Elisio Macamo
2 saat ·
Provar o próprio remédio
Tenho estado a ler muito sobre epidemias, sobretudo sobre a cólera. É um tema fascinante. É interessante redescobrir, nas discussões que acompanharam essas epidemias, os mesmos discursos que se repetem hoje em relação ao Covid-19 sobre os pecados do capitalismo, sobre como o mundo vai ser diferente depois disso, etc. Interessou-me, em particular, a história dum alemão, Max von Pettenkofer, um dos maiores percursores da saúde pública. Foi o primeiro ocupante da cátedra de higiene em Munique e ainda hoje existe lá um instituto de saúde pública com o seu nome.
É, na verdade, uma figura trágica. Cometeu provavelmente um dos maiores erros científicos, mas no seu equívoco contribuiu bastante para a melhoria da saúde pública. Ele rejeitou a tese de Robert Koch, o grande bacteriologista alemão, segundo a qual a cólera seria causada por germes. Insistiu na tese do miasma, portanto, na ideia de que maus ares é que seriam responsáveis pela cólera. Não é que ele discordasse completamente da teoria dos germes. Ele defendia apenas que só os germes em si não eram suficientes para explicar a infecção. O que acontecia, segundo ele, é que esses germes precisavam de detritos com os quais se misturavam no solo para emitir gases que depois infectavam as pessoas. Por isso, o mais importante era criar condições de salubridade para que o lixo não fecundasse os germes.
Foi essa ideia que deu o pontapé de saída para a saúde pública. A tese estava equivocada, mas os seus efeitos foram salutares. Tão convencido estava ele desta tese que até se prontificou a demonstrá-la bebendo um copo cheio de germes da cólera que Robert Koch lhe enviou. Ele disse que estava disposto a morrer pela ciência. Daí o título da reflexão: provar o próprio remédio. Ele não morreu de cólera, mas contraiu uma forma suave. Os relatos históricos são pouco claros. Uns dizem que Koch, por saber que aquilo seria mortífero, enviou culturas menos fortes. Outros dizem que ajudantes de von Pettenkoffer diluíram o conteúdo. Outros ainda dizem que o transporte de Berlim para Munique durante o mês frio de fevereiro teria também contribuído para suavizar o conteúdo. A verdade é que von Pettenkoffer nunca mais recuperou dessa derrota e acabou até se suicidando. Pela ciência.
Ocorreu-me contar esta história por causa do momento que o País atravessa. A ameaça do Covid-19 é real e merece toda a atenção que está a receber do governo. Pessoalmente, considero que há muitos problemas estratégicos nessa atenção, mas, prontos, é o nosso governo e, infelizmente, já me habituei a não esperar muito dele, sobretudo deste governo. A declaração do estado de emergência feita pelo Presidente da República é bem sintomática disso. Nota-se, e espero estar equivocado, grande despreparo a começar pela aparente falta de respeito em relação aos procedimentos democráticos que exigem a ratificação dessa decisão pelo parlamento. Você não faz fanfarra e “declara” o estado de emergência antes dessa ratificação, por mais formal que ela seja. Você anuncia que vai pedir isso e que depois vai anunciar.
A questão não é apenas pedântica. Num País bem governado, o parlamento seria o lugar onde se discutiriam os pormenores desse estado de emergência. Lá o governo havia de beneficiar da assessoria que vem da interpelação crítica que os partidos de oposição (e deputados patrióticos do partido no governo) iriam fazer. Mas em Moz é tudo diferente. O Presidente vai ao parlamento pedir um cheque em branco para lutar contra um inimigo formidável. Não sei, sinceramente, se é apenas má assessoria. Mas a julgar pelo seu silêncio cada vez mais escandaloso e vergonhoso em relação a Cabo Delgado, fico mais convencido ainda de que é também uma questão de falta de respeito pelas pessoas que o colocaram no poder.
Há aqui uma perversão da lógica de provar o próprio remédio. Max von Pettenkofer fê-lo pela ciência. Em Moz o governo quer provar a todo o custo que têm razão aqueles que duvidam da sua competência. E os seus porta-vozes inoficiais, cujas reacções agressivas eu já previa enquanto criticava o curso errático do nosso governo, não querem deixar os seus créditos em mãos alheias. Ainda ontem escrevia eu que uma das características da Nova Frelimo consiste em perder tempo atacando quem critica ao invés de se concentrar no essencial. Tufa, já sou objecto de análises juridico-psicanalíticas apostadas em mostrar que uma pessoa que vive fora do País não entende o seu país natal. Tudo isto dito por pessoas que escrevem numa língua europeia utilizando vocabulário técnico produzido por uma ciência levada a África e utilizando artefactos tecnológicos estrangeiros.
Aposto que se um dia Bill Gates disser que Nyusi não está à altura do cargo que ocupa vão deixar de usar computadores porque foram feitos por pessoas que não vivem em Moçambique e, por isso, não podem servir lá. Eu, apesar de tudo, e por ser simpatizante da Frelimo, continuo a acreditar em Nyusi. Só espero que um dia ele se mostre merecedor disso afastando-se dessas pessoas que só atrapalham.
O País agradeceria.
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Antonio Gundana Jr. Foquei-me na parte final do texto. Não havia como resistir. Realmente, a situação está cada vez mais delicada. Assessoria virtual por assessores inoficiais inoperacionais!
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Constantino Reis 👏👏👏vamos fazer mais Como então...." in linguagem dos brothers Mangolê?"
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· 59d
Djoko Chemane Eu não vi nenhum conteúdo na análise jurídico psico-analítico. Não sei porque tem havido muita tendência a aversão pelo discurso de qualidade neste país. Atacar uma opinião bem fundamentada com um papelucho daqueles é confrangedor...
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· 20d
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