sexta-feira, 27 de março de 2020

Com quem vai dar certo?

Com quem vai dar certo?
Há um déjà vu aqui para quem é da minha geração. Durante anos a fio a Frelimo gloriosa escondeu-se por detrás de rótulos como “bandidos armados” e da externalização de responsabilidade, “Apartheid”, etc. para evitar confrontar de cabeça fria as fragilidades que o terrorismo da Renamo estava a revelar não só no sistema político como também na sua forma de lidar com desafios. Num derradeiro acto desesperado que revelou muito do que estava errado com o sistema, a Frelimo sucumbiu à sua própria ilusão de invencibilidade e superioridade moral. Apostou forte, com ajuda de britânicos, zimbabweanos e tanzanianos, numa solução militar final liderada por um Marechal que não era. Tomou-se a Casa Banana, descobriu-se a perfídia dos sul africanos e, logo a seguir, perdeu-se o que se tinha ganho e a guerra continuou para um empate que deu à Renamo tempo de, retroactivamente, justificar o seu terrorismo e, pior ainda, conferir o estatuto de grandes estrategas militares a outras pessoas sem noção para a nossa infelicidade hoje. O resto é história, incluindo a paz definitiva provisória, a mais recente manifestação das dificuldades que a Frelimo tem de lidar com desafios políticos.
Esta dificuldade tem método. Esse método consiste, por um lado, na incapacidade de usar interpelações críticas para melhorar o olhar sobre um problema. O hábito é de se distrair do essencial e mandar vir com quem critica. Se alguém diz que você tem um problema sério em algum lugar, a melhor resposta que você pode dar é certificar-se que não tem nenhum problema (e deixar quem o interpela em paz) ou, se tiver, preocupar-se em concertar o problema. Deixar que pessoas com excesso de zelo andem aí a partir as pernas das pessoas para mostrar que você tem razão é imbecil e uma perda de tempo. Por outro lado, o método consiste em correr logo para soluções mágicas. Nesta questão de Cabo Delgado, por exemplo, já tentaram, pelo que tudo indica, a solução de mercenários. Não me surpreenderia se viessem agora com uma grande ofensiva militar, de preferência com exércitos amigos como o “Marechal” fez sem resultado palpável.
Pelo que vejo, a guerra de Cabo Delgado não vai ser ganha em meses. É uma guerra de muitos anos, possivelmente para além do mandato do actual Presidente. Vai exigir paciência, isto é a paciência de concentrar todos os esforços na garantia duma certa segurança, de rever as estruturas políticas, os mecanismos de inclusão nos processos decisórios, de garantir a liberdade que as comunidades têm de decidir coisas que dizem respeito às suas vidas, mas acima de tudo, a paciência de introduzir uma nova cultura de disciplina e respeito pelo povo às Forças de Defesa e Segurança, cultura essa que começa do topo com a garantia de condições mínimas para que elas façam o seu trabalho. Por exemplo, era tão bom se a instalação duma agência de desenvolvimento do norte fizesse parte dum pacote político, económico, social e militar de abordagem da situação. Só que duvido que faça.
O principal inimigo em Cabo Delgado não é nem o integrismo islâmico, nem a exclusão social, ainda que possam ser factores importantes. O principal inimigo é a nossa condição de País em desenvolvimento. Cabo Delgado é um teste à nossa capacidade de controlar o nosso próprio crescimento como País. Isso não se faz num dia, nem sem revezes. O desafio é apostar sempre na criação de condições para que crises nos reforcem e não nos enfraqueçam. Para isso é preciso liderança no sentido lacto do termo. Não precisamos duma mão forte para nos mostrar o caminho, mas sim duma concepção de governação que reconhece a falibilidade de cada um de nós e, por isso, aposta na comunicação e deliberação social. Liderança é isso. É uma cultura política que protege quem dirige da sua própria imperfeição ao mesmo tempo que inocula o corpo social dos efeitos nefastos de más decisões que são sempre possíveis.
Há sensivelmente dois anos o Presidente concedeu uma entrevista à RTP África. Talvez porque a entrevista começou mal e apanhou o Presidente em contrapé, quando chegou a pergunta sobre Cabo Delgado ele já não parecia ter foco suficiente para responder. Mas nas entrelinhas do que ele diz, e que eu reproduzo aqui, dá para entender que há dois anos o nosso governo não fazia ideia do que estava a acontecer. O silêncio agora parece dizer que essa perplexidade persiste.
“RTP: Em junho, 43 pessoas em Cabo Delgado morreram devido aos ataques que ocorrem há mais de dois anos, que alastraram a vários distritos e já fizeram 30 mil deslocados. Como é que explica que o seu governo esteja permanentemente a anunciar que a situação está controlada?
PN: Mas estar controlada, as coisas funcionam! Funcionam. A vida normal política funciona, a vida social funciona, a legislação, etc. Também gostaria que fizesse a segunda pergunta, a terceira ou quarta de coisas boas de Moçambique. Não enferne (sic) o País para tornar o país instável! Esses que estão a actuar lá, não é o nosso desejo, nem é desejo dos moçambicanos morrerem! Da maneira como está a colocar parece que há uma força que não está interessada que os moçambicanos vivam. Se puder vir nos ajudar para não morrerem pessoas com a sua televisão, venha! [Senhor Presidente] Está a ficar sentimental, acha que algum governo qualquer gostaria que um cidadão estivesse a morrer? Depois ao ser atacado, se calhar nem sei quem que mandou. Qualquer dia vamos saber donde vem, qual é o interesse que têm essas pessoas, se calhar procuram uma forma, nem conseguem resolver os problemas de Moçambique e arranjam outras formas para poderem (pouco claro)...
RTP: O Senhor tem dito muitas vezes isso, que é difícil encontrar a motivação desses ataques e continua a chamar as pessoas que o fazem, que cometem insurgentes, malfeitores, agressores... quando é que começa a dizer que é terrorista?
PN: Bom, não sei, é a proposta que está a fazer, vamos ver, depois vamos pegar definir o que é terrorista, o que é malfeitor, o que é insurgente, depois vamos avaliar e chegamos ao nome real. Para os moçambicanos o que está em causa não é o nome! É quem está a matar pessoas, isso é que nos preocupa! Está a matar pessoas, está a queimar casas, é o nome [Senhor Presidente] que se chame qualquer nome, nós não queremos morrer”.
Sim, ninguém quer morrer. Isso é o que a população de Cabo Delgado diz. O que diz o seu líder? O que pensa ele fazer para que ela não morra? Que mais precisa de acontecer para o líder quebrar o silêncio e oferecer uma palavra de carinho ao povo que o elegeu? Moçambique tem tudo para dar certo, mas com quem?
-2:02
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  • Narcisio Macamo Com a Frelimo e Presidente Filipe jacinto👏
  • Selemangy Massamby Muito triste
  • Simão Nhambi Caro Prof. Elisio Macamo ando muito ocupado para comentar mas hoje pelo o que está acontecer não irei deixar de o faze-lo. Para além do silêncio e défice de liderança que precise, temos os órgãos de comunicação social que não tem os ataques em Cabo Delgado como notícia. Existe sim tendência de ocultar e corremos como nação para resolver crises. Somos bons para resolver assuntos a curto prazo mas não temos um plano de gestão a longo prazo.
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    • Elisio Macamo Simão Nhambi, o que mais me ocupa nos noticiários é a forma distante como se fala. é como se não se tratasse de nós. isso é triste.
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    • Luis Nhachote A minha opinião pode ser suspeita por ser actor (jornalista com interesse editorial sobre a guerra em curso. Nos últimos meses do ano passado e até Janeiro andei pela província. Falei com muitas pessoas que estão espantadas com o silêncio que tem sido Daha Fazlasını Gör
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    • Dercio Nicolau Orgãos de comunicacão social que não tem Cabo Delgado como noticia...não é ali que Amade acabou detido!!??
    • Luis Nhachote Dercio Nicolau foi sim. Mas creio o cerne é a forma distante de uma maioria da comunicação trata do assunto. As vezes nos outros somos avisados por colegas de outros países sobre o que está a acontecer no nosso 😭
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    • Sancho Alfredo Em primeiro lugar saudar o ilustre professor Elisio Macamo, e agradecer pelo post.
      Ilustre professor e os demais internautas, a questão de CD é um interno e bem elaborado. Primeira questão não é a liderança mas sim a organização de uma força militar, 
      com a descoberta dos recursos em CD, o nosso governo não traçou no projecto de desenvolvimento do país a organização das FDS, o projecto visava apenas em instalar as suas instituições e fortalecer a sua cooperação.
      Não se reparou a situação de outros países que tem recursos como Moçambique, que também são vítimas de terrorismo, ninguém teve essa visão, seria necessário formar as nossas para se adequar às novas guerras, e capacitar com meios modernos e tecnológicos para responderem a actual situação.
      O incentivo deve ser maior, a agenda do orçamento devia priorizar a questão das FDS, não só o SISE e CASA MILITAR como tem acontecido, mas sim a tropa de combate, equipar também com meios aéreos. O presidente ainda vai à tempo de organizar o país.
      Os insurgentes ainda não tem projecto, e não sabem porque fazem os ataques.
      Ainda vamos à tempo de nos organizarmos e eliminar o conflito...
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  • Gervasioa Absolone Chambo Algo não está a funcionar no actual governo. A governação não está saudável tal que, quando as coisas aquecem, as máscaras caem. Dói-me sempre que me informa sobre o caso de Cabo Delgado.
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  • Ched Cumbe O nosso présidente ném consegue responder as questões com firmesa prefere atacar as jornalistas qui situaçäo tao triste
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  • Alcídes André de Amaral "QUALQUER DIA vamos saber donde vem, qual é o interesse que têm essas pessoas, se calhar procuram uma forma, nem conseguem resolver os problemas de Moçambique e arranjam outras formas para poderem (pouco claro)"... QUALQUER DIA!
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  • Benedito Mamidji Uma declaração de sua Excelência é pedir demais. O que ele disse nesta desastrosa entrevista é tudo o que ele tem para nos dar, incluindo a forma como o diz. O seu post aponta para uma coisa muito importante e com a qual eu concordo em pleno. A situação de Cabo Delgado não é uma questão militar, nem de exclusão social ou da maldição de recursos naturais como se diz por aí. É um problema de desenvolvimento. E requer soft power, inteligência, não musculatura. Acabo de escutar o vídeo que os tais jihadistas publicaram depois de ocupar Quissanga. O seu discurso é tão perplexo e incoerente quanto o de Sua Excelência o Senhor Presidente. Não é apenas os nossos dirigentes que não sabem o que esta gente quer. Eles mesmos não têm noção do que querem e porque fazem a guerra. O assunto é muito mais delicado do que a princípio parecia. Uma coisa é lutar com um inimigo invisível e desconhecido (o que já não é o caso, pois eles já mostraram a cara). A outra é lutar com quem nem sequer sabe porque luta. Isso requer astúcia e uma melhor coordenação de esforços. Nenhuma operação militar por si só vai debalar esta gente. O nosso país é enorme e muito dele puro mato. É um paraíso para a guerrilla. Não tenho e nunca tive nenhuma ilusão quanto à Sua Excelência o Senhor Presidente. Este cargo está muito aquém das suas capacidades. Mas como bem diz, a responsabilidade maior cai sobre quem o colocou lá e o mantém.
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    • Elisio Macamo Benedito Mamidji, sim, soft power. isso. a responsabilidade é mais vasta ainda. há quem não o colocou lá, mas está sempre pronto a defender, adular ou simplesmente ficar calado. esses também têm responsabilidade.
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    • Ivo Neto Costa Prof nao acho q a competencia d Presidente esteja em causa, acho q uma teia d interesses , com forte enraizamento partido q condiciona as suas acoes. Por outro lado, estamos numa fase d transicao geracional com todas as consequencias. O Presidente herdou um dossier complexo das dividas ocultas , dificilmo d gerir , nao so com os parceiros d cooperacao, mas o avolumar da carestia d vida e dificuldades por escassez d recursos. Ha Professor uma serie d circunstancias q condicionam as suas actividades
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    • Elisio Macamo Ivo Neto Costa, claro que há. eu não estou a dizer que ele tem que resolver os problemas. estou a dizer que ele tem que mostrar que tem de ideia de como vai resolver.
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    • Benedito Mamidji Ivo Neto Costa competência é também saber escolher por quem se rodear e a quem ouvir. Nisso o PR não se tem said nada bem e o preço que estamos a pagar é bem alto.
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  • Anna Maria Gentili Tristezza
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  • Elisio Miambo Esta é daquelas situações em que o apelo pela contribuição de todos (como população) não é de todo eficaz. Apoiar? Em quê? A quem? Para fazer o quê? A delicadeza deste problema, senão consequência dele, exige de quem dirige uma acção inteligente e, sobretudo, perspicaz. É culpado por não estar em altura? Não! Mas o é de não auscultar e traçar um plano concreto de acção com entidades/especialistas em áreas que são abrangidas pelo que se vive naquele ponto do país. Parece-me que o país tem entidades destas tanto interna assim como externamente, o Professor Elísio Elisio Macamo é um deles.
    Obrigado, professor, pela reflexão: é na cavalgada dos outros que vemos o rumo certo a seguir.
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    • Elisio Macamo Elisio Miambo, dentro do país há muita gente com conhecimento e experiência. nem é preciso fazer dessas pessoas assessoras oficiais. é só prestar atenção ao que dizem e resistir à tentação de se defender.
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    • Elisio Miambo Professor, esse problema "de se defender, lançar farpas" está enraizado. Agora sinto a "dor" com que Mia Couto escreveu "os falsaportes". Cito: "a manifestação deste tipo de fantasmas impedirá qualquer veleidade crítica em Moçambique (...) em vez de um passaporte, teremos de novo um falsaporte."
      Este é o maior entrave do progresso...
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  • Jaime Luis Jemuce Ha muita poeira, mas muita poeira mesmo...
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  • Luis Nhachote Eu só vim dar um boa noite ao Elisio Macamo. E dizer também que ".. Vamos aguardar com serenidade '". Até o fénix renascer das cinzas...
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  • Eliha Bukeni Quando o Conselho Ministros anunciou a criacao da Agencia do Desenvolvimento Integrado do Norte tambem me passou pela cabeca que envetualmente estaria a iniciar uma nova abordagem sobre os problemas de norte. Entretanto, quando vi no hoje no jornal noticias a imagem da posse do Director da Agencia, o antigo combatente General reserva e Embaixador Armando Panguene, mais velho que o proprio PM, fiquei bastante desiludido. Trata-se de mais uma acomodacao. Aquela agencia precisa de jovens competentes para dar gas e para viverem la no norte. Pelos vistos, vai se repetir o que acontece com a Agencia de recuperacao pos-idai, onde o Director vive aqui em Maputo, mas objecto de gestao esta no centro/norte!
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  • Helder Chilengue Professor Elísio, sinceramente, não consigo compreender o porquê de se gerir a situação desta maneira. Se eu estive na linha da frente, teria muito deficuldades em me sentir moralizado. O Presidente não fala. Quando fala, demonstra deficuldade de compreensão da situação real. Especulando, diria que talvez não assessorado devidamente. Se o é, então não dá a mínima para no que se diz. Estou a tentar obter desculpas para entender o Presidente.
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  • Helder Chilengue Não me parece que o Presidente esteja a abordar o assunto de forma profunda. Tem para ele a convicção de que o povo deve ser poupado, não devemos ter a informação da gravidade dos assuntos. Uma condescendência completamente desnecessária.
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1 comentário:

  1. Apenas o presidente deseja cumprir o segundo mandato simplesmente

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