Pode chamar-se mentiroso a alguém, como Maleiane, que mente obsessivamente e parece acreditar nas mentiras que diz?
Na duas década entre 1987 e 2006, quantas vezes reestruturámos a dívida pública e quantos "perdões" de dívida recebemos (o último, em 2006, reduziu o stock de dívida externa de US$ 6 biliões para US$ 3 biliões)? Como é que Maleiane tem o despeito de dizer que temos uma tradição de ser bons pagadores, à qual regressamos depois dos episódios dos pequenos erros de governação, aka dívidas ilícitas? Em que ano fomos bons pagadores (se bom pagador significa honrar o serviço da dívida)? Nunca fomos. E tivemos razão em não sê-lo. Mas, porque é necessário o Maleiane, que até foi governador do Banco de Moçambique durante boa parte do período de negociação de perdões de dívida, mentir sobre isso e inventar uma tradição que nunca existiu?
Bem, há uma razão para ele estar a mentir de novo (além da sua obsessão em mentir). Ele está a tentar justificar o enorme esforço do governo para pagar as dívidas ilícitas, que não foram contraídas com aval do Estado, mas à sua revelia. A prioridade do governo tem sido tentar safar o topo do grupo de criminosos, cada vez mais alargado, que defraudou o Estado em 15% do PIB através de negócios ilícitos em 2013. Há um acordo entre governo, partido e multinacionais para resolverem este problema safando AEG e FJN, e alguns outros ainda não revelados, mas que importa safar, para manter o poder do partido e o controlo das multinacionais sobre a política pública, a soberania nacional e os recursos estratégicos nacionais.
O mesmo Maleiane, que mentiu para encobrir a existência das dívidas e nas subsequentes negociações com credores, agora está a inventar outra mentira, de que temos uma tradição de ser bons pagadores, que ele sabe que é mentira, apenas para "criar" uma "tradição" que estamos moralmente obrigados a seguir.
O Maleiane, que, nos anos 1990, participou no swap de dívida por activos na indústria açucareira, e chamou desenvolvimento a isso, hoje defende o swap da dignidade e da soberania do país por gás e por protecção política para uma cúpula criminosa.
O que os Maleianes não querem dizer, se é que entendem, é que seja qual for a forma que arranjem para safar AEG e FJN e para não declararem estas dívidas odiosas e impagáveis pelo Estado - os responsáveis que as paguem - estão sempre a tirar ao Estado e ao povo. Se pagarem com gás, com impostos, com swap por activos em vários sectores, vendendo a dívida a um abutre financeiro, etc., no fim são apenas formas diferentes de fazer o Estado e o povo pagarem por criminosos que "têm" de ser protegidos, mesmo à custa da soberania do País, para defender o poder de um partido e da sua rede e os interesse dos especuladores financeiros nacionais e internacionais.
Os Maleianes vão argumentar que o recente acordo "desbloqueou" o acesso do País a investimento estrangeiro porque as agências de rating financeiro nos tiraram do nível de calote crónico. Sim, saímos do calote crónico porque entregámos tudo às multinacionais: o Estado, o sistema político, o território, os recursos estratégicos, a defesa e segurança, a dívida pública e o presente e futuro do País. É isto que significa ser "bom pagador"? Duvido que o acesso a investimento se concretize ou que seja benéfico para a economia e a sociedade no seu global - concretizando-se, tenderá a ser mais do mesmo, dadas as características estruturais específicas do modo de acumulação capitalista em Moçambique.
Ao contrário do que Maleiane diz, se estivéssemos a voltar às nossas tradições estaríamos a negociar o cancelamento de parte da dívida (nas décadas de 1980 e de 1999, foi da dívida causada pelo colonialismo, pelo apartheid, pela deterioração dos termos de troca das nossas exportações, entre outras; hoje seriam as dívidas ilícitas) e a reestruturação e o rescalonamento da restante, apresentando argumentos e provas fundamentados que ganhariam o apoio da sociedade e do mundo. Estaríamos a negociar o fim dos incentivos fiscais redundantes para o grande capital e a rever e reestruturar a estratégia e as prioridades de investimento, em vez de tentar mobilizar maior quantidade do mesmo tipo de investimento. Foi isso que fizemos, ou lutámos por fazer, ou tentámos fazer, desde a independência nacional, para defendermos o País e fazermos justiça à história e ao povo. Essa foi a nossa tradição.
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