Texto completo da entrevista exclusiva do presidente eleito de Angola, João Lourenço, realizada pela agência Efe em Madrid, durante uma visita privada, depois de vencer as eleições no seu país a 23 de Agosto de 2017.
Pergunta: José Eduardo Dos Santos deixa o cargo depois de 38 anos. Como vai assumir o desafio de ser o novo Presidente de Angola?
João Lourenço – Vou assumir com confiança. Apesar das dificuldades, os resultados das eleições foram bons, e o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) teve grande apoio popular o que nos incentiva a continuar. A situação financeira é menos boa por causa da queda dos preços do petróleo.
Mas Angola é um país em paz, um país onde os cidadãos se reconciliaram e isso é uma vantagem depois dos 38 anos em que o Chefe de Estado foi o meu predecessor, e durante pelo menos 27 anos dirigiu um país em guerra. Felizmente eu vou governar esta nova fase de paz com coragem,. Vamos-nos concentrar principalmente sobre o desenvolvimento económico e social.
Dado que o petróleo é responsável por 70% das receitas e 95% das exportações, qual é o seu plano para recuperar a economia?
JL – Convidar os investidores estrangeiros para Angola, na era da paz. Vamos trabalhar para criar um bom ambiente de negócios. Vamos modificar a nossa política de vistos, porque até agora tem sido um impedimento para o fluxo de investimentos. Além disso, vamos lutar contra a corrupção em todos os seus aspectos, contra o nepotismo. Uma vez que ganhas estas batalhas será fácil conseguir investimentos para o país.
A solução estará na diversificação e privatização? Quais são os sectores em que vai apostar? Pretende privatizar grandes empresas angolanas como a petrolífera Sonangol?
JL – Diversificar a economia é fundamental e indispensável para sobreviver. É essencial abrir a nossa economia e esquecer um pouco o petróleo. O nosso país, Angola, pode sobreviver, tem recursos para além do petróleo. Vamos criar incentivos no agro-negócio, Angola tem uma grande área, muitas terras cultiváveis, muita água, um clima muito favorável que não tem inverno rigoroso, e pode ser uma grande potência agrícola, do tipo do Brasil.
Então pretendemos diversificar o sector industrial, apostar na indústria de transformação e extracção. Angola tem muitos minerais, importantes como os diamantes, ouro, ferro. Até agora, apenas o petróleo e os diamantes estão a ser explorados. Temos também o sector das pescas, Angola tem uma extensa plataforma marítima que torna o país num grande produtor de peixe e marisco. No mar, podemos gerar recursos para alimentar a nossa população e exportar.
Quero igualmente enfatizar o Turismo, Angola Pretendemos trabalhar não apenas o turismo de praia. Queremos ir também para o interior, com investidores para construir infra-estruturas que nos permitam criar empregos. Se diversificarmos esses quatro ramos da economia que poderemos resolver um dos principais problemas em Angola, o desemprego, especialmente entre os jovens.
Quanto à privatização de empresas, que aberturas pensa fazer?
JL – Eu não posso dizer que vamos examinar caso a caso. Será tarefa do novo governo. Vamos estudar a privatização de empresas estatais que não são rentáveis, e consomem muito dinheiro aos cofres do Estado.
A Espanha tem oportunidades de investimento em Angola. Pode entrar no capital das empresas a privatizar?
JL – Os investidores espanhóis são convidados a investir nestes sectores e, em outros, como a indústria, pescas, turismo e até mesmo no sector da defesa, onde já foram feitos contactos específicos. Os empresários espanhóis devem analisar os sectores que interessam pois os seus investimentos têm os retornos garantidos.
Que negócios estão definidos no ramo da defesa?
JL – Tem havido algumas coisas, e as principais medidas foram já tomadas. Estamos num processo de aquisição de aviões de vigilância marítima com um fabricante espanhol. Estamos interessados em proteger a fronteira norte com a República Democrática do Congo, e sabemos que a Espanha tem boas soluções e kits para a protecção das fronteiras marítima e terrestre.
Há duas outras questões cruciais em Angola: a pobreza e a corrupção. Como é que se explica que o segundo produtor de petróleo de África, com imensas riquezas, que viveu uma longa guerra civil, metade da população viva com menos de dois dólares por dia?
JL – Estes dados não são verdadeiros. Não se pode dizer que metade da população angolana, ou seja, 12,5 milhões de angolanos vivem com menos de dois dólares por dia. Você tem que pensar que Angola passou quase três décadas de guerra. Eu não conheço um país, na Ásia, Europa ou em África que tenha vivido um longo período de guerra, com pendor destrutivo, como em Angola.
Nós sobrevivemos e nos últimos 15 anos, temos vindo a reduzir a taxa de pobreza, apesar de reconhecer que a pobreza ainda existe. O nosso Governo quer implementar medidas para proporcionar a inclusão econômica e social; ou seja, aumentar a oferta de trabalho. E para isso acreditamos especialmente no sector privado. Porque o Estado não pode lidar com todos os cidadãos.
A aposta no sector privado é a solução para o problema do desemprego e que criar um sistema de inclusão para os jovens. Pobreza, sim há pobreza, mas não ao nível que falam essas estatísticas. Queremos fazer com que os cidadãos possam criar micro, pequenas e médias empresas.
Quanto à corrupção, estamos cientes de que ela existe e o MPLA reconheceu isso e sabe que é um dos maiores obstáculos da nossa sociedade. Durante anos lutamos contra dois males: a guerra, que conseguimos superar e o alto nível de corrupção.
Sabemos que vai ser difícil, mas estamos determinados a ganhar essa batalha. Algumas pessoas têm dúvidas, mas temos de ter a coragem para lutar, porque é a única maneira, de convencer os investidores a virem para Angola.
Qual é o número oficial da pobreza ?
JL – Bem, eu não posso dar um número exacto, mas certamente posso dizer que nos últimos anos de paz a taxa de pobreza caiu muito em Angola. Se nos movimentarmos em todo o país, verificamos que a produção agrícola tem subido muito.
Tantos anos no poder do Presidente Dos Santos. Isso foi bom para Angola?
JL – Essa pergunta não pode ser respondida sim ou não. Nem bom nem mau. A situação que deve ser tida em conta é que ninguém pode realizar eleições no meio da guerra. Nessa altura só foi possível realizarem-se eleições em 1992.
Depois da instauração da paz em 2002, já realizámos três pleitos eleitorais, em 2008, 2012 e 2017. À terceira vez, o presidente decidiu entregar o poder e passar o bastão. Durante a guerra isso não poderia ser feito. Em 15 anos de paz, realizaram-se três eleições. A Constituição estabelece que o presidente pode cumprir dois mandatos. Foi decidido que era eu quem devia concorrer desta vez.
Durante o conflito foram alcançadas muitas conquistas: a independência nacional foi preservada, a soberania, também; Evitaram-se duas invasões, uma pelo norte e outra pelo sul. A guerra em Angola terminou com o apartheid, ajudando a Namíbia e a África do Sul; Terminou com o conflito interno em Angola, e tudo isso são ganhos!
Durante a sua campanha para a presidência de Angola prometeu manter o que está bem e corrigir o que está mal. Você acha que pode ser o arquitecto do milagre económico?
JL – O slogan da minha campanha foi: manter o que está bem e melhorar o que está mal. Isso pressupõe grande humildade, reconhecer tudo o que está bem e as coisas que devem ser mudadas. Os nossos dois presidentes, António Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos lutaram primeiro pelo alcance da independência e em segundo lugar pela paz e reconciliação.
São conquistas fundamentais. Após a paz em 2002, realizaram-se imensas coisas. Muitas coisas destruídas durante a guerra (pontes, estradas construídas). Hoje existem ligações terrestres com todos os países vizinhos, excepto, aquela sobre o rio, Zaire no norte do país. As linhas ferroviárias foram reconstruídas (…).
As ligações internacionais estão em falta, porque os países vizinhos não fizeram os investimentos necessários. O Porto do Lobito tem todas as condições para se conectar com o país; Nós construímos estradas, hidroeléctricas, etc..
Agora vou preservar e usar essas realizações: a independência, a soberania, a paz, a reconciliação, Vamo-nos concentrar no desenvolvimento da Economia. Angola tem enormes recursos e condições necessárias para criar um ambiente de negócios que incentive os investidores a virem ao nosso país. Temos as bases. Devemos investir na Educação, nas pessoas, porque o desenvolvimento económico não é apenas uma questão de recursos.
É uma transição do marxismo para o capitalismo?
A transição de uma economia marxista-leninista para uma democracia ou economia de mercado. A era multipartidária começou em 1991 quando foram assinados os Acordos de Bicesse, em Portugal. É um processo que não é feito da noite para o dia. Estamos a consolidar este processo que respeita os fundamentos da economia de mercado.
Dos Santos permanece presidente do MPLA. Será que isso significa que o partido irá marcar as directrizes do Governo? Você será capaz de governar de forma independente?
O Presidente Dos Santos é altamente respeitado tanto dentro do partido como em toda a sociedade. E não é invulgar tê-lo como o presidente do partido no poder. Só para citar um caso: Donald Trump é o presidente dos Estados Unidos, mas não é do Partido Republicano.
É claro que o MPLA vai influenciar as políticas do Governo, porque é o maior partido. Tem 61% dos votos. Não é justo pensar que o MPLA não vai liderar as novas políticas do Governo? Então, quem seria? Vai fazer o jogo do menos votado? O novo Governo vai seguir, sem dúvida, os ideais do MPLA, porque é o partido que tem dado confiança às pessoas!
Exceptuando Angola, Venezuela é outro país produtor de petróleo que não diversificou a sua economia. O que você acha sobre a situação na Venezuela?
A: Eu acho que os problemas enfrentados pela Venezuela não são apenas económicos. Compete aos venezuelanos analisar as causas da situação em que se encontram. Mas não é um problema económico. Há muitos produtores de petróleo no mundo que não estão todos na mesma situação, apesar da queda dos preços do petróleo. Somos todos afectados quando os preços caem. Mas nem todos têm a mesma situação. Não sou eu quem deve discutir os problemas da Venezuela.
Cuba continua a ser um parceiro e aliado?
As nossas relações com Cuba estão num nível muito alto e vamos continuar a trabalhar para fortalecê-las. Nutrimos ao povo cubano um sentimento de gratidão. Apertamos as mãos num momento crítico. Os cubanos derramaram o seu sangue no nosso território e isso não tem preço. Os angolanos não são ingratos e vamos continuar as nossas relações com Cuba.
Vamos continuar a considerá-lo um país amigo, de coração aberto e não vamos fazê-lo em segredo. Longe disso. Eu visitei os Estados Unidos e estive reunido com o meu homólogo, James Mattis. E de lá viajou para Havana, onde foi recebido pelo presidente Raúl Castro.
Militar formado na União Soviética e jogador de xadrez. Você tem o Exército do seu lado, o que é muito valioso. Aqueles que o conhecem dizem que é calmo e discreto. Diga-me, em suma, quem é Joao Lourenço? É muita ousadia apelidá-lo de Gorbachev angolano? Será que é reformador?
JL – Eu acho que você disse tudo. É difícil falar de mim mesmo. Prefiro que seja outra pessoa a falar de mim. Reformador? Vamos trabalhar para isso, mas certamente não como Gorbachev, Deng Xiaoping, sim. (EFE)
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