O Presidente Nyusi precisa da nossa ajuda
Chegou à minha caixa de correio um documento com o nome “Plano de acções de impacto dos primeiros 100 dias de governação” que aparentemente foi aprovado pelo Conselho de Ministros. Tenho algumas dificuldades em acreditar que este documento tenha mesmo sido discutido e aprovado pelo governo. Para além de questões de forma (má formatação do documento, erros de pontuação, acentuação e gramaticais assim como anglicismos que revelam a presença do jargão da indústria do desenvolvimento), na substância o documento não está à altura do que pretende ser. Espero que se trate dum documento falso, pois o contrário seria extremamente preocupante.
A ideia do plano é de identificar acções a serem empreendidas durante os primeiros 100 dias do novo mandato em resposta ao que as populações supostamente pediram ao candidato durante as eleições, mas também como parte do processo de implementação do plano de governação. A ideia dos primeiros “100 dias” faz sentido como truque eleitoralista, mas quando a mesma pessoa se faz re-eleger e depois anuncia algo assim, das duas uma: ou ele tem a sensação de que não fez tudo o que se tinha proposto fazer no mandato anterior ou, o que seria pior, está perplexo em relação aos desafios que enfrenta. O documento abre com uma frase escrita num português que não faz justiça aos grandes avanços que foram feitos na educação nacional apesar de todos os constrangimentos. Diz o seguinte: “A escolha da vontade popular a 15 de Outubro de 2019, culminou com a reeleição do Presidente Filipe Jacinto Nyusi para o seu segundo mandato de governação do País, 2020-2024”. Isto é, os eleitores reconduziram o Presidente para um novo mandato. Não é novidade, a não ser que daí se extraiam implicações políticas de peso em relação ao novo mandato.
O plano identifica quatro áreas de intervenção que se traduzem na identificação de 62 acções prioritárias. Trata-se das seguintes áreas: “i) Consolidação do Diálogo Político e Unidade Nacional; ii) Provisão de Serviços Sociais Básicos; iii) Promoção do Emprego e Melhoria da Produtividade; e iv) Criação de Infra-estruturas de Suporte ao Desenvolvimento”. O plano não discute a importância destas áreas para a ideia que o governo tem do País e dos desafios que ele enfrenta assim como o pensamento que norteou a sua identificação (suponho que isso tenha sido feito no Conselho de Ministros), nem dá nenhuma indicação sobre o que o cumprimento das metas vai significar para a implementação do programa do governo. Trata-se, assim vistas de longe, de áreas que podiam ter sido outras, pouco importa. O essencial é que permitem ao governo fazer coisas supostamente concretas, mas que efectivamente transformam o governo num concorrente da iniciativa local, individual e empresarial. O governo está “busy” a construir um edifício na expectativa de que o resultado corresponda ao projecto de obra que ninguém se preocupou em fazer.
Esta é, na verdade, a minha maior preocupação com este documento. Para além de o considerar desnecessário nesta fase do jogo (estamos na segunda parte), acho que ele foge do principal desafio que é pensar o País, reflectir sobre o que os problemas que ele apresenta significam não só para a viabilidade do País como também para a realização dos planos concretos que o governo tem. Por exemplo, na área de intervenção sobre a “consolidação do diálogo político e unidade nacional” os objectivos que se espera alcançar são os seguintes: a) “Mapeamento de moçambicanos na Diáspora; b) Fortalecida a prestação de Serviços Cívicos com a incorporação extraordinária de 1,500 Recrutas; c) Elevado o sentido Patriótico dos cidadãos através da Promoção, Desenvolvimento e Monitoria da Educação Cívico-patriótica; d) Fortalecida a prestação de Serviços Cívicos com a incorporação extraordinária de 1,500 Recrutas”. Eu não sei se percebem a minha dificuldade com isto. O que isto tem a ver com a consolidação do diálogo político e unidade nacional só os deuses sabem.
Cabo Delgado e o centro do País mostram que é preciso repensar muita coisa. É preciso repensar as estruturas políticas, os mecanismos de concertação social, a relação entre a sociedade e o estado a vários níveis, a nossa relação com a indústria do desenvolvimento, mas acima de tudo definir que País se quer para além de slógans ocos como “unidade nacional”. É preciso reflectir sobre a maneira como as eleições decorreram, os ressentimentos que isso criou e, acima de tudo, como trabalhar no sentido de recuperar a confiança das pessoas, não importa quem, nas instituições. É verdade que disso não vai resultar uma série de acções para 100 dias, mas sim para uma eternidade. Só que o desafio de construção dum País reside aí. Não consiste apenas na famosa “resolução dos problemas do povo” pelo governo, mas sim no trabalho sério, reflectido e demorado de criação de condições (institucionais, jurídicas e políticas) para que os moçambicanos façam o que é preciso fazer para que a gente chegue ao desejado bem-estar.
Infelizmente, o Presidente Nyusi não dá (e nunca deu) indicações de ter esta sensibilidade para o que significa governar Moçambique. Não é incompetência e ele também não tem culpa nenhuma. O que oiço de pessoas que privaram com ele é que se trata duma pessoa afável, cheia de boa vontade e que leva o seu trabalho a sério. Só que isso nunca vai chegar se ele e o seu governo não forem guiados por um projecto claro. O último congresso da Frelimo não produziu nenhum projecto, a reunião do Comité Central preferiu dedicar o seu tempo precioso a insultar Guebas e o manifesto eleitoral foi, efectivamente, um documento insípido revelador da profundidade da queda na qualidade da Frelimo como partido que tem nas suas fileiras mulheres e homens de muito valor, mas que pouco se fazem ouvir.
Infelizmente, o Presidente Nyusi não dá (e nunca deu) indicações de ter esta sensibilidade para o que significa governar Moçambique. Não é incompetência e ele também não tem culpa nenhuma. O que oiço de pessoas que privaram com ele é que se trata duma pessoa afável, cheia de boa vontade e que leva o seu trabalho a sério. Só que isso nunca vai chegar se ele e o seu governo não forem guiados por um projecto claro. O último congresso da Frelimo não produziu nenhum projecto, a reunião do Comité Central preferiu dedicar o seu tempo precioso a insultar Guebas e o manifesto eleitoral foi, efectivamente, um documento insípido revelador da profundidade da queda na qualidade da Frelimo como partido que tem nas suas fileiras mulheres e homens de muito valor, mas que pouco se fazem ouvir.
Repito que não sei se o documento que tenho é oficial. Pela fonte não tenho como não partir do princípio de que seja. E pelo que tenho visto da actuação da Frelimo nestes últimos anos também devo mesmo partir do princípio de que seja. É confrangedor. Tira-me até vontade de continuar a comentar a governação, pois batemos bem fundo e não há como criticar com utilidade sem parecer arrogante e sabichão mesmo sem nenhuma experiência de governação. Na verdade, anuncio desta maneira a minha intenção de deixar de comentar estes assuntos e me dedicar a outras paixões mais interessantes e gratificantes.
Mas não me posso despedir destes assuntos sem lançar um apelo ao Presidente da República, através dos seus assessores inoficiais nas redes sociais, para que se deixe assessorar pela sociedade e a esta para que o acuda. O nosso País tem quadros excelentes em várias áreas. Porque não identificar áreas prioritárias de reflexão (e não de intervenção!), convidar pessoas com conhecimento de causa para integrarem comissões de assessoria ao governo que funcionem de forma voluntária (isto é, sem remuneração) para produzirem reflexões pontuais sobre os desafios que o País enfrenta? Estou a pensar em áreas prioritárias como a) confiança nas instituições, b) gestão dos recursos naturais, c) protecção e promoção da cidadania e d) segurança social e política social. Os pareceres destas comissões, que se podiam reunir com uma regularidade trimestral ou semestral, não seriam vinculativos, serviriam apenas para que o governo se fizesse monitorar por um órgão cívico que dá aos moçambicanos a oportunidade de mostrarem o seu patriotismo. Escusado será dizer, para cortar de imediato quaisquer más interpretações, que os membros desses órgãos deviam ser moçambicanos que vivem no País, vivem a realidade do dia a dia e dispõem de vontade e conhecimento para ajudar a estabilizar um barco à deriva.
Só que, prontos, o autismo do governo é lendário. O mais provável é que algumas pessoas que se julgam seus cães de guarda se soltem para ladrarem de forma ensurdecedora contra quem não partilha a sua complacência.
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