Aprender do Brasil
Estou feliz com a soltura de Lula. Ele fez um tipo de política que prometia corrigir os desequilíbrios estruturais e históricos que impediam o país de realizar o seu potencial. Entendeu melhor que nenhum outro político brasileiro que a igualdade de oportunidades era a chave para isso.
Não previu, nem podia saber, que o sucesso dessa campanha iria depender do cultivo duma postura política cívica que comprometesse aqueles cuja vida ficava melhor com o ideal da igualdade de oportunidades.
Nāo previu, nem podia saber, que o sucesso dessa campanha iria depender do cultivo duma postura política crítica que não reduzisse problemas complexos à simples equação da corrupção.
Nāo previu, nem podia saber, que o sucesso dessa campanha iria depender do cultivo duma postura intelectual hostil à complacência.
Lula está livre (por enquanto), mas não está inocente. Não está inocente (embora seja) porque existe um grande equívoco na política brasileira. Esse equívoco é a ideia de que a corrupção explica os problemas do país. É esse equívoco que viabilizou - e vai continuar a viabilizar e legitimar - a perversão da justiça naquele país.
Historicamente, a luta contra a corrupção foi sempre usada por políticos oportunistas, cidadãos perplexos e pseudo-intelectuais como argumento para resistir à mudança, proteger o privilégio e dissimular dificuldades na abordagem de problemas complexos. Não existe regime autoritário no mundo que não tenha justificado a tomada de poder, ou o apego ao poder, pela necessidade de combater a corrupção.
Nāo existe nenhuma democracia liberal que se tenha legitimado pela luta contra a corrupção. E isso não é por não haver corrupção nessas democracias. É porque lá se sabe que o moralismo não constitui boa base para construir uma sociedade. Muita moral só produz autocracias religiosas ao estilo do Irão.
A Pérola do Índico está cheia de pequenos Ayatolahs que usam o discurso da luta contra a corrupção para atolar o País num moralismo que vai comprometer seriamente a nossa liberdade. A justiça será um expediente político que vai ser usado para criminalizar a vida. A indignação vai paralisar a iniciativa, sufocar a criatividade, premiar a incompetência e promover o vazio de ideias como virtudes dignas de crédito. Enquanto os outros vão caminhar rumo ao progresso, nós vamos ficar reféns de moralistas que não fazem absolutamente nenhuma ideia dos problemas que o País enfrenta, mas estão convencidos do contrário.
Se você é moze e festeja a soltura de Lula porque acha que justiça foi feita, você muito provavelmente não entende o que está em jogo. A perversão da justiça é funcional à luta contra a corrupção. O problema é esta última, não é a justiça. Ou você é incoerente, ou você não entende muita coisa. Prender Lula sem provas não foi um excesso. É o desfecho lógico da luta contra a corrupção.
A luta contra a corrupção é a versão moderna da caça às bruxas. Se você quer o bem de Moz, pense nisso e deixe de repetir slogans.
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