Porque Fecharam as Empresas Moçambicanas? - Protecção a um Inábil Caçador de Ratazanas (3)
Em Madzucane, localidade de Manjacaze onde nasci, a caça aos passarinhos e às ratazanas era uma actividade que ocupava a generalidade dos rapazes da minha geração. A minha inépcia para estas actividades era proverbial. Apesar de ter acompanhado as hordas de meninos que, fisga em punho, se embrenhavam pelos bosques à procura daquelas fontes alternativas de proteína animal, não me lembro de ter fisgado um único pássaro. No entanto, o meu sucesso nas armadilhas às ratazanas (swibangwas) intrigou durante algum tempo meninos mais hábeis na confecção daqueles artefactos que, aparentemente, tinham menos êxito do que eu. O facto é que eles assistiam as minhas toscas tentativas de confeccionar os swibangwas e davam-se conta de que nenhuma ratazana digna desse nome se poderia deixar apanhar. Só que, nas madrugadas orvalhadas daquelas paragens, quando nos embrenhávamos pela savana a examinar as nossas armadilhas, espantavam-se ao testemunhar o número de ratazanas que eu havia caçado. Afinal, o que acontecia era que eu estava sendo protegido por alguns dos rapazes mais velhos que apreciavam o facto de eu pertencer ao grupo. Para evitar que eu desistisse em consequência dos previsíveis desaires, sorrateiramente, dedicavam-se a corrigir os meus imperfeitos swibangwas.
A emergência de grande parte das empresas que se encontram neste momento encerradas pode ser comparada àquela protecção ao inábil caçador de ratazanas que eu era. O surgimento dessas empresas esteve, em grande medida, ligado a um paradigma de desenvolvimento que se estruturava na base da protecção à indústria nascente. Esta foi uma prática que prevaleceu desde o período colonial, com maior destaque para os princípios da década 60. O modelo de desenvolvimento seguido, baseado na alocação induzida dos factores de produção, foi pedir emprestado muitos dos seus elementos ao paradigma de desenvolvimento baseado na substituição das importações. O paradigma da substituição das importações foi um modelo de desenvolvimento que prevaleceu por várias décadas e que se destinava a alavancar as economias dos países subdesenvolvidos da América Latina, Ásia e África. Substituição de importações entender-se-ia como todo um processo de desenvolvimento que, respondendo às restrições do comércio exterior, procurou repetir aceleradamente, em condições históricas distintas, a experiência de industrialização dos países desenvolvidos.
O objectivo das políticas proteccionistas adoptadas em Moçambique durante o período colonial era o de gerar uma economia suficientemente flexível, diversificada, capaz de superar choques, poder responder a estes e, por conta própria, gerar continuamente crescimento e bem-estar, principalmente para extractos da população favorecidos pelo regime colonial. A lógica básica da estratégia de industrialização seguida era que a transformação da economia moçambicana demandava protecção em relação à concorrência com produtos importados. Neste caso, o Estado colonial assumiu o papel dos rapazes mais velhos que, aleivosamente, corrigiam os meus swibangwas, impondo quotas de importação, impondo tarifas ou accionando outros mecanismos que limitavam a entrada de produtos estrangeiros no território nacional.
Na verdade, a base de sustentação da indústria manufactureira que se estabelecera no país era a garantia de um mercado interno livre da concorrência estrangeira. A ideia era que, na ausência da protecção, os custos iniciais do estabelecimento da indústria não estimulariam os investidores privados (colonos) a aventurar-se numa nova área.
Como se vê, esta estratégia de crescimento seria diferente daquela induzida pela substituição "espontânea" de importações. Esta é a que ocorreria naturalmente em resultado de uma mudança nos preços relativos do produto nacional frente ao importado, tornando o produto nacional mais barato. Esta mudança dos preços relativos pode estar associada tanto a maiores ganhos de produtividade na indústria nacional ou a uma depreciação da moeda nacional frente à moeda estrangeira, o que confere maior competitividade ao produto fabricado internamente.
O proteccionismo e a realocação induzida de factores (que ocorreu tanto no período colonial como no período socialista que se seguiu à proclamação da independência nacional) permitiram o surgimento de uma vasta gama de ramos industriais. Tudo parece indicar que estas indústrias só poderiam ser viáveis naquele ambiente de protecção, mesmo com as gritantes deficiências que começaram a evidenciar a partir dos meados da década 70. Semelhantemente, no caso do caçador incompetente de ratazanas que eu era, o meu sucesso só poderia manter-se se os mais velhos continuassem a corrigir os meus swibangwas
É importante a este respeito reparar que os industriais moçambicanos nunca haviam sido confrontados com concorrência num mercado aberto. O que muita gente ignora é que a economia colonial era fortemente proteccionista, assim como o era a economia centralmente planificada do período imediatamente a seguir à proclamação da independência. Numa situação de protecção, a colocação da produção das empresas raramente é um problema. Uma análise às dinâmicas de vendas de uma empresa como a UFA durante o período colonial demonstraria facilmente como estas empresas operavam numa situação de quase monopólio. Assim, grande parte destas indústrias veio a revelar-se desajustada com a abertura económica, que implica concorrência a uma escala global. Mesmo se considerarmos que, por vários motivos, e principalmente durante o período da economia planificada, muitas das empresas que encerraram já não estavam a abastecer eficazmente o mercado.
O ponto que aqui se pretende defender é de que o encerramento de unidades económicas ou o seu funcionamento deficiente pode estar ligado a razões estruturais, nomeadamente aquelas que têm a ver com o seu desajustamento tecnológico, para competirem num ambiente económico aberto, isento de proteccionismo. Esta realidade de abertura é contrária à realidade que prevaleceu tanto no período colonial como no período que imediatamente se seguiu à proclamação da nossa independência. Isto é, o melhor gestor do mundo, se fosse possível identifica-lo, não seria capaz de viabilizar uma Mabor ou uma Texlom sem abordar adequadamente as questões estruturais que, na sua generalidade, são de nível macro. E podem relevar de um contexto internacional específico, como tentarei explicitar em próximo artigo.
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