Uma sociedade (in)civil
Um grupo de OSC emitiu um comunicado declarando as eleições não livres, não justas e não transparentes porque, sustenta, “o partido no poder capturou e assaltou a máquina eleitoral”. O comunicado vem logo após notícias segundo as quais homens armados não identificados atacaram viaturas civis e tiraram a vida a algumas pessoas. O ataque não foi reivendicado, por isso não se sabe ao certo quem está por detrás dele. Sabe-se, contudo, que ele aconteceu numa região onde se sabe que há homens armados da Renamo.
Para mim, o comunicado das OSC, sobretudo, a sua linguagem, é grave. É duma insensibilidade que brada aos céus num momento tão delicado como este. Não é segredo para ninguém que houve muitas irregularidades nestas eleições. Eu próprio estou surpreendido com as margens da vitória, sobretudo ao nível das presidenciais e das eleições de governadores provinciais. Admito erros de raciocínio no que me levou a supor que a margem fosse ser menor. Embora aceitando a possibilidade de que as irregularidades tenham também enviesado os resultados, custa-me a acreditar que elas sejam a única explicação para o desaire sofrido pela oposição.
Para mim, o comunicado das OSC, sobretudo, a sua linguagem, é grave. É duma insensibilidade que brada aos céus num momento tão delicado como este. Não é segredo para ninguém que houve muitas irregularidades nestas eleições. Eu próprio estou surpreendido com as margens da vitória, sobretudo ao nível das presidenciais e das eleições de governadores provinciais. Admito erros de raciocínio no que me levou a supor que a margem fosse ser menor. Embora aceitando a possibilidade de que as irregularidades tenham também enviesado os resultados, custa-me a acreditar que elas sejam a única explicação para o desaire sofrido pela oposição.
A linguagem do comunicado parece-me completamente irresponsável. Ela constrói a falta de credibilidade destas eleições com alegações. Começa por dizer, por exemplo, que o partido no poder “capturou e assaltou a máquina eleitoral”. Isto é grave, senão mesmo difamação. O facto de pessoas ligadas ao partido no poder cometerem irregularidades não implica necessariamente que o partido no poder “capturou e assaltou” o processo. Há membros da oposição que foram apanhados a cometer irregularidades. Organizações sensatas iriam concluir a partir daqui que o processo eleitoral foi afectado por irregularidades de vária ordem envolvendo maioritariamente pessoas ligadas ao partido no poder, mas também outras ligadas a outros partidos. Não seria apenas para respeitar a verdade. Seria para evitar atiçar os ânimos, sobretudo numa altura em que há violência pós-eleitoral. Não percebo quem estas organizações pensam que ganha com este tipo de insensibilidade.
Continua dizendo que estas eleições foram as mais viciadas e fraudulentas. Outra alegação irresponsável por duas razões. A primeira é que eles falam de “indícios”, logo, não de factos confirmados. Só o pronunciamento de tribunais ou de instâncias com competência para determinar se alguma coisa é irregular ou não é que nos proporciona uma base para falarmos com certeza. Existem procedimentos claros que tornam possível que isso tudo seja encaminhado às autoridades competentes. Se depois dessas coisas forem analisadas e essas autoridades confirmarem que, realmente, se trata de irregularidades, então haverá uma base para fazer este tipo de afirmação. Sem isso, os signatários da declaração estão a fazer agitação. A segunda razão é que comparações precisam de critérios. Qual seria o critério desta vez? O número de notícias de irregularidades? Como sabem se não sabem de que maneira é que essas irregularidades influíram nos resultados?
Prossegue estabelecendo ligações com as eleições municipais do ano passado, portanto, fazendo passar a ideia de que as irregularidades do processo fazem parte dum projecto de fraude de longo prazo. Pode ser. Ou não. Isto é, constitui razão para alguém suspeitar que algo não cheire bem, mas decididamente é pouco para vir a público pôr o processo em causa de forma tão bombástica. O mesmo vale para o uso excessivo de recursos do Estado, intimidação da oposição e da sociedade civil. No dia das eleições, o candidato presidencial da Renamo brandiu boletins de voto previamente “preenchidos” e acusou a Frelimo de fraude – ao invés de apresentar queixa dentro dos procedimentos previstos. Na verdade, ele estava, num certo sentido, a fazer campanha num dia proibido para tal e o facto de aliar os seus pronunciamentos à ameaça de não aceitar os resultados constituía uma forma de influenciar o comportamento eleitoral. Tudo isto faz parte de tudo quanto pode correr mal num processo eleitoral entre nós. Olhar só para o que parece beneficiar um lado não me parece responsável da parte das OSC.
O mais nojento nesta declaração é a insistência em associar o partido no poder ao homicídio que vitimou um observador em Xai-Xai. Sim, estão envolvidos agentes da polícia agora nas mãos da polícia. Existe a possibilidade real – que nunca houve noutros casos semelhantes – de que a verdade venha ao de cima. Porque não esperar por isso para fazer declarações públicas bombásticas? Porque incitar os ânimos? Se grupos de cidadãos conscientes vandalizarem a sede do partido Frelimo em Xai-Xai porque as OSC disseram que o partido é que mandou matar Matavele, os signatários do comunicado vão ficar felizes?
Os casos de impedimento ilegal de observação independente são fáceis de documentar. O mesmo vale no que diz respeito às falhas no cumprimento das regras de apuramento parcial. Que se reúnam estas coisas e sejam encaminhadas para os órgãos competentes. Se depois de as queixas serem processadas as OSC não estiverem contentes, ainda podem emitir este tipo de declarações. Ignorar todo o processo jurídico que deve ser observado e correr para os altifalantes para proclamar a falta de credibilidade do processo é, de novo, irresponsável.
Duvidar da idoneidade dos observadores internacionais e do Conselho Constitucional com base em alegações que deviam ter sido encaminhadas para as autoridades competentes para serem analisadas é simplesmente grave e, insisto, irresponsável. Praticamente, as OSC colocam tudo o que é autoridade em causa, retiram credibilidade ao Estado e só sobram elas como repositórios da honestidade e integridade. Parece-me suspeito. Achar que a constituição duma nova Comissão Nacional de Eleições por si garantirá um processo eleitoral “credível” é ingênuo, a não ser que a tal comissão seja composta pelos membros das OSC que, como se sabe, são o antro da virtude e da integridade no País...
Há muitas razões para se supor que estas eleições não tenham satisfeito os critérios desejáveis de transparência e respeito pelos procedimentos. Elas decorreram num ambiente de grande desconfiança não só entre os actores políticos, mas também entre militantes das OSC contra o partido no poder. Isto fez com que não houvesse discernimento suficiente para documentar todas as irregularidades como devia ser, resistir à tentação de acusar seja quem for e depositar confiança nos procedimentos. As OSC ao invés de serem um factor de estabilidade e de sensatez constituíram-se como factor de agitação emocional e política. Falharam estrondosamente no seu papel de moderadores do diálogo político e, com este comunicado, contribuem decisivamente para que a oposição não aprenda dos seus possíveis erros e, acima de tudo, para que haja violência pós-eleitoral.
Mais do que duma melhor oposição, o País precisa duma sociedade civil, não duma sociedade incivil (bélica).
N.B. incluo aqui o elo para a declaração em questão, também para que fique claro quem são as organizações signatárias. Nem todas as organizações que acompanharam o processo eleitoral são signatárias do documento, o que me parece interessante.
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