o olhar sobre um problema. O hábito é de se distrair do essencial e mandar vir com quem critica. Se alguém diz que você tem um problema sério em algum lugar, a melhor resposta que você pode dar é certificar-se que não tem nenhum problema (e deixar quem o interpela em paz) ou, se tiver, preocupar-se em concertar o problema. Deixar que pessoas com excesso de zelo andem aí a partir as pernas das pessoas para mostrar que você tem razão é imbecil e uma perda de tempo. Por outro lado, o método consiste em correr logo para soluções mágicas. Nesta questão de Cabo Delgado, por exemplo, já tentaram, pelo que tudo indica, a solução de mercenários. Não me surpreenderia se viessem agora com uma grande ofensiva militar, de preferência com exércitos amigos como o “Marechal” fez sem resultado palpável.
Pelo que vejo, a guerra de Cabo Delgado não vai ser ganha em meses. É uma guerra de muitos anos, possivelmente para além do mandato do actual Presidente. Vai exigir paciência, isto é a paciência de concentrar todos os esforços na garantia duma certa segurança, de rever as estruturas políticas, os mecanismos de inclusão nos processos decisórios, de garantir a liberdade que as comunidades têm de decidir coisas que dizem respeito às suas vidas, mas acima de tudo, a paciência de introduzir uma nova cultura de disciplina e respeito pelo povo às Forças de Defesa e Segurança, cultura essa que começa do topo com a garantia de condições mínimas para que elas façam o seu trabalho. Por exemplo, era tão bom se a instalação duma agência de desenvolvimento do norte fizesse parte dum pacote político, económico, social e militar de abordagem da situação. Só que duvido que faça.
O principal inimigo em Cabo Delgado não é nem o integrismo islâmico, nem a exclusão social, ainda que possam ser factores importantes. O principal inimigo é a nossa condição de País em desenvolvimento. Cabo Delgado é um teste à nossa capacidade de controlar o nosso próprio crescimento como País. Isso não se faz num dia, nem sem revezes. O desafio é apostar sempre na criação de condições para que crises nos reforcem e não nos enfraqueçam. Para isso é preciso liderança no sentido lacto do termo. Não precisamos duma mão forte para nos mostrar o caminho, mas sim duma concepção de governação que reconhece a falibilidade de cada um de nós e, por isso, aposta na comunicação e deliberação social. Liderança é isso. É uma cultura política que protege quem dirige da sua própria imperfeição ao mesmo tempo que inocula o corpo social dos efeitos nefastos de más decisões que são sempre possíveis.
Há sensivelmente dois anos o Presidente concedeu uma entrevista à RTP África. Talvez porque a entrevista começou mal e apanhou o Presidente em contrapé, quando chegou a pergunta sobre Cabo Delgado ele já não parecia ter foco suficiente para responder. Mas nas entrelinhas do que ele diz, e que eu reproduzo aqui, dá para entender que há dois anos o nosso governo não fazia ideia do que estava a acontecer. O silêncio agora parece dizer que essa perplexidade persiste.
“RTP: Em junho, 43 pessoas em Cabo Delgado morreram devido aos ataques que ocorrem há mais de dois anos, que alastraram a vários distritos e já fizeram 30 mil deslocados. Como é que explica que o seu governo esteja permanentemente a anunciar que a situação está controlada?
PN: Mas estar controlada, as coisas funcionam! Funcionam. A vida normal política funciona, a vida social funciona, a legislação, etc. Também gostaria que fizesse a segunda pergunta, a terceira ou quarta de coisas boas de Moçambique. Não enferne (sic) o País para tornar o país instável! Esses que estão a actuar lá, não é o nosso desejo, nem é desejo dos moçambicanos morrerem! Da maneira como está a colocar parece que há uma força que não está interessada que os moçambicanos vivam. Se puder vir nos ajudar para não morrerem pessoas com a sua televisão, venha! [Senhor Presidente] Está a ficar sentimental, acha que algum governo qualquer gostaria que um cidadão estivesse a morrer? Depois ao ser atacado, se calhar nem sei quem que mandou. Qualquer dia vamos saber donde vem, qual é o interesse que têm essas pessoas, se calhar procuram uma forma, nem conseguem resolver os problemas de Moçambique e arranjam outras formas para poderem (pouco claro)...
RTP: O Senhor tem dito muitas vezes isso, que é difícil encontrar a motivação desses ataques e continua a chamar as pessoas que o fazem, que cometem insurgentes, malfeitores, agressores... quando é que começa a dizer que é terrorista?
PN: Bom, não sei, é a proposta que está a fazer, vamos ver, depois vamos pegar definir o que é terrorista, o que é malfeitor, o que é insurgente, depois vamos avaliar e chegamos ao nome real. Para os moçambicanos o que está em causa não é o nome! É quem está a matar pessoas, isso é que nos preocupa! Está a matar pessoas, está a queimar casas, é o nome [Senhor Presidente] que se chame qualquer nome, nós não queremos morrer”.
PN: Mas estar controlada, as coisas funcionam! Funcionam. A vida normal política funciona, a vida social funciona, a legislação, etc. Também gostaria que fizesse a segunda pergunta, a terceira ou quarta de coisas boas de Moçambique. Não enferne (sic) o País para tornar o país instável! Esses que estão a actuar lá, não é o nosso desejo, nem é desejo dos moçambicanos morrerem! Da maneira como está a colocar parece que há uma força que não está interessada que os moçambicanos vivam. Se puder vir nos ajudar para não morrerem pessoas com a sua televisão, venha! [Senhor Presidente] Está a ficar sentimental, acha que algum governo qualquer gostaria que um cidadão estivesse a morrer? Depois ao ser atacado, se calhar nem sei quem que mandou. Qualquer dia vamos saber donde vem, qual é o interesse que têm essas pessoas, se calhar procuram uma forma, nem conseguem resolver os problemas de Moçambique e arranjam outras formas para poderem (pouco claro)...
RTP: O Senhor tem dito muitas vezes isso, que é difícil encontrar a motivação desses ataques e continua a chamar as pessoas que o fazem, que cometem insurgentes, malfeitores, agressores... quando é que começa a dizer que é terrorista?
PN: Bom, não sei, é a proposta que está a fazer, vamos ver, depois vamos pegar definir o que é terrorista, o que é malfeitor, o que é insurgente, depois vamos avaliar e chegamos ao nome real. Para os moçambicanos o que está em causa não é o nome! É quem está a matar pessoas, isso é que nos preocupa! Está a matar pessoas, está a queimar casas, é o nome [Senhor Presidente] que se chame qualquer nome, nós não queremos morrer”.
Sim, ninguém quer morrer. Isso é o que a população de Cabo Delgado diz. O que diz o seu líder? O que pensa ele fazer para que ela não morra? Que mais precisa de acontecer para o líder quebrar o silêncio e oferecer uma palavra de carinho ao povo que o elegeu? Moçambique tem tudo para dar certo, mas com quem?
Apenas o presidente deseja cumprir o segundo mandato simplesmente
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